Translate

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

é imperativo ler Thomas Paine!

"Nunca existiu, nunca existirá e nunca poderá existir um Parlamento, ou uma classe ou geração de homens, em qualquer país, com a posse do direito ou o poder de obrigar e controlar a posteridade até ‘o fim dos tempos’ ou de impor para sempre como o mundo será governado, ou quem o governará... A vaidade e a presunção de governar além sepultura é a mais ridícula e insolente de todas as tiranias. O homem não tem nenhuma propriedade sobre o homem... Estou lutando pelo direito dos vivos e contra o fato de serem alienados, controlados e constrangidos pela pretensa autoridade dos mortos que ficou escrita. (...) embora leis feitas numa geração muitas vezes continuem em vigor nas gerações seguintes, elas continuam a tirar sua força do consentimento dos vivos. Uma lei não revogada continua em vigor não porque ela não possa ser revogada, mas porque ela não foi revogada; e a não revogação passa pelo consentimento... Como o governo é para os vivos, e não para os mortos, apenas os vivos têm algum direito sobre ele. O que pode ser pensado certo e achado conveniente numa época poder ser pensado errado e achado inconveniente em outra. Em tais casos, quem decide: os vivos ou os mortos?"
Thomas Paine


"(...)Ninguém foi mais longe do que Paine, na defesa e no direito dos vivos romperem com o dos mortos, consagrando, pois, o direito à revolução (permanente). Da lógica das ideias e da argumentação de Paine, decorre, portanto, que todo sistema, ou regime, político-social é legítimo, desde que desejado pela maioria, e transitório ou reversível, desde que essa mesma ou uma nova maioria dele se queira desfazer. 
Assim, hoje - com o abismo crescente entre ricos e pobres (intra e entre países, e o aumento cada vez maior dos últimos), e com o colapso do socialismo real e com a crise do Estado de Bem-Estar (e da social-democracia, atacados pelo neoliberalismo) -, parece não haver proposta tão revolucionária e, portanto, tão atual, quanto à de Paine. Em outras palavras, com os projetos socialistas bloqueados, que outro projeto, dentro da ordem capitalista, é mais revolucionário do que o de Paine? Pois,  Paine, foi simultaneamente um social-democrata e um neoliberal avant la lettre. Como o  nosso tempo, ele queria simultaneamente mais democracia (isto é, mais igualdade, mais  social-democracia) e mais liberalismo - isto é, mais autonomia, e portanto, e paradoxalmente, menos Estado. 
Mas, sobretudo, reler Paine, ajuda-nos a manter a indignação e o espírito de luta para não aceitar, como natural, o mar de miséria que nos cerca de todos os lados. Hoje, certamente, se Paine ressuscitasse, ele que era revolucionário e democrata por instinto, mudaria sua divisa para “onde há miséria, aí está o meu país”. (...)"
Prof. Dr. Modesto Florenzano

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

da razão principal de lermos pouco e não lermos mais

 ....sobre a razão de não lermos mais recuso acreditar nas mais ordinárias respostas: pela escassez do tempo, por não gostarmos de ler! por conhecermos poucos livros - recuso-me!
... sem desprezar essas respostas ordinárias desejarei falar-vos doutra e da qual todas as outras descendem.
Se vos dessem para ler uma frase, um parágrafo em língua estrangeira desconhecida, será que face à dificuldade, à impossibilidade, para fingirdes saber, me direis não teres tempo, não gostares de ler?? Se o dissésseis todos notariam a mentira, e vos diriam, ah não é por isso! é por não saberem ler essa língua!. escusais de fingir saber! Desconhecer uma língua estrangeira não é vergonha!
- mas se o parágrafo, o texto, o livro, for na língua materna? Preferireis  dizer, para justificar a resistência, não gostardes de ler, pois confessardes a verdade em relação ao desconhecimento da vossa própria língua é embaraçador, quase vergonhoso....

 E quanto a leitura de palavras difíceis?, uma palavra nova sobre a qual desconheciam tudo, não desejasteis saber o seu significado para continuares a seguir o entendimento? Aquando sozinhos a ler, sem ninguém por perto a quem perguntar, consigais lembrar-vos de quantas foram as vezes que consultasteis o dicionário?
A leitura gosta de silêncio e paz; em virtude de assim ser,  foi sozinho, com o dicionário, o meu começo no universo dos livros. Felizmente, nasci com uma singular predisposição inata para o dicionário; inclusive valorizava a sua proximidade - mas há quem com essa predisposição não nasça e por isso desista da leitura face à estranheza das palavras desconhecidas... A um texto pequeno com 5 palavras desconhecidas segue-se um outro com 50 e assim depressa o eventual gozo da leitura se torna um desprazer desencorajador... deste desprazer não entender descende o não ler, a desculpa da falta de tempo, o desconhecimento do conteúdo dos livros...
Assim, se na verdade desejais que o povo leia mais, urge ensinar-lhe vocabulário!, ensinai-lhe o largo significado das palavras!, desde a idade infantil e durante semanas, meses, anos e décadas...As aulas do ensino da filologia deveriam começar em idade juvenil...
 em resumo, quem pode gostar de ler/entender palavras "sem significado", por ensinar?... Ninguém pode! E não por gostar ou não gostar; ninguém pode principalmente pela impossibilidade!
Houvesse mais quem ensinasse palavras e a humanidade só ganharia!, quantos desentendimentos ,quantos mal-entendidos não se evitariam!!

 outra razão de lermos pouco é a de preferirmos estar acompanhados que sozinhos.
Se as pessoas tivessem hábitos de se juntarem para ler e ouvir ler decerto os livros haveriam de nos dar muito mais...

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

a palavra portuguesa oriunda da China...

