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sábado, 10 de dezembro de 2011

o discurso do V for Vendetta

....recomendo a leitura atenta do discurso do V de Vendetta no canal da televisão estatal.

"É claro que há quem não queira que conversemos por esta via. Suspeito que neste instante estão a ser gritadas ordens pelos telefones, e homens com armas vêm já a caminho. Porquê? Porque embora o cassetete seja usado em vez do diálogo as palavras reterão sempre a sua força. As palavras oferecem formas de significado e para os que as escutam: o enunciado da verdade. E a verdade é que há algo terrivelmente errado com este país, não há? Desigualdade e injustiça, intolerância e opressão. E quando dantes tínheis a liberdade de objectar, de pensar e de falar como vos aprouvesse, tendes agora censores e sistemas de vigilância, coagindo-vos à conformidade, solicitando-vos a submissão. Como aconteceu isto? Quem é o culpado? Certamente que há uns mais responsáveis que outros e esses terão de prestar contas, mas mais uma vez, verdade seja dita, se procuram um culpado só têm de olhar para o espelho. Eu sei porque o fizestes. Sei que tendes medo. Quem não teria? Guerra, terror, doença. Miríades de problemas conspiraram para vos corromper a razão, e vos roubar o bom senso. O medo tirou-vos o melhor de vocês. E no vosso pânico viraram-se para um consentimento silencioso e obediente. Haja quem queira pôr fim a esse silêncio. Haja quem queira lembrar ao mundo que a correcção, a justiça e a liberdade são mais do que palavras. São perspectivas."

"Remember, remember, the 5th of November
The gunpowder, treason and plot;
I know of no reason, why the gunpowder treason
Should ever be forgot."

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

...um anjo da Guarda Nacional Republicana

… um grupo de portugueses subiu a terras espanholas; e já bem dentro da vizinha Espanha sentaram-se a uma mesa de uma taberna e pediram dois pires de tremoços e quatro cervejas... conversavam uns com os outros um bom bocado e depois já cansados de ali estarem chegaram-se ao balcão para pagar...
- Já não precisam pagar, já está pago. - disse-lhes um dos empregados.
- Já? Mas quem é que pagou?
- Ele! (apontou para um senhor sentado noutra mesa.)
o pequeno grupo aproximou-se da mesa e indagaram o espanhol
- Diga-nos porque nos pagou a despesa?
- São portugueses, não são?
- sim, somos.
- Pois, por isso, por serem portugueses...
- Não compreendemos.
- Mas vão compreender. Se hoje estou aqui a um português o devo. Salvou-me a vida há muito tempo , nem sei se ainda será vivo. Eu nunca lhe pude agradecer...
- Salvou-lhe a vida?
- Sim, há muitos anos; decorria a guerra civil espanhola - levavam os prisioneiros políticos acorrentados para as praças de touros para... Vocês sabem!!, sim, sob o pretexto de nos considerarem perigosos por não sermos Franquistas... Era nas praças de touros. Há fotografias de fuzilamentos, autênticos genocídios... Sabia-se. Mas todos se calavam... Um dia os que me procuravam avistaram-me. Perseguiam-me! Eu corri pelos montes para a fronteira…Descia e subia encosta... e tentava distanciar-me o mais possível… Já em solo português, subi um morro; sempre a olhar para trás para ver se via os meus perseguidores e, quando olho para diante, vejo um soldado da Guarda Nacional Republicana armado. Donde ele estava observara certamente tudo; sabia que me perseguiam, mas, porque era um homem bom, só fez assim (levou o dedo indicador na vertical aos lábios) para que não falasse e apontou-me a direcção a tomar. Não hesitei um segundo, lancei-me numa corrida desenfreada por um caminho de cabras ladeado de arbustos altos, giestas e silvas...tinha a morte atrás… quando senti que não podia ser avistado procurei um sítio onde pudesse ver sem ser visto... espreitei e vi os meus perseguidores; falavam com o guarda, pouco depois vi-o apontar com o braço para o lado oposto ao que me indicara... vi-os com grande alivio tomar esse caminho... Assim que os deixei de ver corri para bem longe da fronteira... Andei fugido por terras portuguesas durante muitos meses. Eu não tinha dinheiro; andava de povoado em povoado, de casa em casa… nenhum me denunciou! Esconderam-me e mataram-me a fome, foram portugueses.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

... comer por obrigação

Quem não compra, não transporta e não cozinha os alimentos vive muito menos tempo na presença dos mesmos. Para ganharmos a real consciência de que eles existem nada como sair de casa para os comprarmos, nada como os transportarmos, (quanto mais pesado for o saco mais consciência), nada como os prepararmos e cozinharmos.
É o que me acontece agora, sou eu que os compro, transporto, preparo e cozinho. Ainda anteontem, comprei uma perna de peru. Trouxe-a para casa; firmei-a contra o tampo da mesa e servindo-me de uma faca e dos dedos comecei a descarnar o osso. A faca não cortava por ai além; eu debatia-me por conseguir separar a carne do osso. O frio dos músculos da carne da perna de peru refrigerada vencia aos poucos o calor do sangue das minhas mãos; passado algum tempo o frio já não era os músculos da perna do peru, era dentro das minhas mãos, dentro dos meus dedos, nos ossos e na carne.
Talvez esse frio cortante haja contribuído para que eu me relembrasse do que já muitas vezes pensara do indesejável na vida do homem: esta necessidade premente de comer.
Então, na altura em que descarnava o osso, como se estivesse a ver-me - de fora - dependente daquele alimento - pensei, senti, a angústia de não ser eu diferente, mesmo o horror por estar submetido, para viver, à condição: tens que comer! O que eu não daria, os séculos que não desejaria transpor de um salto, para não estar submetido à atroz sentença: tens que comer! Ah! poder um dia não comer! viver finalmente livre dessa premente condição imposta pela natureza. Ah! poder um dia, em vez de a vida me dizer incessantemente: Come! Vai comer!, dizer: Outrora comia porque tu querias, agora como, apenas, se quero, Ó Vida; agora como apenas e só por capricho! Por capricho!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

