Translate

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

sublinho

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Eduardo Alves da Costa e Maiakovski

"Na primeira noite, eles aproximam-se
e colhem uma flor do nosso jardim e não dizemos nada.
Na segunda noite, já nao se escondem.
Pisam as flores, matam o nosso cão e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada." ... Eduardo Alves da Costa

"Traduzir poemas é tarefa difícil, especialmente os meus.
...a dificuldade da tradução de meus versos vem de usar nos versos a linguagem quotidiana, falada...
Tais versos só são compreensíveis e só têm graça se se sente o sistema geral da língua, e são quase intraduzíveis, como jogos de palavras."
Maiakovski

"Sem forma revolucionária não há arte revolucionária."
Maiakovski

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Walt Whitman

Pobre de mim! Oh vida! Os problemas com que me defronto,
Os cortejos sem fim dos incrédulos, as cidades cheias de loucos,
As censuras que faço sempre a mim próprio
(pois quem é mais louco do que eu, e quem é mais incrédulo?),
Os olhos que em vão imploram a luz, os objectivos vis, a luta sempre renovada,
Os miseráveis resultados de tudo,
as sórdidas multidões que vejo arrastarem-se à minha volta,
Os anos vazios e inúteis dos outros, eu que a eles estou abraçado,
A questão, pobre de mim! com que, tão triste, me defronto –
Para que serve tudo isto, pobre de mim, oh vida?
Resposta: Serve para que estejas aqui – a vida e a identidade existem,
O espectáculo intenso prossegue e tu podes contribuir com a poesia.
Às vezes junto de alguém que amo encho-me de raiva,
receoso de derramar amor não correspondido,
Mas agora penso que não há amor não correspondido,
a retribuição está garantida de uma maneira ou doutra.
(Amei um certa pessoa ardentemente e o meu amor não foi correspondido,
Mas, com isso, escrevi estas canções.)

Poema - Walt Whitman

Walt Whitman, um cosmos, filho de Manhattan,
Turbulento, carnal, sensual, que come, bebe e procria,
Não um sentimental, não um espectador acima dos homens e mulheres ou afastado deles,
Nem mais modesto que imodesto.
Desparafusem as fechaduras das portas!
Desparafusem as próprias portas das ombreiras!
Quem quer que avilte um outro homem avilta-me a mim,
E o que quer que seja feito ou dito acaba por se voltar para mim. (…)
Sou tão delicado com as entranhas como com a cabeça e o coração,
A cópula não é mais chocante para mim do que a morte.
Acredito na carne e nos apetites,
Ver, ouvir e sentir são os milagres,
e cada uma das minhas partes e extremidades são um milagre.
Sou divino por dentro e por fora,
e torno sagrado o que quer que me toque ou que me venha tocar,
O odor destes sovacos é um aroma mais delicado do que uma oração,
Esta cabeça é mais do que igrejas, bíblias e todos os credos.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

