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quinta-feira, 19 de junho de 2014

À memória do meu amigo Ribas


O Ribas e os pais moravam numa modesta casa térrea com uma porta no meio de duas janelas viradas para a rua. Havia lá estado uma vez num dia quente de Verão a ajudá-los a transportar coisas antigas do sótão para o quintal, situado nas traseiras da casa. Só me voltei a lembrar desse dia passados que foram 3 anos quando lhe ouvi dizer «o meu falecido pai felicitou-me por teres ido lá a casa, gostou dos teus modos e de saber que eras meu amigo»
A satisfação cobria-lhe o rosto mais por ter alegrado o pai que por ter recebido a sua aprovação. Além do meu comportamento solicito e educado houve um outro factor: o tabaco, ou melhor a aversão ao tabaco; quando ma ouviu manifestar, passou literalmente a ver-me fora dos grupos das más companhias do filho e dos amigos de John Barleycorn, essa informação surtiu o efeito de um bálsamo naquele velho pai sofrido...  
As cortinas brancas não deixavam ver para dentro do quarto, mas a janela, aberta por causa do calor das noites quentes de Agosto, permitia-me ouvi-lo. Cantava alto. Enfiei a cabeça para dentro da janela afastando as cortinas com a mão e ele nem notou. Deitado na cama, de tronco de barriga para cima, olhos postos no infinito do tecto, cantava Zeca Afonso.
“E se um dia houver uma praça de gente madura
E um estátua de febre a arder… "
Deixei-o acabar a canção e chamei-o.
- Ribas!
- Olá... Já vou. Deixa-me só vestir uma camisa...
O rumo era em direcção à casa do nosso amigo comum, o Sr. Bastos onde à noite nos reuníamos para cumprir com imenso agrado o hábito habitual de ouvirmos o Ribas a tocar guitarra e a cantar...  Só depois da actuação, aceitávamos  iniciar as partidas de Xadrez. 
Por vezes o Ribas perguntava-me:
- Não me queres encomendar uma serenata? Só tens que me dizer onde ela mora e escolher a canção, o resto deixa comigo!!
Caminhava lançando as pernas para a frente, dentro de umas calças largas, baloiçando a barriga… 
- Sabes o que eu descobri? ontem à noite?
- Diz.
- Descobri. O Universo está afinado em Lá menor!
-???????????? (o meu espanto era ainda maior que o universo)
- Como ??????
- Estava a cantar. Deitado. A certa altura da canção a cama vibrou debaixo das minhas costas. Eram as molas do colchão, ressoavam. Voltei a cantar e notei que o colchão ressoava sempre na mesma nota. Lá menor.
- Lá menor?
- Sim. O colchão. A cama! As paredes da casa. Alexandre, o Universo está afinado em lá menor. Tudo o que vês. A claridade da lua, o brilho das estrelas... tudo o que está parado e tudo o que se move!

O Ribas de todas as pessoas para quem eu tinha declamado um ou dois versos da minha autoria havia sido o único que me pedia que o declamasse de novo para fruir com verdadeiro prazer da mensagem e das rimas!!
"Gente gentalha que em Deus acreditaste
E o tornaste à vossa imagem, podre e oca  
Com ódios e guerras santas vos elevaste
Mas para com a verdade não abriste a boca (...)

quanto ao resto do poema... esse será só para os meus verdadeiros leitores!! para aqueles que me procuram para ler mais!!


terça-feira, 17 de junho de 2014

o começo da amizade de Sólon com Anacarsis

...desde tenra idade os outros sempre me despertaram extrema curiosidade.
 não sentia qualquer dificuldade em tocar nas pessoas, em falar-lhes, em perguntar-lhes qualquer coisa. Eu não precisava de conhecê-las para as conhecer; eu ia ter com elas, e elas diziam-me bubu, e bibi e eu percebia-as. E mesmo sem saber falar eu falava-lhes, e elas começavam a ficar felizes... 
Mas hoje se vou ter com alguém que não conheça já ninguém me diz bubu nem baba e olham para mim como se eu já não fosse criança; eu sei que mudei muito, mas eu não mudei nada; e se por acaso me aproximo das pessoas que não conheço elas olham-me agora com uma cara de espanto, como se eu não devesse estar ali; e, infelizmente, da expressão dos seus rostos transparece de imediato a falta de uma explicação.
E não poderia ser de outra maneira.

A exigência de explicações para actos inusitados são tão antigas quanto o homem; o homem há muito que está desacostumado que se abeirem dele, por isso pede explicações a quem o faz. 
Plutarco diz-nos que uma vez um dos sete sábios da Grécia, Anacarsis, tendo visitado Atenas, foi a casa de Sólon, legislador de Atenas. Este depois de Anacarsis ter batido à porta quis uma explicação. Anacarsis anunciou-se como um estrangeiro que ia unir-se a ele pelos laços da amizade e da hospitalidade. A explicação de Anacarsis não agradou Sólon, que lhe respondeu:
 «Mais vale procurar amigos em sua própria casa que procurá-los fora.» 
Retrucou-lhe Anacarsis:
 «Pois bem! visto que estais em vossa casa, fazei então de mim vosso amigo e hóspede.»
Se o espírito de Anacarsis quis manifestar-se pela vivacidade da sua pronta resposta, o de Sólon também não se deixou de manifestar - pela pronta hospitalidade concedida. Se não fora a beleza de Anacarsis razão para que Sólon anui-se ao convite de amizade, que outra poderia ter sido senão a beleza das palavras, reflexo da do espírito?