o símbolo do ânimo invencível foi El Sr Dom Quixote

Miguel de Cervantes escreveu o Dom Quixote em contraste aos cavaleiros heróis da altura- na verdade nos livros de aventuras escritos na época eles sempre saiam ganhadores em todas as batalhas, enquanto o nosso amado Dom Quixote saia delas sempre moído e sovado! Mas caso esmorecia? ou perdia o ânimo? - ou chorava? - Não. Até mesmo quando perdeu os dentes e dá em pedir ao Sancho que lhe meta os dedos na boca para que os apalpe e lhe diga com quantos ficou. Dom Quixote não chorava, Sancho sim; uma vez foi de felicidade - quando voltou a encontrar o burro, porque andara dele afastado semanas.
A grande lição do Dom Quixote é a constância na luta, no pelejar pelo ideal de endireitar o mundo, sempre de espírito animado e idealista! - Por isso gostamos dele - Está sempre a ser derrotado mas nunca desiste! e não se culpa pelas suas derrotas, culpa os magos que não lhe querem dar o prazer de sair vencedor! É um louco! mas é um louco feliz!, enquanto os sãos de espírito, como o é Sancho, andam sempre a queixar-se e a dizer mal da vida!
No Diário de Dostoiewski releio que a melhor resposta que poderíamos dar a quem desconhecesse o que é o Homem, era oferecer-lhe o Dom Quixote a ler!...
Aproveito o ensejo para contar-vos uma das muitas piadas que colhi da leitura de Dom Quixote; referia haver um pintor de Aveleda tão bom a na arte de pintar que, para despistar dúvidas, sempre que pintava um galo escrevia por baixo - Isto é um galo!

domingo, 13 de novembro de 2011

amor / desamor

Somos todos muito parecidos no que concerne ao valor que damos a nós próprios - pouco - quase sempre racionalizando segundo a apreciação dos outros; temos a grande virtude, ou defeito de não sabermos quem somos, quero dizer de perdermos as nossas referências mais íntimas, quando o nosso coração nos lembra constantemente alguém; deixamos simplesmente de procurarmos o que antes procurávamos, as nossas predilecções, coisas, pessoas; na verdade esquecemo-nos de nós. É certo que o tempo, através dos lancinantes golpes das desilusões, ou da satisfação advinda da realização dos nossos desejos, nos faz retomar ao equilíbrio emocional – então, voltamos a ser outra vez nós, acompanhados ou sós.

a dor de corno, um insulto à vida

…ele acordava muitas horas antes da hora costumada. A avó comentava para os pais: o meu neto anda triste!
… a razão da sua tristeza chegara-lhe por telefone pela voz da namorada… uma notícia, um acontecimento de todo indesejável!... um acto leviano perpetrado pela própria com o ex dela…
… sem anticorpos para aquela visão – o prazer dela com outro – sofreu para burro! – nos primeiros dias e nos seguintes - sem saber como se livrar da angústia…
… depois do acumular de algumas noites de mau sono, a angústia começara a notar-se mais; ainda assim preferia caminhar pelas calçadas moendo e remoendo a dor do seu enorme desgosto a deixar-se ficar em casa…
… no decurso de um desses passeios solitários avistou um artista conhecido. O cantor ribatejano Pedro Barroso. Estava sentado a uma mesa na esplanada dum restaurante com a sua cara-metade, a comer ostras. Dirigiu-se-lhe, cumprimentou-o. Mas sem conseguir esconder o seu estado de espírito, começou a lamentar-se, confessando-lhe a razão da sua enorme tristeza…
Vendo-o tão triste e pesaroso! o cantor disse-lhe num tom de reprovação…
- O seu comportamento, assim, é um insulto à vida!

Ouvir-lhe dizer aquelas palavras fizera-lhe bem, mas não o curaram; a dor de corno perturbava-lhe o sono como uma dor de dentes – o corno estava cariado e doía fundo na raiz. O abcesso deformara-lhe o espírito - tornar-se alguém que não conhecia, um estranho para si mesmo. Sofria! Chegou mesmo a cogitar num acto de vingança, que não seguiu por o associar a feitos vergonhosos de gente insana e fraca de espírito; apesar de sentir-se como um demente não se considerava um.

sábado, 22 de outubro de 2011

Anne Frank, obrigado pelo teu legado.

... querida Anne Frank espanta-me que hajas conseguido escrever tão bem à idade que tinhas!, eu mesmo que persigo esse objectivo como a um ideal não teria escrito melhor! – Sei que não me podes escutar, mas eu falo para todos os que ouvem por ti! Que haveria pergunto, no teu eu que tanto desejava a imortalidade da tua obra? – tu sabes, eu sei, todos nós os teus leitores sabemos! O bem!

06/03/1944
“Leio no rosto de Peter que pensa tanto em mim como eu nele. Ontem à noite aborreci-me terrivelmente quando a Srª van Daan disse, toda trocista:
-Olhem o grande pensador!
O Peter corou, ficou encavacado, e a mim apeteceu-me saltar à cara da senhora.
Porque é que falam sem ser preciso? Não calculas como sofro por vê-lo assim tão só. Compreendo-o como se fosse eu própria a viver a sua vida, sinto-lhe o desespero quando discutem e se zangam junto dele, noto o vazio em que ele mergulha. Pobre Peter! Como tu necessitas de amor!
Disse-me que não precisava de amigos: ainda trago nos ouvidos a dureza dessas palavras. Como está enganado! (…)
Oh, Peter, se me deixasses ajudar-te! Os dois juntos vencíamos a nossa solidão.
(…) Ainda bem que os van Daans não têm uma filha! A minha conquista não seria tão difícil, tão bela e tão esplêndida se não fosse a atracção pelo sexo oposto.

7/03/1944
(…) Se o Peter diz que tenho «charme» talvez não tenha bem razão. Os professores gostavam era das minhas respostas vivas, das minhas observações cómicas, da minha cara sempre a sorrir… (…) Nunca impedia que alguém, fosse quem fosse, copiasse os meus exercícios. (…) E eu nunca tinha mau génio ou má disposição.”

Anne morreu em Março de 1945 no campo de concentração de Bergen-Belsen, dois meses antes da libertação da Holanda do jugo do Estado Nazi.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

- apresento-me!