    Se ouvirem a palavra chinesa para chá ouvirão algo assim tchá, uma sonoridade quase similar – poderia isto ser prova da grande viajem de ida e volta realizada pelos portugueses à China? – decerto! Aqui mesmo ao lado no país fronteiriço, a mesma palavra “chá” em nada se assemelha à nossa. Em França igual, em Inglaterra igual; o local de origem da palavra destes países para chá não foi certamente a China… 
     Mas foi na China que um conhecido meu sentindo-se doente, me contou, ter recorrido a um médico, o qual na primeira consulta, sem qualquer troca de palavras, lhe tomou o pulso, a pulsação, e de seguida lhe perguntou: Você não tem costume de beber chá quente, pois não? Contava-me isto animado, atribuindo a este episódio uma grande significação que era, a da medicina tradicional chinesa ser conhecedora dos efeitos benéficos do chá!
…  foi também por essa altura, de regresso a casa, de noite, sentindo-me em estado pré-febril, sobre o qual em criança o meu pai dizia quando notava a minha anormal quietude, “está a chocá-la!”, que recordei o episódio do médico chinês a tomar o pulso ao meu novo amigo; sem fé alguma, achei por bem fazer uma chávena de chá – abri o armário e retirei da caixa uma saqueta de chá preto de Ceylan;  depois, com água da chuva, chovida há 500 anos, por haver ficado retida em lençóis freáticos, fervida, adocei-o com mel de abelha, -  desculpem-me a redundância –  é necessária para evitar, num eventual futuro, ser confundido pelas novas gerações com outro qualquer mel que se possa fazer e inventar, diferente do feito pelas abelhas; deitei-me pouco depois sentindo a má-disposição aumentar pelo efeito da febre…
… na manhã do outro dia levantei-me e fiz o que ordinariamente fazia sem qualquer dificuldade, julgo que só à tarde, depois do almoço me recordei que me havia deitado febril… conclui em segundos: o efeito do dito chá havia sido milagroso!...

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Marcel Proust - Saint-Loup um leitor de Nietzsche

"Quando a Sra. de Villeparisis, sem dúvida para ver se apagava a má impressão que nos causara a aparência do sobrinho, e que revelava um temperamento orgulhoso e mau, voltou a falar-nos da inesgotável bondade de seu sobrinho-neto (...), admirei-me da facilidade com que se atribuem neste mundo condições de bom coração aos que mais seco o possuem, por mais que em outras ocasiões sejam amáveis com as pessoas brilhantes que fazem parte do seu ambiente social. E a própria Sra. de Villeparisis acrescentou, embora indiretamente, uma confirmação a esses traços essenciais do caráter do sobrinho, que a mim já não despertava dúvidas, quando encontrei a ambos num caminho muito estreito e a marquesa não teve outro remédio senão apresentar-me a ele. Foi como se não ouvisse que lhe diziam o nome de alguém, pois não se lhe moveu nenhum músculo do rosto, nem o mais leve fulgor de simpatia humana lhe cruzou pelo olhar; só mostraram seus olhos um exagero na insensibilidade e inanidade do olhar, sem o que em nada se teriam diferençado dos espelhos sem vida. Depois, olhando-me fixamente e com dureza, como se quisesse certificar-se bem de quem era eu antes de devolver-me o meu cumprimento, com um movimento brusco, que mais parecia efeito de um reflexo muscular que ato de vontade, alongou o braço em toda a sua longitude e estendeu-me a mão a distância, criando entre a sua e a minha pessoa o maior intervalo possível. Quando no dia seguinte me entregaram o seu cartão, supus que fosse para um duelo. Mas não me falou senão de literatura e, depois de longo tempo de palestra, declarou que tinha muita vontade de que todos os dias passássemos juntos algumas horas. Naquela visita, não só deu provas de uma afeição veemente às coisas da inteligência, mas tornou-me patente uma simpatia que concordava muito mal com a sua saudação do dia anterior. Depois, quando vi que saudava dessa maneira sempre que o apresentavam a alguém, compreendi que era um simples costume da sociedade, próprio de um setor da sua família e a cuja mecânica corporal o havia habituado a sua mãe, que tinha interesse em que fosse admiravelmente educado; fazia aquelas saudações sem reparar que as fazia, como não reparava em seus belos trajes e em seus belos cabelos; era uma coisa isenta do significado moral que a princípio lhe atribuí e tão puramente artificial como outro costume que tinha: o de pedir que o apresentassem imediatamente aos pais de qualquer pessoa com quem travara conhecimento, e já tão instintivo nele que, no dia seguinte ao da nossa conversação, ao ver-me, lançou-se a mim e, sem ao menos dizer-me bom-dia, pediu-me que o apresentasse a minha avó, que estava a meu lado, com a mesma rapidez febril que teria se tal pedido obedecesse a algum instinto defensivo, como esse gesto inconsciente de aparar um golpe ou de fechar os olhos diante de um jorro de água fervendo, rapidez que nos preserva de um perigo que nos teria alcançado um segundo depois. E passados que foram os primeiros ritos de exorcismo, da mesma forma que uma fada esquiva despe a sua primeira aparência e se apresenta revestida de encantadoras graças, vi como se convertia aquele ente desdenhoso no mais amável e atento rapaz que conhecera. “Bem”, disse eu comigo, “já me enganei uma vez com ele, fui vítima de pura miragem, e só triunfei da primeira para cair em outra, porque este é certamente um grão-senhor enamorado da sua nobreza e que quer dissimulá-la”. E com efeito, ao fim de pouco tempo, por detrás da encantadora educação de Saint-Loup e de toda a sua amabilidade, havia de transparecer para mim outra criatura, inteiramente diversa da que eu suspeitava. Aquele jovem, com o seu aspecto de aristocrata e desportista desdenhoso, não sentia curiosidade nem estima senão pelas coisas da inteligência, especialmente por essas manifestações modernistas da literatura e da arte, que tão ridículas pareciam à sua tia; de resto, estava imbuído do que ela chamava as declamações socialistas, possuído de um grande desprezo pela sua casta, e passava horas inteiras estudando Nietzsche e Proudhon. Era um desses “intelectuais” de admiração fácil, que se encerram num livro e não se preocupam senão em pensar elevadamente. Tanto assim que a expressão, no jovem Saint-Loup, dessa tendência muito abstrata e que o afastava tanto de minhas preocupações habituais, embora me parecesse comovente, cansava-me um pouco. E confesso que quando me certifiquei bem de quem tinha sido o seu pai, nos dias seguintes à minha leitura de umas memórias cheias de acontecimentos relativos a esse famoso conde de Marsantes, resumo da elegância tão peculiar de uma época já passada, e me senti com o espírito cheio de sonhos e desejoso de saber pormenores da vida que levara o sr. de Marsantes, deu-me raiva que Robert de Saint-Loup, em vez de limitar-se a ser o filho de seu pai, em vez de guiar-me pelas páginas daquela novela antiquada que fora a sua vida, se houvesse elevado até a admiração de Nietzsche e Proudhon." Marcel Proust

domingo, 12 de outubro de 2014

Histórias de Abril, made in Salazar

- permite... ?
- sim claro - assentiu o velhote nonagenário sentado no banco do jardim.