a viuva irrompeu para reclamar a pensão do falecido

às oito o som agudo do telemóvel despertador acorda o funcionário… sem medo do frio salta da cama, veste-se à pressa, calça as peúgas pretas que à 6 horas tirou dos pés... Equilibra-se numa perna para vestir as calças de ganga e depois veste pela cabeça, como se fosse uma TSHIRT, a camisa de botões que não desabotoou … cinco minutos apenas e já está na rua - um novo record batido..
Às 9 horas já está no local trabalho, agora põe um ar sério de pessoa competente e olha para os colegas!, endomingados nos seus fatos escovados sem vincos quase perfumados… que ninho de víboras!! Eram 11 funcionários mas aos poucos os mais respeitáveis foram expulsando os colegas diferentes e agora restavam apenas um grupo, 3 mulheres e dois homens. Por isso, reinava na sala da 1ª repartição da Caixa Geral de Aposentações um silêncio sepulcral, respeitado até pelas moscas… estas para o não perturbarem já não voavam... acaso uma delas cedo pousasse na careca do pobre estagiário passava lá toda a manhã… uma perfeita simbiose…só se ele se erguesse da cadeira é que ela levantava voo para o seguir… o silêncio das cinco mesas com cinco cadeiras com as cinco pessoas era como disse sepulcral, dir-se-ia um silêncio branco apenas pincelado de tempo a tempos pelo barulho circular das roldanas da velha impressora central… a impressão do perfeito funcionalismo daquela secção causava nas pessoas e nos próprios funcionários a ideia de que ali o erro havia sido abolido, - eram na maioria todos bastante presunçosos – por isso foi com grande alarme e enorme susto que após o ranger da porta - que já não rangia há mais de um ano – viram entrar uma velha senhora mal vestida a aproximar-se do balcão – e perguntar bem alto: - Porque é que não me pagaram a reforma do meu falecido marido, há 15 anos???
- Desculpe? 15 anos?
- Sim há 15 anos…
- Deve ser um engano…
- Não é engano não.
- E só agora é que deu por isso?
- Não já dei por isso há 15 anos…
- E porque é que só veio agora…
- Porque só agora é que pude vir.
Aproximou-se outro funcionário da mesa…
- O que é que se passa?
- Esta senhora queixa-se que não recebe a pensão do marido…
Aproxima-se do balcão a chefe (assustada)
- A senhora espere um bocadinho, nós vamos averiguar, aliás peço-lhe descrição, vamos todos tratar já do seu caso… Parem tudo o que estão a fazer!, Consultem as pastas dos arquivos de 1990…
- Isto é no mínimo insólito! Garanto-lhe minha senhora, a haver erro nosso, dos nossos serviços, o responsável vai ser disciplinarmente punido… Eu mesmo vou instaurar-lhe um processo disciplinar…
- Ainda bem que o nosso ex-chefe foi transferido, isto matava-o! Cardíaco!
- Já se vai saber.. Pois bem, em que ano?, quando foi a ultima vez que recebeu a pensão do seu falecido marido?
- Nunca!
- E porque é que só agora pôde vir? Esteve doente? Internada?
- Estive internada estive!
- Ahhh Pois vamos ver o que aqui diz… Aqui não diz nada… Procurem na pasta da correspondência externa! A Senhora espere aqui, vamos reunir. Vamos já tratar do seu problema… Sente-se ali se preferir… não demora…
- Só quero saber quem é que me vai pagar estes anos todos!!!!!
Na mesa central todos desfolhavam pastas, ansiosos por encontrarem o erro e o seu autor!, com o coração nas mãos do medo de ter sido de algum deles. Estiverem nisto 10 minutos de verdadeira ansiedade e sofrimento. Já suavam quando se ouviu vindo do fundo da sala um suspiro de alívio.
- Não procurem mais, já descobri...
- Quem foi o responsável?
- Não foi ninguém. Aliás foi o Juiz!!
- O Juiz?!! Não estou a entender!!!
- O marido de facto morreu, mas foi ela que o matou! A pensão foi-lhe simplesmente retirada!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

a dependência do papel higiénico

Já leram nas livrarias "Verónica decide morrer" pois bem é mais um livro do Paulo Coelho que feliz ou infelizmente desconheço - se fosse outro o titulo possivelmente me despertaria maior curiosidade - por exemplo se fosse: Verónica decide cagar! certamente deste haveria de querer ler umas páginas - pois penso que não decidimos a vontade de cagar, é ela que voluntariosa decide por nós!
Raios porque não escrevo eu também livro?