O mundo é cheio de belezas, das que existem nos livros, e num sentido mais profundo, cheio das belezas que se encontram nas palavras!... gosto de as escutar em silêncio quando as leio - são quase reais - como se estivesse a ouvi-las no ar - e ao mesmo tempo dentro de mim! . e gosto de ouvi-las vibrar quando oiço alguém que sabe verdadeiramente falar... Uma palavra pode ser encantadora e se a ela se juntam outras, numa combinação magistral, orquestrada pela inspiração podem fazer-nos experimentar um êxtase profundo!... relembro as de Martin Luther King no célebre discurso:
I have a dream
that one day this nation will rise up and live out the true meaning of its creed: "We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal."
I have a dream that one day on the red hills of Georgia, the sons of former slaves and the sons of former slave owners will be able to sit down together at the table of brotherhood.
I have a dream that one day even the state of Mississippi, a state sweltering with the heat of injustice, sweltering with the heat of oppression, will be transformed into an oasis of freedom and justice.
I have a dream that my four little children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

à esterilização eu digo um não peremptório

... o Sol quando nasce é para todos!, e o pobre por mais que possamos pensá-lo distante - nas antípodas da nossa vida abastada - está próximo - e não falo do pedinte que do lado de lá, ao frio e ao sol, nos pede a esmola que lhe negamos dar, do lado de cá, no interior climatizado do carro enquanto aguardamos o sinal verde - não, não falo desses pobres - em relação a esses não temos como sentir-lhes as dores - falo-vos do seu parente mais distante, do estranho mais próximo, falo-vos de nós!, porque bem vistas as coisas o que é nos difere do pobre para o considerarmos um não igual?, não possui ele mãos e pernas iguais? não fará amor da mesma maneira? permitam-me até questioná-los - o 69 do pobre não é igual ao do rico? - É!
Todavia negligente e despreocupadamente por não sentirmos as dores dos pobre descartamo-los esquecendo, ao invés, sentirmos profundamente as nossas. Assim, como posso não estar certo de querer evitar o mal aos outros?! - Quando luto contra aqueles que querem fazer aos outros o mal que não querem que lhes façam a eles estou a proteger-me que amanha mo queiram fazer a mim! E vós se assim o não fizerdes, estais a abrir precedentes e caminhos para destruírem o que em vós há de mais belo, o dom da vida!
Jamais esterilizaria a vida dos pobres por mais mal que a pobreza causasse ao mundo - esterilizaria sim a falta de estilo - a idiotice de pensar que somos superiores aos outros - dignos de poder dispor das suas vidas como se deuses omnipotentes fossemos! E se querem que vos choque mais, por tanto me ter chocado estas ideias estéreis, inclusive partilhadas pela ideologia Nazi- a ser obrigado a dar o meu assentimento à esterilização de algum pobre, diria - preferiria vê-lo a comer uma mulher rica! no Tube8 ou no Xvideos!

sábado, 8 de outubro de 2011

um pedaço gostosíssimo do Capitulo XXV - parágrafos antes da carta de Dom Quixote a Dulcineia

... para uma viúva, mais importante que ser linda, jovem, descomprometida e rica é já não estar triste com a sorte, o destino, o malfadado fado, numa palavra é estar desenfadada...
Ass. Alexnietzsche

"— Certa viúva formosa, moça, livre e rica, e ainda por cima desenfadada, se enamorou de um rapaz tosquiado, roliço e de boa presença. O irmão mais velho dela, descobrindo aquela inclinação, disse-lhe um dia a modo de advertência fraternal:
“Maravilhado estou, senhora, e com bastante razão, de que mulher tão principal, tão formosa e tão abastada como Vossa Mercê, se haja enamorado de um homem tão soez, tão baixo e tão idiota, como é Fulano, sendo esta casa frequentada por tantos padres-mestres, apresentados e teólogos, por onde Vossa Mercê poderia fazer melhor escolha, como em bandeja de peras, e dizer: Este serve-me; aquele não presta.”
Ao que ela respondeu com grande chiste e despejo:
“Vossa Mercê, senhor meu, está muito enganado e pensa muito à antiga, se cuida que elegi mal em Fulano, por lhe parecer idiota, porque para o que eu o quero tanta filosofia sabe como Aristóteles, e até mais.”
in Dom Quixote

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Uma pessoa? Não! Sou um objecto!

… tomar biberão até à idade de 9 anos condiciona; chega-se à idade adulta e sente-se o desconforto de não ter o biberão por perto!, ainda mais quando longe o biberão demora de escrever cartinhas - então por causa da falta, desse sentido desconforto – do “abandono” do biberão – o que é que se aconselha? – contemporizar, imaginar como estará a ser a vida de um biberão solitário – diante de um monitor – teclando com pessoas que lhe são estranhas – porém que o ajudam a passar as horas acordado, apesar de coberto por uma cortina de sono – com os olhos a fecharem-se, doridos pela luz branca – adormecendo e acordando - entre partidas de xadrez de 3 minutos que perde – desculpando-se dos seus atrasos em responder com puras invenções – e isto tudo à espera da boca on-line!, - porque tu sabes que todos os biberões foram feitos para uma boca! – ora as horas passam e a boca não chega!, poderia pensar o biberão? será que a boca anda a mamar noutro biberão!, mas não!, desliga o computador e deixa-se cair na cama já sem forças sequer para ligar o telelé ao carregador – falta grave!, o telelé não o poderá acordar de manhã!, acorda por si mesmo já perto das 10 quando é às 9 a entrada no trabalho! – chega ao trabalho e diz que o carro estava sem “bateria” – os olhares inquisidores dos colegas silenciam-no - senta-se à secretária e encolhe-se para que o esqueçam depressa e o atraso - depois liga o computador e lê no e-mail as palavras como se as ouvisse dizer da boca! – Criticas e mais criticas que raiam por pouco a fronteira para o insulto… o biberão sempre quentinho, esfria, resvala, cai e quase se estilhaça no chão!... desequilibrando-se da cadeira!
… a boca que dantes exigia leite agora exige cartas ao biberão!, e quando as não recebe lembra-o que o biberão é escritor! e como tal mais razão tem para as requerer e receber! esquece a boca que o biberão mais que escrever cartas gosta de fazer arte! e a arte não se faz à uma da manhã a morrer de sono! a essa hora e nesses condições simples frases escritas a estranhos não exigem tanto!... além de que arte para nascer tem caprichos, como um ser vivo, precisa quase sempre de um período de gestação, de condições boas ao longo da gravidez, até imagine-se da benigna influência lunar, - além de que o biberão tem que ter dentro de si algum leite, se ele se houver esgotado – pode até nem conseguir pensar em estar de pé! para nada!...
acresce que o biberão solitário tem a sua vida particular, uma casa para cuidar, e mil e um afazeres relacionados com preservação dos seus bens pessoais, já sem falar nos direitos e deveres relativos aos familiares e amigos! – pobre biberão que nem tempo lhe sobra para ler!, - compreende o biberão a insegurança sentida pela sua boca pelo receio de haver em volta do biberão outras bocas!, claro que as há, mas com muita pena do biberão cheio de leite, só para lhe falar.
… mas em vão, um biberão não tem ouvidos e é muito altivo!
Quer a boca saber se o biberão leva outras bocas ao planetário ver as estrelas, enfim que dizer? bocas indiscretas perguntas directas!... ora ora biberão que é biberão tem mil anos de perdão!