  sentado no banco de jardim eu já não via oliveiras às dezenas, nem uma para lembrança; absolutamente todas sem excepção haviam sido arrancadas à terra por ordem de um plano superior de Urbanização; o terreno dador de negras e reluzentes azeitonas, dá agora relva, flores e árvores altas com os troncos inclinados pelo vento, tudo isso e mais, para todos verem, além claro de bancos de jardim.
Sentei-me num, ao lado desse respeitável Sr.  
...então o que aconteceu e nunca houvera acontecido, foi uma conversa na qual acabei colhendo matéria/substância de aproveitar para escrever o que ainda nunca houvera escrito...
 Mas antes de lembrar o que ele contou, quero falar-vos dum erro ortográfico...
 ouvia-se dizer... que no dia da inauguração do Jardim houve um momento caricato que envergonhou os representantes da câmara Municipal por a placa inaugurativa, de mármore branco, ter sido gravada com um erro ortográfico subtil. Tão subtil que passou por todas as leituras, imagine-se, durante meses, até ao festivo dia, sem ser revelado, nem pelo jardineiro, nem pelo filho, também jardineiro; cujos os olhos bem próximos da placa chegaram, quando lhe tomaram o peso e a fizeram descer da carrinha da Câmara, e depois mais próximos ainda ao aparafusarem-na ao suporte; o erro ortográfico, só foi apanhado/descoberto pelo olhar atento, mas míope, dum puto do 1º Ciclo, a avaliar pelas lentes dos seus óculos muito graduadas, de fundo de garrafa... 
depois de descoberto o erro, ou melhor a correcção do erro, obrigou a mandar gravar-se uma nova placa de mármore, mas, diga-se, em má hora, pois presentemente com o novo acordo ortográfico a palavra estaria bem escrita... 

 voltando ao banco de jardim...
 era o dia do 25 de Abril de há poucos anos atrás e em vez de ter apanhado o comboio até Lisboa para ir aturar a rabugice dos colegas, sentei-me ao lado do velhote a desfrutar a tarde soalheira do feriado. Conhecia-o ainda ele era de espinha dorsal e esqueleto direito, de dizer bom dia e boa tarde, e agora via-o de costas e pernas muito arqueadas... Iniciamos a conversa falando do Rui, o neto; um rapaz da minha idade, com quem sempre o via e agora raramente... explicou-me que ele tinha ido viver para Coimbra.
- falava com clareza, com boa dicção e ouvia igualmente bem, a pele com algumas rugas não denunciavam a avançada idade... por simpatia disse-lho
- Sabe está muito bem conservado, ninguém lhe dá os anos que tem.
- Sim, sim, ninguém me dá mas também ninguém me-os tira.

Depois voltamos ao assunto do dia que era o antes e o depois do 25 de Abril...
  Sobre o depois do 25 de Abril pouco disse... mas sobre o antes falou assim:


- «nesses anos de ditadura, já nem me lembro se trabalhava como motorista ou nos Caminhos de Ferro, já tenho 90 anos, está a ver?! a memória já me falha - mas lembro-me bem - quer como motorista quer como operário da C.P., ambos os meus chefes pertenciam à P.I.D.E. ou melhor colaboravam com ela, que é a mesma coisa, não acha? Um deles, julgo que o da C.P. uma vez convidou-me a ir a Lisboa com ele para fazermos um trabalho, dizia que eu era de confiança, vamos e voltamos no mesmo dia - é só um biscate, um extra, para ganharmos uns cobres - olhe amigo não era servirmos como testemunha acusatória para denunciarmos alguém - havia grupos de informadores para isso - era muito pior - quer saber qual era o trabalho? - ir à torturas para realizá-las - cheguei a ver fotos deles a retirarem informações pela dor infligida aos presos políticos - não aceitei o convite -também não aceitei o convite para ser motorista de um dos chefes da P.I.D.E. - fiquei logo marcado - na lista negra - por essa razão reformei-me mais cedo - vi-os a destruírem muitas famílias - dizia para os meus botões - um dia serão castigados - pelo mal que fizeram...»

... depois falamos mais um pouco e acabei dizendo-lhe que infelizmente depois do 25 de Abril bem poucos foram os que deveriam ter sido castigados... por ter-me lembrado dum artigo entrevista que lera no Expresso ao António José Saraiva...

http://www.odifamadordacopula.blogspot.pt/2014/09/blog-post.html

terça-feira, 30 de setembro de 2014

a beleza avistada por um observador em movimento e o humor de Marcel Proust, por Alexnietzsche