Em Junho o sol declinava como se fosse Outono e eu meditava nos meus mais sublimes desejos femininos peitos grandes rabos sexys sem conseguir conter o lacrimejar de pouco os ter abraçado no decurso da minha existência, vai dai pensei, e disse: apesar da minha fantasia sexual ser fazer amor com duas mulheres, prefiro fazer amor com uma mulher jeitosa de que com duas feias, depois reflecti melhor e conclui prefiro fazer amor com duas mulheres feias do que não fazer com nenhuma... achei então que atingira a sublimidade com este pensamento extraordinário...

soube ontem pelo meu filhote de 5 anos que “ajudar é bater”. - Pai, perguntava ele, quando se ajuda bate-se, não é? - Não filho. Bater não é ajudar. - É é pai, quando nos pedem para ajudar, aos meninos do bibe verde, é para bater nos meninos de bibe azul, e nós ajudamos a bater…

quando eu ia buscar o filho à escolinha, corria o mês de Fevereiro. O Andrew fizera 6 anos. À saída uma menina de 5 anos da janela gritou - Andrew… - Olha Andrew a tua coleguinha, é bonita ela - é mais que bonita é a minha namorada… - A tua namorada Andrew? Como sabes isso? - Sei, deixei-a sentar no meu colo e ela gostou, por isso é minha namorada. - E como sabes que ela gostou? - Ela disse-mo ao ouvido...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

a padeira e Dostoievski

hoje na fila de uma padaria antiga de Lisboa, das que têm ainda uma pedra mármore as paredes pintadas de branco e o cheiro característico da farinha e do pão quente acabado de cozer, eu e mais 4 clientes mulheres aguardávamos para sermos atendidos. Uma delas pediu quatro bolos e um pãozinho quente se houvesse. Havia muitos mas frios. Para lho dar a padeira ausentou-se e «foi lá para dentro» como as clientes depois diziam a quem ia chegando e que perguntavam por ela. Três minutos depois a cliente atrás de mim dizia impaciente: - Tanta demora! Deve estar a fazer o pão.
Aproveitou a deixa quem primeiro havia pedido o pão quente  - para mostrar que partilhava a indignação das clientes por causa da demora da boa da padeira que dali se ausentara para lhe fazer a vontade - e disse : - sim só pode estar a fazê-lo! Pedi um pão quente apenas, pensei que mo traria depressa. Se soubesse que demoraria tanto não teria pedido...
E disse logo outra:
- É esta padeira que é diferente das outras; de vez em quando dá-lhe uns vaipes umas manias e esquece-se aqui da gente..
 - Se isto já se viu!... A fila já aumentou... e por este andar vai chegar à rua...
 - É um bocado tresloucada... – disse outra. - Eu calado, caladinho, ouvia. Pensei: tenho que escrever isto para os digníssimos leitores do meu Blog lerem... Enquanto assim meditava as mulheres continuaram a caluniar a padeira... Nisto chega a padeira de rompante, apressada... consciente da demora e do incómodo que causara às clientes, mas com o pão quente para a cliente que lho tinha pedido. Calaram-se de imediato todas como se com medo... Foi então que me lembrei dos Humilhados e Ofendidos de Dostoievski...
Lembro-me sempre de Dostoievski quando me acontece testemunhar episódios na essência análogos, quero dizer quando a falta de bom senso das pessoas, perante a vítima, toma o partido dos carrascos; e quantos aproveitando-se do chavão “por vezes temos que dizer as verdades” não se fazem passar por falsos moralistas para não serem notados de atiçar o grupo contra o indivíduo acusando-o de anti-social, quando é na verdade o próprio ao atiçar o grupo que se revela anti-social e xenófobo. Estes agitadores que falam para linchar o indivíduo com a ajuda da ignorância e da tendência dos sujeitos para adquirirem o comportamento da maioria, reconheço-os a léguas. E digo é esta a diferença entre eu e eles... eu tomo o partido do indivíduo... e penso devo ser diferente por ter interiorizado Dostoievski... Mas apesar do orgulho pessoal de ter escolhido Dostoievski para meu guia, não estou imune da tristeza de constatar que no meio do grupo - seja ou não a vitima - devo afastar-me – julgando-me depois o grupo - na figura dum escorraçado doente – quando na verdade me afasto de escorraçadores doentios.
A solidão não é apenas a fuga dos doentes, pode ser também a fuga aos doentes...
Assim escutei do sábio Zaratustra.
Amanhã certamente voltarei a ir à padaria testemunhar a rapidez com que a padeira atende as clientes e faz os trocos...