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

as nebulosas que deixaram do ser e o efeito de Doppler que não ajudou

… 1 ano-luz designa uma medida - vai do ponto inicial de onde a luz parte até ao ponto último onde chega, decorrido a viagem de 1 ano. Para calcular quanto Kms a luz percorre em 1 ano, é preciso multiplicar o número dos segundos de 1 ano (60seg x 60min x 24horas x 365,25dias) pela velocidade da luz , (299792Kms/s). Estima-se assim que 1 ano-luz meça 9 460 000 000 000 Km. Se aceitarmos que a luz do nosso Sol nos chega com 8 minutos de atraso, facilmente calculamos a sua distância à Terra, 60seg x 8min x 299792Kms/s, isto totaliza 143900160 Kms.
1 ano-luz luz mede 65740 vezes a distância que nos separa do Sol.
Mas estes números que nos parecem grandes são de facto pequenos à gigantesca escala do Universo. Até ao ano de 1924 a comunidade astronómica acreditava num Universo que continha uma galáxia única, a nossa Via Láctea. Através de medições, equações e cálculos Shapley medira aproximadamente a galáxia num diâmetro de 100 mil anos-luz. E como não se avistava pelos Telescópios matéria fora da nossa galáxia acreditavam os astrónomos que o Homem havia conseguido medir o Universo – o qual abarcava no fundo pouco mais que o diâmetro da nossa galáxia, 100 mil anos-luz.
Aconteceu porém que, numa noite de 1923 de má visibilidade, um dos mais importantes astrónomos do Séc. XX, Edwin Hubble fotografou com o telescópio Hooker apontado para a nebulosa de Andrómeda um ponto tão luminoso que o intrigou, designou-o por N, a inicial de Nova. No dia seguinte com melhor visibilidade fotografou aquele diminuto cantinho do Universo de novo, conseguindo uma imagem de muito melhor qualidade. Desta vez viu mais duas estrelas Novas, mas depois de observar atentamente notou que uma delas era uma variável cefeide. E logo na nebulosa de Andrómeda. Era um achado. As cefeides permitem aos astrónomos medir distâncias. Agora Edwin Hubble podia saber a que distância estava a nebulosa de Andrómeda. O resultado foi inacreditável, estava a 900 mil anos-luz. Àquela distância Andrómeda adquiria o direito de não ser mais vista como uma nebulosa da Via Láctea – ela estava tão distante – e ainda assim era tão incrivelmente brilhante – porque era visível a olho nu – que tanto brilho só poderia provir de um sistema com centenas de milhões de estrelas – Andrómeda era afinal uma galáxia distinta tão magnífica quanto a nossa Via Láctea. De um Universo de aproximadamente 100 mil anos-luz passámos em 1923 para um 9 vezes maior; hoje com o uso de uma tecnologia menos rudimentar a escala do universo aumentou, descobriram-se galáxias a milhares de milhões anos-luz de distância.
Numa noite de céu limpo se evitarmos a poluição luminosa poderemos ver e dizer - o Universo é feito de estrelas brilhantes! – na verdade enganamo-nos. As estrelas estão tão distantes umas das outras que infinitamente maior que elas são os gigantescos vazios que as separam. O que predomina no Cosmos é o vasto e frio vácuo Universal, a noite eterna num espaço tão desoladamente aterrador, que comparativamente, os planetas e as estrelas, até os mais inóspitos e as mais distantes, nos parecem dolorosamente raros e encantadores.

… Os leitores sabem, sem precisar de ver, só pelo som que faz um carro a passar se ele se aproxima de vós ou se ao invés se afasta. Primeiro ouve-se um som cada vez mais agudo ao aproximar-se e depois quando já se afasta um som cada vez mais grave. As ondas sonoras são comprimidas no tempo pelo facto da fonte da sua origem (o carro) se aproximar, e quando o carro se afasta as mesmas ondas sonoras chegam-nos mais desfasadas, separadas por maiores intervalos de tempo. Este efeito é notório nas ondas sonoras, na sirene de uma ambulância que se aproxima, num carro de Formula 1, e nas ondas de luz como é? Se em vez de um carro fosse uma estrela a afastar-se de nós a sua luz não se alteraria pelo facto da sua fonte, a estrela, se afastar? Sabe-se hoje que sim, sofre um desvio para o vermelho. É o efeito de Doppler.
A equação deduzida por Doppler – depois aperfeiçoada - permite calcular quer a velocidade do emissor quer o comprimento de onda, uma vez que a primeira altera a segunda. Uma aplicação desta equação serve para um agente depois de disparar com o aparelho um feixe de ondas de rádio com um comprimento y - que regressará alterado - saber com precisão a velocidade do carro, - quanto maior o desvio maior a multa!
Aliás, houve até um astrónomo, que deu um inusitado uso à lei de Doppler; tentou ludibriar um polícia dizendo que não viu o vermelho, devido ao efeito de Doppler, explicando-lhe que, por se estar a aproximar, o sinal vermelho sofrera um desvio para o azul esverdeado. O agente acreditou e rasgou-lhe a multa por desobediência à sinalização, porém não o deixou ir embora impune, puxou da caneta e autuou-o, por excesso de velocidade.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

o frio gelava-nos as mãos

… as manhãs frias e as mãos enregeladas haviam ficado onde as deixáramos, e os caminhos das aldeias, pedregosos, ladeados de muros de pedra, só voltariam a ver-nos nas férias escolares de Natal.

- tu lembras-te que não conseguíamos atar os atacadores com as mãos geladas

- sim, era de uma dificuldade aliciante

… nas férias de Natal, quando acordava na casa da minha avó materna o frio do ar do quarto era o meu inimigo - sentia-o bem próximo - temia-o - para não ter que o enfrentar demorava a levantar-me – tudo estava frio – a camisa as calças e as botas – o frio não dava tréguas - obrigava-me a puxar os cobertores pesados até ao nariz – uma mão de fora do meu leito era um feito heróico - mas os sons do dia e a claridade da manhã, a primeira visão do quintal da minha infância, olhavam para a pequena janela - sabia impossível ter o dia de lá fora deitado – então depois de fracassadas tentativas e de tantos outros recuos, da vontade de me levantar - súbito afastava os cobertores e inspirando e expirando o ar assoprando-o - começava a vestir-me… Lesto chegava à cozinha e via a avó Carminda a bater com os punhos na massa dos filhoses de abóbora… A cozinha mais quente que o quarto estava perfumada pelo cheiro da massa dos filhoses contida no alguidar… Havia outros cheiros; o da lareira acesa a queimar troncos de madeira, o do gato Tirone que vinha secar-se da chuva junto à lareira, - uma vez ensonado pelo calor aproximou-se tanto que nem deu pelos bigodes se chamuscarem – custava aos meus olhos e aos do gato ver as labaredas quentes do fogo – ele fechava-os – evitava com isso afastar-se mais - a expressão do focinho irradiava prazer –
- Mete o gato la fora neto.
- Deixa-o estar, esta muito frio la fora...
- Coitadinho, pode-se constipar
O olfacto dele era melhor que o da minha avó - quando ambos estavam à lareira e eu tirava nas suas costas um chouriço do frigorifico – era automático o gato denunciava-me em segundos; primeiro com um miar esfomeado e depois rodando a cabeça na minha direcção.
- Livra-te de dar chouriço ao gato! -
Não era muito comum vê-los perto – estavam muitas vezes de relações cortadas – mais por culpa de minha avó que não lhe perdoava os furtos – tinha-o como um grande ladrão