"O carro da Sra. de Villeparisis ia depressa. Mal me dava tempo para ver a menina que vinha em nossa direcção; e, contudo, como a beleza das criaturas humanas não é igual à das coisas, e sentimos muito bem que pertence a uma criatura única, consciente e de livre vontade, enquanto a sua individualidade, alma vaga, vontade desconhecida, se pintava em imagem prodigiosamente reduzida, mas completa, no fundo de seu distraído olhar, imediatamente (...) sentia em mim o embrião vago, minúsculo também, do desejo de não deixar passar aquela menina sem que seu pensamento tivesse consciência da minha pessoa, sem impedir que seus desejos se dirigissem a outro homem, sem que eu entrasse nessas ilusões e me assenhoreasse de seu coração. Enquanto isso, o carro afastava-se, a rapariga ficava para trás, e como carecia a meu respeito de quaisquer das noções que constituem uma pessoa, os seus olhos, que mal me tinham visto, já me haviam esquecido. Parecera-me acaso tão linda por tê-la visto assim tão fugazmente? Em primeiro lugar, a impossibilidade de nos determos junto de uma mulher, o risco que corremos de nunca mais tornar a encontrála, dão-lhe repentinamente o mesmo encanto que a determinado país a doença ou falta de recursos que nos impede visitá-lo,(...) os atractivos de uma mulher que vemos passar costumam estar em relação directa com a rapidez da sua passagem. (...)
Se eu pudesse descer do carro e falar com a moça que passava, talvez me houvesse desiludido qualquer imperfeição de sua pele, que não se poderia ver do carro. (...) Talvez uma só palavra sua, um sorriso, me tivessem dado uma chave ou código inesperado para compreender a expressão de seu rosto ou de seu porte, que imediatamente já me pareceriam banais. É muito possível, porque nunca na minha vida encontrei moças tão deliciosas como naqueles dias em que estava com uma pessoa muito grave, de quem não podia separar-me apesar dos mil pretextos que inventava; em Paris, alguns anos depois da minha primeira viagem a Balbec, ia eu de carro com um amigo de meu pai quando vi uma mulher andando muito depressa na escuridão da noite; ocorreu-me que seria tolice perder por uma questão de cortesia a minha parte de felicidade na única vida que sem dúvida existe; desci sem desculpa alguma e lancei-me em busca da desconhecida; perdi-a num cruzamento de ruas, dei com ela no seguinte, e afinal, sem fôlego, me vi cara a cara com a velha sra. Verdurin, da qual eu sempre fugia, e que me disse, muito contente e admirada:
 - Que amabilidade a sua, correr para vir cumprimentar-me!"
Proust, in Tomo II, EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

JUDEUS o povo perseguido

Com ou sem grandes conhecimentos Históricos dá para concluir que o povo judeu tem sido ao longo da sua História culpabilizado, escorraçado, perseguido, aprisionado e mais macabro ainda, executado; há poucos séculos atrás os Tribunais do Santo Ofício da Inquisição não brincavam em serviço, torturavam-os nos interrogatórios, acusavam-os de judaizarem (de praticarem em segredo a religião dos seus antepassados) e servindo-se das alianças com os Reis Católicos puniam com requintes de malvadez os judeus com a pena de morte... imagine os carrascos a garrotarem o seu pescoço apertando um pouquinho mais a cada meia volta... ou então imagine-se acobardado a assistir a tudo conjuntamente no meio do povo, sentindo asco de si mesmo e da multidão cúmplice... Mas para quê ir tão atrás no tempo, ainda bem mais recente houve o horror indescritível documentado e fotografado do Holocausto... Como conseguiram fazer isto ao Povo judeu? eu respondo-vos - por ser fácil - já não seria fácil se o povo judeu se valesse do direito de entrar em guerra! Ora nem se podiam valer, precisariam, para isso, de um exército! acontece que agora presentemente o povo judeu já o tem!!!, e ainda bem! Tardava!! já não era sem tempo! Vã glória terem precisado da ajuda de quem lhe fez um caminho por entre as águas salgadas.. eram mesmo uns sonsos, uns sem sal... ahahha hoje canta outro galo!! hoje eles devolvem cada pedrada... e quem nao gosta que não lhes atire pedras!! Muito bonzinhos são os israelitas, porque se fosse o nosso 1º rei Dom Afonso Henriques e em vez de espadas e mocas tivesse os recursos bélicos dos Israelitas,...

leio e releio António José Saraiva, INQUISIÇÃO e CRISTÃOS NOVOS

"(...)Em 1979, António José Saraiva rompeu com o regime saído do 25 de Abril. Defendia que como não se fizera a liquidação do anterior regime e o apuramento de responsabilidades, nos crimes da PIDE, nos crimes da guerra colonial, nas suspeitas de corrupção, que o regime do 25 de Abril era uma continuação, sob outras vestes, do salazarismo e marcelismo.      
Escreveu num artigo demolidor, intitulado O 25 de Abril e a História: "Em resumo, não se fez a liquidação do antigo regímen, como não se fez a descolonização. Uns homens substituíram outros, quando os homens não substituíram os mesmos; a um regímen monopartidário substituiu-se um regímen pluripartidário. Mas não se estabeleceu uma fronteira entre o passado e o presente.
Os nossos homens públicos contentaram-se com uma figura de retórica: "a longa noite fascista". Com estes começos e fundamentos, falta ao regime que nasceu do 25 de Abril um mínimo de credibilidade moral. A cobardia, a traição, a irresponsabilidade, a confusão, foram as taras que presidiram ao seu parto e, com esses fundamentos, nada é possível edificar.
O actual estado de coisas, em Portugal, nasceu podre nas suas raízes. Herdou todos os podres da anterior; mais a vergonha da deserção. E com este começo tudo foi possível depois, como num exército em debandada: vieram as passagens administrativas, sob capa de democratização do ensino; vieram "saneamentos" oportunistas e iníquos, a substituir o julgamento das responsabilidades; vieram os bandos militares, resultado da traição do comando, no campo das operações; vieram os contrabandistas e os falsificadores de moeda em lugares de confiança política ou administrativa; veio o compadrio quase declarado, nos partidos e no Governo; veio o controlo da Imprensa e da Radiotelevisão, pelo Governo e pêlos partidos, depois de se ter declarado a abolição da censura; veio a impossibilidade de se distinguir o interesse geral dos interesses dos grupos de pressão, chamados partidos, a impossibilidade de esclarecer um critério que joeirasse os patriotas e os oportunistas, a verdade e a mentira; veio o considerar-se o endividamento como um meio honesto de viver. Os cravos do 25 de Abril, que muitos, candidamente, tomaram por símbolo de uma Primavera, fanaram-se sobre um monte de esterco." Um texto actualíssimo, como se vê.(...)"
by Paulo Gaião, In Expresso, 27 de Julho de 2012

sábado, 27 de setembro de 2014

CARTA DE AMOR 1 com Prólogo

 Introdução - explicação ao leitor.