- Ele sabe o mal que faz. Depois ter roubado o peixe aqui, de cima da mesa, ficou uma semana sem aparecer, para que eu me esquecesse. Aos meus pés não vem ele roçar-se.
- Mas avó roubar para comer não é pecado.
- Que vá aos ratos…
- Não se deixam apanhar…
- É um mandrião, um preguiçoso, a mãe dele era uma caçadora nata.
- Degenerou.

… os caminhos estreitos e pedregosos da aldeia eram em Lisboa avenidas largas e calçadas. Os pais e os nossos avós falavam-nos por cartas, e por vezes uma delas trazia algum dinheiro. Todos os fins de semana, com o pouco dinheiro que juntávamos, que dava somente para um bilhete, um de nós os quatro ia religiosamente ao Cinema para depois contar o filme aos outros. Não me custava nada ter que contar, aliás fazia-o por vontade. Mal ou bem todos, narrando-o, passávamos o filme aos outros, à excepção do mais gordo de nós, que contava todo o filme em três frases, uma narrando o princípio e as restantes o meio e o fim. Perdoámos-lhe a primeira vez, mas à segunda, depois da risada dele por nos contar o filme com meia dúzia de palavras, um de nós explodiu:
- Tu não sabes contar. Não vais mais na tua semana. Vai ele na tua vez (que era eu) que é quem de nós melhor sabe contar.

Uma vez riram-se muito por lhes ter retratado uma personagem que era uma sexagenária rica de pé no exterior do Aeroporto de Lisboa zangada com uma das suas duas caniches, uma de pêlo branco a outra de pêlo preto. A primeira estava sentada mas a segunda recusava-se a acatar as ordens da dona.
- Fénix vem aqui! Senta! Aqui! Ao lado da tua irmã!
A cadela mantinha-se onde estava como que a medir forças, e sem obedecer, olhava a dona de lado, face embora os ralhos…
- Fénix!! Senta! Aqui! Mas tu estás-me a ouvir?
Até o motorista do Taxi ouvia que estava longe e ela ainda lhe perguntava segunda vez
- Mas tu estás-me a ouvir Fénix?

segunda-feira, 27 de junho de 2011

quando os Doutores se elogiam - in Dom Quixote

"- Saberão vossas mercês que num lugar que fica a 4 léguas e meia desta venda, sucedeu que a um regedor da terra, por indústria e engano de uma criada sua lhe faltou um burro. E ainda que o tal regedor tivesse feito todo o possível por encontrá-lo, não o conseguiu. Quinzes dias seriam passados, segundo é pública voz e fama, que o burro faltava, outro regedor do mesmo lugar lhe disse:
«- Dai-me alvíssaras, compadre, que o vosso jumento apareceu.
«- Eu vo-las darei, compadre, mas saibamos onde apareceu.
«- No monte – respondeu o achador. – Vi-o esta manhã sem albarda e sem aparelho algum, e tão fraco que até dava dó olhá-lo. Quis enxotá-lo diante de mim para vo-lo trazer; mas está tão montês e tão intratável que quando me aproximei ele desatou a fugir e entrou no mais recôndito do monte. Se quereis que voltemos os dois a procurá-lo, deixai-me pôr esta burrica em minha casa, que volto já.
«- Grande favor me fareis – disse o jumento – e procurarei pagar-vos na mesma moeda.
«Com estes pormenores todos e da mesma maneira que o vou contando, contam-no todos os que estão inteirados da verdade deste caso. Em suma, os dois regedores a pé e lado a lado partiram para o monte, e chegando ao lugar e sítio onde pensaram encontrar o burro, não o acharam, nem apareceu por todas aquelas redondezas, por mais que o procurassem. Vendo, pois, que não aparecia, disse o regedor que o tinha visto para o outro:
«- Olhai, compadre: ocorreu-me ao pensamento uma traça com a qual sem qualquer dúvida poderemos descobrir esse animal ainda que esteja metido nas entranhas da terra e não apenas neste monte; e é que eu sei zurrar maravilhosamente, e se vós souberdes nem que seja um pouco, dai o caso por concluído.
«- Nem que seja um pouco, dizeis vós, compadre? - retorquiu o outro. – Por Deus que nisso ninguém me leva a palma, nem sequer os próprios burros.
«- Agora o veremos – respondeu o segundo regedor. – Porque a minha ideia é irdes vós por um lado do monte e eu pelo outro, de modo que o rodeemos e percorramos todo, e de espaço em espaço zurrareis vós, e zurrarei eu, e o burro não poderá deixar de ouvir-nos e de responder-nos se estiver no monte.
« Ao que respondeu o dono do jumento:
«-Digo, compadre, a traça é excelente e digna do vosso grande engenho.
«E separando-se os dois, segundo o combinado, sucedeu que zurraram quase ao mesmo tempo, e cada um, enganado pelo zurro do outro, correu a procurar-se, pensando que o jumento já tinha aparecido: e ao verem-se, disse o que perdera o burro:
«- Acha possível, compadre, que não tenha sido o meu asno que zurrou?
«- Não, fui eu que zurrei – respondeu o outro.
«- Agora digo – tornou o dono – que entre vós e um asno, compadre, não há diferença nenhuma no zurrar, em minha vida nunca vi nem ouvi coisa mais igual.
«- Esses louvores e encarecimentos – replicou o da traça – melhor vos ficam e tocam a vós que a mim, compadre; que pelo Deus que me criou, que podeis dar dois zurros de vantagem ao mais perito zurrador do mundo; porque o som que tendes é alto; o sustenido do coice a seu tempo e compassado, as modulações muitas e encadeadas; e, em suma, dou-me por vencido, rendo-vos a palma e dou-vos a bandeira desta rara habilidade.
«- Agora – respondeu o dono do burro – digo que doravante me terei em maior conta e pensarei que sou alguma coisa, pois tenho algum valor. Que embora eu pensasse que zurrasse bem, nunca imaginei que chegasse ao extremo que dizeis.
«- Também direi agora que há raras habilidades perdidas no mundo e que são mal empregadas naqueles que não sabem aproveitar-se delas.
«- As nossas – respondeu o dono -, a não ser em casos semelhantes ao que temos entre mãos, não nos podem servir em outros; e mesmo neste, praza a Deus que nos sejam de proveito.
«Dito isto voltaram aos seus zurros, e a cada passo se enganavam e voltavam a juntar-se, até que combinaram, para saberem que eram eles e não o asno, que zurrariam duas vezes, uma atrás a outra. Com isto, dobrando a cada passo os zurros, rodearam todo o monte sem que o perdido jumento respondesse nem por sombras. Mas como havia de responder o pobre e malogrado animal se o foram encontrar meio comido pelos lobos?
«Ao vê-lo disse o dono:
«- Já me admirava que não respondesse, pois a não estar morto, responderia se nos ouvisse, ou não fosse asno; mas em troca de vos ter ouvido zurrar com tanta graça, compadre, dou por bem empregado o trabalho que tive em procurá-lo, embora o encontrasse morto. (…)”
by Cervantes, in Dom Quixote.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