... só aqui estou eu, sentado, a escrever, para si...
... o que me trouxe foram as cartas de amor; senti, ao lê-las, não ter nunca lido nenhumas mais inspiradas... as minhas ouso dizer são as mais belas cartas de amor da língua portuguesa... quem não acredite que mo prove... semanalmente comprometo-me a editar um ou duas... tenho a certeza que nunca haveis lido cartas de amor mais belas ... publicarei aqui as ditas sem qualquer ordem cronológica... faço-o por considerá-las dignas de vós... apreciadores de arte!

"Ler pode tornar o Homem perigosamente humano."
Guiomar de Grammon


... é bem diferente ler o que eu escrevi para o mundo e ler o que eu escrevo para si - o que é para o mundo é para todos, o que é para si é para ser seu !, porque as palavras devem voltar ao ser de onde partiram!
A S., sem querer, fê-las nascer pelo gesto simples de me olhar e cumprimentar!... então de imediato tudo o que foi emoção - os seus olhos a olhar nos meus - num vislumbre lento - a sua expressão cândida e alegre - contrastante  com a sua fisionomia de normal mais séria - tudo, toda a emoção - tudo!, se quis em palavras!, eu dizia depois de nos vermos «vou escrever-lhe!»... 
Sem dúvida estas palavras vieram-me inspiradas de si!, é normal então voltarem para si!... 
 minutos depois passava segunda vez pela mesma entrada do edifício onde nos cruzamos- como o carteiro que toca sempre duas vezes - mas já lá não estavas!, foi bom na mesma, porque passei pelo mesmo sitio onde a vira!... depois em silêncio revivi a imagem que retive de si quando nos olhámos! mais que as suas roupas de cor preta, os seus sapatos pretos e a sua mala preta, eu vi os seus olhos! Se eu fosse pintor ou mesmo não fosse, mas soubesse pintar, eu poderia pintá-los para poder voltar a vê-los - numa tela!, mas como não sou nem sei quando, ou mesmo se, voltarei a vê-los, recorro-me do fraco talento para a escrita, de modo a que estas palavras sempre mos possam lembrar...



quarta-feira, 10 de setembro de 2014

se não chegar uma página, tome 1/4 de livro...

Há estados de alma doentes de melancolia; nota-mo-la nos outros e em nós, e não raro aconselhamos ou aconselham-nos: - Vá! Sai dessa apatia, vai dar um passeio!... – porém, não obstante concordarmos com o conselho, quantas vezes não nos deixamos estar presos, dias, semanas, à cómoda inactividade física?... às vezes anos… parados!!… um dia é porque chove!  no outro é por que faz frio. Pois bem, peço-vos, deixai-vos de desculpas. Sabei! até no Inverno deverias preferirdes salpicar-vos de chuva a estardes debaixo das nuvens negras da melancolia. E quando o estado do tempo se agrava?, e a caminhada se torne lamacenta, impraticável, perigosa? Bem, jamais desejaria que corresses perigo de vida - prescrevo-vos então a outra caminhada… Qual? A que podereis fazer pelas páginas dos livros, frase após frase, num passo de leitura ora vagaroso, ora ritmado; para não vos demorardes demais nas paisagens salutares da arte, das ideias, dos valores nobres. No caminho das páginas havereis de ver, de parágrafo em parágrafo, enseadas com muito vento, planícies imensas a perder de vista; tereis a impressão de terdes subido a miradouros e a verdes mais longe!, - e enquanto pelo objecto da leitura caminhardes lereis muitas coisas. Descobrireis até frases terapêuticas com princípios activos mais benfazejos para a alma que os dos fármacos. Poderia citar-vos algumas!, mas melhor não, Curar-vos-ia de toda a melancolia, e isso eu não quero! Onde depois iria eu achar leitores melancólicos? Se vos apraz, sabei que Aristóteles afirmou que por regra os homens inteligentes são melancólicos! Eu fui-o muito! Sou-o ainda. Sei por conhecimento próprio o quanto aborrece ao próprio a melancolia! Hoje conheço-a mais e por isso convivo com ela melhor!, e às vezes, concluo, sou Melancólico, logo existo!,
Ler é bom remédio! As leituras, em semelhança com os passeatas a pé, por havermos despendido velhas energias e adquirido novas, fazem sentirmo-nos vivificados!...

Seria pedir muito à vossa melancolia, agarrar em livros dos mais variados autores, socorrer-se da sua companhia, e calcorrear o salutar caminho das palavras?

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

obedecer ou não obedecer eis a questão


Sem regras – dizem - Sem regras não passamos de selvagens; mas urge avisar: Cuidado!, a obediência às regras não nos isentará de responsabilidades - podemos em consequência da "boa obediência" virmos a ser punidos por havermos praticado actos de selvajaria!... Quantos povos, quantas pessoas não massacraram barbaramente o próximo, o seu semelhante, no cumprimento das regras?, que nos difere dos Nazis, e dos russos Estalinistas quando no cumprimento cego das regras prejudicamos seriamente alguém? – para nos inocentarmos, passamos a responsabilidade para a hierárquico superior, e dizemos: estávamos a cumprir ordens! – querendo com isso desresponsabilizar-mo-nos, mas deveríamos antes querer legitimar que todos os nossos actos nos responsabilizam, todos, quer os voluntários quer os ordenados pela hierarquia!, em síntese, somos igualmente selvagens quando, virando as costas à ética, aceitamos a selvajaria dissimulada sobre a fachada das regras e, sem quaisquer escrúpulos, nos tornamos os seus agentes.

A selvajaria pode ser maior ou menor, conforme o gravidade do mal que causa; o mais pequeno dos males que alguém causa a alguém, é, será sempre, um acto de selvajaria!

segunda-feira, 28 de julho de 2014

A mandioca, o Carnaval e os anjos celestiais!!

      A professora pedira aos meninos para ler em casa um texto alusivo ao Carnaval e, para incentivá-los ao cumprimento desse dever, o da leitura, dissera-lhes que quem lesse o texto até ao fim acharia nele uma recompensa; ficaram por isso os meninos intrigados sobre qual seria.
- Srª Professora diga-nos. Qual é a recompensa?
- Ai isso é que não vos digo!, se vos digo perde a graça e vocês já não leriam!
- Leríamos sim!
- Meus queridos, saberão todos que ler já por si é uma recompensa, na medida em que é um exercício racional, mas quanto a este texto garanto-vos que vão ter uma outra acrescida! Entenderam?
- Um dos meninos - o Luis - disse que sim, mas um outro disse:
- Não.
- O Luís entendeu, e vai fazer o favor de te explicar por outras palavras…
 (Luís virado para o Pedro)
- Pedro, ler faz-nos bem como jogar à bola! É um exercício! A outra recompensa deve ser marcar um golo! (riu-se)
- É mais ou menos isso! Quem ler tudo até ao fim vai achar a outra recompensa. Agora não me perguntem qual?...
Os catraios (os guris) estavam verdadeiramente intrigados a olhar para as duas folhas A4 cheias de palavras; eu mesmo também fiquei intrigado… mas, quando cheguei a casa, atirei a mala para cima da cama e nunca mais me lembrei do dever escolar… 
Aconteceu  que no dia seguinte, em consequência do meu completo esquecimento, ser um dos poucos a não saber nada sobre a recompensa! Ouvia os meus colegas falarem uns com os outros referindo-se à recompensa, rindo-se…
- Leram o texto?
- Lemos sim! – gritaram os meus colegas no meio de muitas risadas
- Quem é que não leu?
Eu levantei o braço!...
- Quem mais não leu?
Levantaram o braço mais uns tantos!...
 - Vamos então ler em voz alta, para todos ouvirem. João retire a mão da cara, olhe a postura! Sente-se direito. Faça-nos o favor de ler. Em voz alta. Leia o título também.
O João não lia mal; tinha o costume de pigarrear a voz antes de ler ...
QRQRQRRRRR QRQRQRRRR
« O DISFARCE!
O professor havia pedido aos seus alunos disfarces de Carnaval, e ficara combinado deixarem-nos dentro de uma caixa de papelão; por isso o barulho e a azáfama em volta da caixa era grande; queriam ser os primeiros a deixar na caixa o seu disfarce e a ver os dos outros.
- Vá chega!, Vão sentar-se! – ordenou o professor, incomodado pela gritaria infantil!
De imediato todos procuraram o lugar para se sentar. Todos menos Edú Nassim, o guineense; ele aproveitara a confusão para informar o professor sem ser ouvido pelos outros…
- Esqueci-me de trazer a fantasia de Carnaval
- Não faz mal Edú. Vai para o teu lugar!
  O esquecimento de Edú tinha uma razão. Os pais tinham vindo da Guiné Bissau, e passavam por algumas dificuldades… Um kilo de farinha de mandioca para os pais de Édu tinha prioridade sobre qualquer disfarce…»

 Os alunos atentos à história riram-se; perguntaram depois o que era uma mandioca, e dois houve que por estarem distraídos perguntaram ao colega do lado sobre o quê que riam…

O professor explicou que uma mandioca era uma raiz muito maior que uma cenoura com uma casca castanha escura e toda branca por dentro. Depois, elogiou a dicção do pequeno leitor e pediu a um outro aluno para ler a parte que faltava… (continua…)

«A mãe de Edú pensara comprar-lhe uma coroa de rei para fazer jus ao nome Nassim, mas não passou dai, do pensamento…

O professor poderia aproveitar-se da desculpa de Edu para dar uma lição de moral sobre o esquecimento, mas não o fez, seria imoral, não acham?
Com 3 grandes passos chegou-se perto da caixa e enfiou os braços que desapareceram no meio dos disfarces; agarrou em todos de um vez e pô-los sobre duas mesas. Havia disfarces e máscaras para todos os gostos. Havia um alusiva ao livro do Alexandre Dumas, Os três Mosqueteiros, outra ao famoso cavaleiro da Triste Figura, uma com uma mascarilha e uma capa negra era a do Zorro, havia a dum coelho – o da Alice no pais das Maravilhas – havia a do pirata da barba Azul, e a do Capitão Ahab, mas de todas, a mais cobiçada pelos rapazes foi a do Homem Aranha… todos estavam muito animado, menos Edú, ele continuava sentado, sem querer participar na distribuição das fantasias…
 Vendo-o cabisbaixo, o professor chamou-o.
- Vem cá Édu.
O Édu levantou-se relutante, como se fosse pedir sopa uma segunda vez!»

- Sopa?? – questionou um aluno
- É referente ao Oliver Twist, não é professor?
- Sim é. Alude a uma das passagens mais famosas do Oliver Twist. (virando-se para o leitor) Continua!
«Queria escapulir-se, receava o pior!, estava naquela escola fazia pouco tempo e ainda não se habituara a estar no meio dos branco.
 A máscara a capa e o chapéu do Zorro está fora de questão, pensou o professor, perder-se-ia o efeito do contraste.
 - Quem quer ser o Zorro?
 - Eu não me importo de fazer de Zorra! – disse a Carminda; ela sabia aproveitar as deixas…
    Com o olhar na caixa, antes que as fantasias fossem todas distribuídas e o Édu ficasse sem uma, o professor, retirou umas asinhas acinzentadas, de penas ganso, procurou ainda a aljava e a flecha mas delas nem a sombra. A ideia era que Edu se tornasse um orgulhoso cupido guineense!, mas gorada essa hipótese esperava que com as asinhas o vissem anjo, disfarçado de anjo!!   Vestiu-lhes as asas!! e perguntou à turma:
- Digam-me o que é que o Édu vos faz lembrar, não vos parece mesmo um… digam, digam!
  Edu chateado achou por bem mover os braços, as asas mexeram-se por isso um pouco!
 Carminda viu e disparou!
-  Um morcego!!!
Toda a turma riu!
- Ahhhah ahahaha Edú parece mesmo um morcego!!
- Bate as asas Edú, sais pela janela!!»