- donkey - burro e cenouras

… o meu pai quando me viu com a mão no volante e a outra no travão de mão a conduzir com destreza repreendeu-me «agora conduzes à Fangio” eu nunca ouvira falar de Fangio; descobri–o depois no Google como um dos melhores pilotos de Formula 1, autor da frase "Fui apenas um corredor de automóveis. Não fiz nada para o bem da humanidade". Sem querer a sua censura congratulara-me com um elogio! percebi de imediato que a minha destreza ao volante o enervava e reduzi a velocidade…
Acontecia também reduzir a velocidade por outros motivos. Uma mulher esbelta a andar no passeio; foram e ainda são tantas que nem vale a pena perder-me a relembrá-las!, lembro-vos sim o motivo da ultima travagem, foi ter visto ameixas numa ameixoeira. A árvore estava num canto dum pequeno quintal de uma casa pequena e desabitada. Um pequeno muro branco separava-a da estrada de alcatrão – reparo com pena numa grande ramada que certamente quebrara com o peso do fruto, inúmeras ameixas verdes e amarelas que tocavam agora a relva não muito alta. Eu que na infância vira ameixoeiras do tamanho de carvalhos vergadas pelo peso dos frutos e em redor delas centenas de abelhas, que entravam literalmente dentro das ameixas, achei aquela árvore pequena e as ameixas igualmente pequenas. Colhi algumas tendo o cuidado de preferir as de cor doce em detrimento das verdes ainda amargas. Depois de desfrutar o prazer de ter encontrado uma árvore de fruto com ameixas maduras, dirigia-me para o carro quando reparei num burro a pastar. Estava numa área vedada com uma rede de arame fino; ele ao ver-me aproximou-se e eu dele. Ocorreu-me pensar que pudesse gostar de ameixas, e com cuidado dei-lhe uma, ele tirou-ma dos dedos prensando-a com os beiços do focinho - vi-o e ouviu-o a comer– com aquele som característico – de um burro a mascar favas – como ouvia a minha avó dizer a quem fizesse muito barulho com a boca – dei-lhe a seguir outra ameixa – entretanto vejo um carro, pára e de dentro dele sai um homem sexagenário de barba grisalha com um saco transparente na mão meio cheio. São cenouras. Cumprimenta-me o turista em inglês, noto-lhe a alegria, certamente por voltar a ver o seu amigo e lhe ir dar cenouras. Ensino-lhe que donkey se diz burro em português, e digo-lhe que gosta de mais de ameixas do que de cenouras. Olhamos um para o outro.
- It likes to eat Maria Cooks, não o entendo à primeira, ele repete Cook's Maria
- ah bolachas Maria!, eu também!!
(rimo-nos.)
Pergunto-lhe, depois da quarta cenoura, se é um he ou uma she. Ao que ele me responde - virando as palmas da mão uma para a outra separadas um metro – is a he, it´s a big boy . (…)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Hirsutismo Masculino

bem verdade perguntam a meu respeito se estou morto - de tão habituados estarem às graças do meu espírito espantam-se agora da minha mudez - ora se se conhecessem melhor não se admirariam - não saberão que só devemos falar para quem merece ouvir? - e quem mais que os meus leitores? ninguém. Assim calo este silêncio de morte - sem palavras - para vos contar um episódio de vida - como ela é. Aconteceu que uma vez, enquanto me rodo-transportava dentro de um autocarro da Carris olhei para algo que nunca vira – certamente por não haver mulheres, olhei para um velho distinto dos demais. A sua alta e grossa compleição física diferenciava-o, mas não tanto como o que exibia em redor das suas duas orelhas, um tufo de pêlos. De facto de dentro delas saiam um molho de pêlos que pendiam a meio para baixo... confesso que por vê-lo ostentar tão graciosa pilosidade veio-me a vontade de rir – contive-me um tanto - abomino envergonhar alguém. Disto tudo me lembrei a propósito de me ter cruzado com um amigo, um cinquentão bonacheirão de cara sorridente – questionava-me ele como fazer o registo no Badoo quando a minha atenção já não o ouvia por olhar curiosamente para uns pêlos crescidos sobre a pele superior do seu nariz – uns pêlos compridos pretos e outros brancos no total de um dezena - mas em número mais assustador contavam-se os que saiam dos orifícios dos seus dois pavilhões auriculares – vai dai disse-lhe:
- Olha antes de colocares uma foto no Badoo corta os pêlos do nariz e os tufos das orelhas...
- Tens razão
- Pois tenho, sabes, as mulheres reparam nessas coisas…
- Elas são muito mais que nós... a cuidarem-se…
- Sim são mais atentas aos pormenores…
- Se são! Olha que hoje no autocarro umas gaiatas teenagers vinham atrás de mim a rirem-se muito, eu não sabia de que é que elas se estavam a rir, então senti que me estavam a tocar nos pêlos das orelhas com os dedos, e confirmei porque deixei-me estar quieto, como se não sentisse, enquanto as via através da vidro da janela do autocarro
– muito elas se riam! dos meus tufos e da ousadia da amiga! menos mal, deu para divertir as garotas... até fiquei contente de vê-las a rir...