Eu conjuntamente com os meus colegas, rimos, depois, fez-se me luz, ah agora sei, era esta a recompensa!

quinta-feira, 19 de junho de 2014

À memória do meu amigo Ribas


O Ribas e os pais moravam numa modesta casa térrea com uma porta no meio de duas janelas viradas para a rua. Havia lá estado uma vez num dia quente de Verão a ajudá-los a transportar coisas antigas do sótão para o quintal, situado nas traseiras da casa. Só me voltei a lembrar desse dia passados que foram 3 anos quando lhe ouvi dizer «o meu falecido pai felicitou-me por teres ido lá a casa, gostou dos teus modos e de saber que eras meu amigo»
A satisfação cobria-lhe o rosto mais por ter alegrado o pai que por ter recebido a sua aprovação. Além do meu comportamento solicito e educado houve um outro factor: o tabaco, ou melhor a aversão ao tabaco; quando ma ouviu manifestar, passou literalmente a ver-me fora dos grupos das más companhias do filho e dos amigos de John Barleycorn, essa informação surtiu o efeito de um bálsamo naquele velho pai sofrido...  
As cortinas brancas não deixavam ver para dentro do quarto, mas a janela, aberta por causa do calor das noites quentes de Agosto, permitia-me ouvi-lo. Cantava alto. Enfiei a cabeça para dentro da janela afastando as cortinas com a mão e ele nem notou. Deitado na cama, de tronco de barriga para cima, olhos postos no infinito do tecto, cantava Zeca Afonso.
“E se um dia houver uma praça de gente madura
E um estátua de febre a arder… "
Deixei-o acabar a canção e chamei-o.
- Ribas!
- Olá... Já vou. Deixa-me só vestir uma camisa...
O rumo era em direcção à casa do nosso amigo comum, o Sr. Bastos onde à noite nos reuníamos para cumprir com imenso agrado o hábito habitual de ouvirmos o Ribas a tocar guitarra e a cantar...  Só depois da actuação, aceitávamos  iniciar as partidas de Xadrez. 
Por vezes o Ribas perguntava-me:
- Não me queres encomendar uma serenata? Só tens que me dizer onde ela mora e escolher a canção, o resto deixa comigo!!
Caminhava lançando as pernas para a frente, dentro de umas calças largas, baloiçando a barriga… 
- Sabes o que eu descobri? ontem à noite?
- Diz.
- Descobri. O Universo está afinado em Lá menor!
-???????????? (o meu espanto era ainda maior que o universo)
- Como ??????
- Estava a cantar. Deitado. A certa altura da canção a cama vibrou debaixo das minhas costas. Eram as molas do colchão, ressoavam. Voltei a cantar e notei que o colchão ressoava sempre na mesma nota. Lá menor.
- Lá menor?
- Sim. O colchão. A cama! As paredes da casa. Alexandre, o Universo está afinado em lá menor. Tudo o que vês. A claridade da lua, o brilho das estrelas... tudo o que está parado e tudo o que se move!

O Ribas de todas as pessoas para quem eu tinha declamado um ou dois versos da minha autoria havia sido o único que me pedia que o declamasse de novo para fruir com verdadeiro prazer da mensagem e das rimas!!
"Gente gentalha que em Deus acreditaste
E o tornaste à vossa imagem, podre e oca  
Com ódios e guerras santas vos elevaste
Mas para com a verdade não abriste a boca (...)

quanto ao resto do poema... esse será só para os meus verdadeiros leitores!! para aqueles que me procuram para ler mais!!


terça-feira, 17 de junho de 2014

o começo da amizade de Sólon com Anacarsis

...desde tenra idade os outros sempre me despertaram extrema curiosidade.
 não sentia qualquer dificuldade em tocar nas pessoas, em falar-lhes, em perguntar-lhes qualquer coisa. Eu não precisava de conhecê-las para as conhecer; eu ia ter com elas, e elas diziam-me bubu, e bibi e eu percebia-as. E mesmo sem saber falar eu falava-lhes, e elas começavam a ficar felizes... 
Mas hoje se vou ter com alguém que não conheça já ninguém me diz bubu nem baba e olham para mim como se eu já não fosse criança; eu sei que mudei muito, mas eu não mudei nada; e se por acaso me aproximo das pessoas que não conheço elas olham-me agora com uma cara de espanto, como se eu não devesse estar ali; e, infelizmente, da expressão dos seus rostos transparece de imediato a falta de uma explicação.
E não poderia ser de outra maneira.

A exigência de explicações para actos inusitados são tão antigas quanto o homem; o homem há muito que está desacostumado que se abeirem dele, por isso pede explicações a quem o faz. 
Plutarco diz-nos que uma vez um dos sete sábios da Grécia, Anacarsis, tendo visitado Atenas, foi a casa de Sólon, legislador de Atenas. Este depois de Anacarsis ter batido à porta quis uma explicação. Anacarsis anunciou-se como um estrangeiro que ia unir-se a ele pelos laços da amizade e da hospitalidade. A explicação de Anacarsis não agradou Sólon, que lhe respondeu:
 «Mais vale procurar amigos em sua própria casa que procurá-los fora.» 
Retrucou-lhe Anacarsis:
 «Pois bem! visto que estais em vossa casa, fazei então de mim vosso amigo e hóspede.»
Se o espírito de Anacarsis quis manifestar-se pela vivacidade da sua pronta resposta, o de Sólon também não se deixou de manifestar - pela pronta hospitalidade concedida. Se não fora a beleza de Anacarsis razão para que Sólon anui-se ao convite de amizade, que outra poderia ter sido senão a beleza das palavras, reflexo da do espírito? 