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Antónia Gato

… cada dia que passa sem te ver pesa-me como uma tonelada, esmaga-me como a um insecto e digo-te não mereço isto, a mais que sou uma joaninha, mesmo que uma mosca fosse não o merecia. Preferia ser levada no bico de um pardal dos beirais.... Mas não sou uma mosca, digo-te. Agrada-me antes o perfil vermelho e redondinho das joaninhas salpicado de pontinhos pretos. Já tiveste uma joaninha a passear na tua mão? É inesquecível. Ainda me lembro no campo da minha infância minha avó me ensinar, Joaninha avoa avoa que o teu amor está em Lisboa. Ora nem a propósito Antónia...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A arte Xávega na Vieira de Leiria e a poesia

...por mais que vos torneis insensíveis às opiniões abjectas do vulgo a respeito da arte criativa , ainda assim lembrai-vos que o respeito com o passado é um compromisso pelo futuro. Assim, surpreso de ouvir duma mulher a confissão franca e esclarecedora «Nunca gostei de poesia...» senti enorme e aliciante a responsabilidade...
Ouvia-a dizer «Nunca gostei, não gosto de poesia!»
«Não gostas?» perguntei-lhe...
Via a rir-se acenando afirmativamente.
Aconteceu então lembrar-me de:
Sempre que contava duas histórias a alguém, a determinado momento da narração eu revia as mesmas reacções. Eu não sei se ao ouvir-se uma história a emoção se manifesta por um calor no rosto, o súbito erguer dos olhos abertos, revelando-se neles o tremeluzente brilho de contidas lágrimas, não sei; mas eram essas as reacções de quem as escutava… Ora haveria d’as querer testemunhar novamente...
Retorqui-lhe «Não gostas de poesia!? mas isso é impossível!»
Precisava prová-lo. Astuto, simulei que esquecera a enfermidade e encetei uma história aparentemente sem qualquer relação com a cura...
E então falei-lhe de modo, onde não havia mar nem pescadores houvesse. Contei-lhe ter presenciado no Verão nas praias da Vieira e da Nazaré, o esforço conjunto dos pescadores para fazer deslizar os seus barcos de madeira sobre a areia através do uso de rolos que eram postos sobre outros rolos na areia fina, debaixo do casco do barco. Os pescadores empurravam o barco sobre os rolos vencendo assim a inércia pesada do barco sobre a areia. O mar parecia estar distante; mas depressa passado por cima dos rolos o barco atingia a areia molhada; a tarefa tornava-se mais fácil com o contacto com a água. Intuía pela força que os homens faziam para mover o barco o quanto era pesado mas, assim que este era batido pela primeira onda, admirava-me que a pequena camada de água que o mar lançava por debaixo do barco o erguesse da areia. Maravilhava ver o que sentira tão pesado e inamovível, súbito baloiçar sobre uma fina quantidade de água. Logo depois, por o plano ser inclinado, sorvida pela gravidade, a água desaparecia deixando o barco novamente preso na areia. Mas logo lhe batia outra onda; depois outra vinha por cima da quantidade da água da primeira; o barco absorvia-lhes parte da força e soltando-se da gravidade, empinava-se como se com vida; então os pescadores aligeiravam-se a empurrá-lo para o mar e vencidos uns metros saltavam a bordo, apressados em pegar nos remos; se o não fizessem não sairiam da zona de rebentamento das ondas; os remos erguiam-se um pouco no ar deslizando rente à água, para logo desaparecerem e aparecerem; as primeiras remadas faziam o barco saltar para a frente...
Enquanto isso as esposas e as mães dos pescadores, receosas do mar, de pé descalças sobre a areia da praia, maldiziam a sorte...
- Para quê senhores?? com o mar tão bravo!? Não vão trazer nada. Os outros também não trouxeram. Mas como os outros foram… Só vão ao mar para lhes provar que também não tem medo. Nem é a ganância do peixe...
...nos barcos de madeira eles não as ouvem gritar, remam exasperados por passar a zona de rebentação, enquanto o povo composto de veraneantes e de alguns turistas olham atentos admirando-lhes a coragem e a perícia...
Isto lhe descrevia verbalmente. Ela ouvia-me aparentemente atenta.
Aproximava-me do ponto da história em que, conforme a minha amiga reagisse, lhe provaria ter em si a faculdade de gostar de poesia.

«sabes o Verão era a praia, e o meu almoço era passado na companhia da cozinheira, neta, filha, mulher e mãe de pescadores; sempre que as suas conversas se aproximavam da elegância e beleza que a sua silhueta de velha deixava adivinhar da de há anos eu deixava-me ficar sentado a escutá-la. Era alta, magra, e vestia de luto...
«…e ela dizia-me, apontando os barcos de madeira assentes sobre os troncos, lembrando-se de outros tempos ...»
«Antigamente os barcos eram muito maiores dos de agora. Não iam neles só quatro homens ou cinco, não! Poderiam ir 10 ou mais! Uma vez, estava o tempo como o de hoje, não havia uma nuvem, o mar muito calmo. Todos os barcos estavam no mar, eu era uma gaiata, mas lembro-me como se fosse hoje, começou a levantar-se um vento, o céu toldou-se de nuvens negras e o tempo fez-se enorme, assustador. Começaram-se a ajuntar pessoas na praia; as mulheres e os familiares dos pescadores, a olhar para o mar, receando o pior… Todas com o coração nas mãos... mas Deus não deixou que lhes acontecesse nada... Vimos os barcos passar a zona da rebentação um a um… uma grande alegria… um grande alívio...
Até a este momento, o seu rosto como a superfície parada de um lago.
«Mas eu nunca me esqueço que uma vez, um desses barcos grandes quando ia a entrar no mar, virou com uma onda e ficaram debaixo dele doze homens. Só dois conseguiram salvar-se, os outros morreram todos. Eu era uma miúda, mas lembro-me como se fosse hoje. O dia seguinte foi o dia mais triste da aldeia. No cortejo fúnebre estava toda a aldeia... um funeral de dez homens de dez caixões que juntou toda a aldeia…
.. via-se na superfície do lago a ondas varridas pela emoção animarem-lhe o rosto, e o seu olhar mais direccionado.
«Se a cozinheira se calava, eu, sabia como pô-la a falar…
«E as mulheres? Você nunca foi nos barcos? - Vi alegrar-se-lhe o rosto...
«Fui. Quando era nova. E quando o mar deixava. Era um dia de festa para nós. Os homens nos remos e nós mulheres juntas sentadas na popa, a vê-los remar. Dava gosto vê-los alegres a remar com força, por nós ali estarmos. Então nós cantávamos para eles».
Olhei para ela, ela olhou também; foi visível, transpareceu. Ela sentira a emoção das palavras da velha cozinheira... ora que tem assim de tão diferente a poesia?
Também havia por lá um pescador, sempre com escamas de peixe agarradas à roupa e ao cabelo; era o que assava as sardinhas, os chocos e as lulas. Orgulhava-se de ter sido o melhor nadador da aldeia e o mais afoito a enfrentar o mar, indo onde os outros não ousavam ir. Contava para que o acreditássemos uma história comovente de um malogrado salvamento. Uma tarde, contou-me ele, eu e os que estavam comigo, pescadores da minha idade, avistámos uma pessoa a afogar-se, num local perigoso do mar, perto das rochas. Todos bons nadadores, filhos de pescadores, ninguém quis atirar-se; não pensei duas vezes, despi a camisa e lancei-me; nadei com toda a força que tinha; quando me aproximei reparei que era uma mulher jovem; o cabelo muito comprido parecia um manto negro sobre a água; pensei que estivesse morta porque não se mexia; mas quando lhe agarrei o braço ela estremeceu, soergueu a cabeça e olhou-me nos olhos; era muito bela, tinha uns olhos negros; agarrei-a e trouxe-a para terra mas... – o olhar dele perdera-se lá longe tremeluzente e depois disse-me - já passaram mais de trinta anos mas os olhos dela nunca os vou esquecer, vão morrer comigo.»
Acabadas as histórias e testemunhando o modo como ela a elas reagira, disse-lhe que ao invés do que pensava tinha a faculdade de gostar de poesia; lembrei-lhe que a determinados pontos da narração reagira desta e daquela maneira, prova evidente da sua capacidade de sentir através de meras palavras a vida; por senti-la nas minhas histórias provava poder também senti-la na poesia; se isso não acontecera na escola quando aluna fora porque nenhum verso ou poema leu ou ouviu no âmago do seu coração. Certamente já vira e ouvira do povo poesia que a fizera sentir viva, mas porque não associara às palavras a poesia dizia que era incapaz de a fruir. Para ela, poesia eram as estrofes dos Lusíadas e outros sonetos complexos que os professores lhe deram para estudar e que acreditava em tudo semelhantes a todos os outros; não sabia que a poesia era lágrima riso sofrimento e alegria…
Por fim disse-lhe:
- Sabes, quando o riso te subiu aos olhos, quando elas cantavam no barco para eles, olhaste-me mais vivamente como para partilhar a emoção, foi mais que prova do gostar de poesia…

Quanto à universal faculdade do ser humano para a fruição da poesia vós me direis como reagistes a estas duas histórias, se a determinado momento se não se manifestou em vós um calor no rosto?, súbito uma inspiração mais profunda, uma pausa, ou até mesmo um sorriso...

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

escrever para quem?

… lembro a antiga convicção tantas vezes proferida, a do dever de redigir preferencialmente para quem não lê, para quem confessa não gostar de ler e profere nunca ter lido um livro do principio ao fim! Ora acontecia por essa altura em terras de Trás-os-Montes privava com um ilustre professor filósofo, e uma vez ouvindo-me ele proferir tal opção, discordando de que assim pensasse, olhando-me fixamente, disse: - Pois não deveria! para quê baixar a fasquia se a pode saltar mais alto?
Entendi o seu receio, o de sacrificar a qualidade. Ele alertava-me para o perigo do facilitismo - de escrever simples para ser lido e entendido pelos simples!
Mas pergunto, será que todos os que não lêem um livro o devem à estupidez?, não! Quantas pessoas não haverá que não são estúpidas e não lêem livros? talvez o motivo esteja do outro lado!, nos livros! e nos escritores!
O que não falta no mundo são livros escritos por ilustres sapateiros!, e aproveitando o vocábulo que aqui retrata o homem muitas vezes idoso coxo de uma perna, sentado na sua cadeira, num espaço exíguo a cheirar a cola, que com o seu alicate desprende as solas gastas, eu usaria a metáfora - os livros são como os sapatos! Há os que se ajustam ao formato do nosso pé e outros não!, acontece com os livros o mesmo, nem todos se ajustam ao tamanho do nosso espírito!,Quando encontramos um que nos fala não lhe somos indiferente!, pelo contrário levamo-lo connosco e falamos dele! Ainda assim creio ser raro este encontro ajustado entre um livro e um homem, mesmo quando eles se vendem aos milhares e os homens se contem em biliões! Há-os em mil tamanhos e para todos os gostos, a dificuldade é encontrarem-se o homem e o seu livro!, ora se me parece apropriado a quem quer ouvir falar de sapatos escutar a opinião de um sapateiro, não me parece menos que me escuteis se é sobre livros que quereis agora ouvir falar.
… eles têm sido a minha vida; deles em geral e de alguns em particular eu aprendi para acerca deles saber escrever!, escutei muitas vezes pessoas dizerem de livros consagrados inscritos na história da literatura universal, falo dos clássicos, o pior que se possa imaginar, como se tais livros fossem chatos pesados ilegíveis!, e afirmam-no! - Oh Esses livros não! - e por mais que sobre eles lhes dissesse maravilhas, demasiadas vezes senti a impressão que me ouviam como se lhes tentasse vender a banha da cobra! O erro era menos por querer dar pérolas a porcos, mas mais muito mais por não lhes saber transmitir de um modo verosímil a verdade…
… custa-me não saber defender o prestígio de um clássico!, mas hoje diria, o máximo a que um homem leitor, na literatura, pode aspirar é ao prazer de ler o Dom Quixote. Já no domínio da música não há como a música clássica, e dentro da musica clássica não há como Beethoven! Ora, e porquê Beethoven?, porque a sua genialidade me parece ser a mais difícil de refutar! Podem dizer das suas sinfonias: são demasiado pesadas, não as suportamos, com convicção até, mas creiam-me, mesmo até quem das suas composições mais não escutou do que o trecho do hino da alegria, achará que falais sem saber!, e só não se rirão de vós por respeito. Não é preciso ser-me muito inteligente para desacreditar da opinião negativa de um leviano sobre a música escrita por Beethoven, principalmente quando essa mesma opinião choca directamente com a fama ímpar da sua genialidade! Se há loucura que poderia medir-se neste mundo era a de se afirmar que Beethoven são sabia compor, Cervantes escrever e Caravagio pintar…
Escrever para os simples de um modo não simples e ainda assim conseguir captar-lhes a atenção não me parece processo fácil. Muitos dos simples sobre os quais podereis pensar que o são por confessarem não ler, na verdade, não enfermam de qualquer simplicidade; somente, não se excitam por qualquer coisa "insignificante" por dá cá aquela palha; mais que os letrados talvez queiram ouvir só quem lhes fala de facto! Quando isso acontece eles lêem. O fenómeno de granjear a leitura dos simples – concluíra - não se alcança baixando a fasquia, como receara o meu professor!,