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Marcel Proust 2, por Alexnietzsche

"(...)Quando Françoise, à noite, se mostrava gentil comigo, e me pedia licença para se sentar no meu quarto, parecia-me que seu rosto se tornava transparente e que nela eu lia a bondade e a franqueza. Mas Jupien, (...) revelou-me posteriormente que ela dizia que eu não valia a corda para me enforcar e que procurara lhe fazer todo o mal possível. Estas palavras de Jupien mostraram-me logo (...) que não é só o mundo físico que difere do aspecto sob o qual o vemos; (...) fiquei aterrorizado. E, só se tratava de Françoise, a criada, com quem pouco me preocupava. Seria assim em todas as relações sociais? E até que desespero poderia isso levar-me um dia, se o mesmo ocorresse no amor? Por enquanto apenas se tratava de Françoise. (...) O fato é que percebi a impossibilidade de saber de modo direto e seguro se Françoise me amava ou detestava. E assim, foi ela a primeira a me dar a ideia de que uma pessoa não é, como o acreditara, nítida e imóvel diante de nós com suas qualidades, seus defeitos, seus projetos, suas intenções para connosco (...) e sim uma sombra onde jamais podemos penetrar, para a qual não existe conhecimento direto, a respeito de quem formamos numerosas crenças com o auxílio de palavras e até mesmo de ações, umas e outras nos dando apenas informações insuficientes e, aliás, contraditórias, uma sombra onde podemos alternadamente imaginar, com a mesma verosimilhança, o ódio e o amor."
Marcel Proust, in O Caminho de Guermantes

... e porquê falar agora de Münster?, porque foi a cidade onde li e sublinhei esta página, saudades de Proust e de Münster invadem-me não raro o coração!!!

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Marcel Proust, por Alexnietzsche

amigos leitores se houvesse oportunidade para uma conversa alusiva a uma página de O Caminho de Swan, abriria o livro e haveria de pedir-vos atenção para ouvirdes este parágrafo:
"(...) uma coisa veio mudar uma vez mais, e bruscamente, o modo como se apresentava todas as tardes, pelas duas horas, o problema do meu amor. Descobrira o Sr. Swann a carta que eu havia escrito a sua filha Gilberta?, ou ela não fazia mais que confessar-me, (...) um estado de coisas já antigo? Como eu lhe dissesse quanto admirava os seus pais, tomou aquele ar vago, cheio de reticências e de segredo, de quando lhe falavam no que tinha para fazer em seus passeios e visitas, e acabou por dizer: «Pois não sabes? Eles não podem tragar-te» (...)

Os seus pais, o Sr. e a Srª Swann, não pediam a Gilberta que deixasse de brincar comigo, mas prefeririam que aquilo não tivesse começado. Não encaravam bem as minhas relações com ela, não me atribuíam grande moralidade e imaginavam que eu só poderia exercer má influência em sua filha. Essa espécie de rapazes pouco escrupulosos com quem Swann me julgava parecido, imaginava-os eu como sujeitos que detestam os pais da moça a quem amam, adulam-nos quando estão presentes, mas zombam deles com ela, induzem-na a desobedecer-lhes, e, uma vez conquistada a filha chegam até a impedir-lhes que a vejam." A esses desprezíveis e imaginados traços uns outros reais havia em meu coração, que me defenderiam de tais enganos quanto à nobreza do meu carácter; eu tinha para com o Sr. Swann um coração animado de sentimentos tão sinceros e apaixonados que, se ele os suspeitasse, ter-se-ia arrependido do seu julgamento a meu respeito."Tudo quanto sentia por ele, ousei dizer-lhe numa longa carta que dei a Gilberta, pedindo-lhe que lha entregasse. Ela consentiu dar-lha. Ai de mim! Ele considerava-me muito mais impostor do que eu supunha; aqueles sentimentos que eu julgara ter descrito com tanta fidelidade, em 16 páginas, pusera-os ele em dúvida; a carta que lhe escrevi tão ardente e tão sincera, não obtivera maior êxito. No dia seguinte, Gilberta, contou-me que, ao ler a carta seu pai erguera os ombros, dizendo: "Isto tudo não tem significação alguma." E eu, que conhecia a pureza das minhas intenções e a bondade da minha alma, indignei-me de que as minhas palavras não houvessem causado a mais leve mossa no absurdo engano do Sr. Swann. Tinha a sensação de haver descrito tão exactamente os meus sentimentos de generosidade que, se depois disso ele não os havia sabido reconstituir e ao ponto de ver que deveria pedir-me perdão, confessando que se havia enganado, era porque nunca sentira esses nobres sentimentos - o que devia incapacitá-lo para os compreender nos outros."
Marcel Proust, in Em Busca do Tempo Perdido.

terça-feira, 11 de março de 2014

Os melhoradores da Humanidade, por Nietzsche

"(...)
Em todos os tempos se quis «melhorar» os homens: a isto sobretudo foi a que se deu o nome de moral. Porém sob a própria palavra escondem-se as tendências mais díspares. Tanto a domesticação da besta homem como a criação de uma determinada espéçie de homem foram chamadas «melhoramentos»: só estes termini zoológicos expressam realidades, - realidades, certamente, das quais o «melhorador» típico, o sacerdote, nada sabe - nada quer saber.. Chamar à domesticação de um animal o seu «melhoramento» é algo que a nossos ouvidos nos soa como uma ironia. Quem sabe o que acontece nos circos de feras põe em dúvida que neles a besta seja «melhorada». É debilitada, é feita menos perigosa, é convertida, mediante o efeito depressivo do medo, mediante a dor, mediante as feridas, mediante a fome numa besta enfermiça. - O mesmo acontece com o homem domado que o sacerdote «melhorou». Na Alta Idade Média, quando de facto a Igreja era sobretudo um circo de feras, dava-se caça em todas as partes aos mais belos exemplares da «besta loura» - «Melhoraram-se», por exemplo, os aristocráticos germanos. Porém, que aspecto oferecia logo esse germano «melhorado», levado enganosamente para o mosteiro? O de uma caricatura de homem, o de um aborto: havia sido convertido num «pecador», estava metido na jaula, havia sido encerrado entre conceitos todos eles terríveis... Ali jazia agora, enfermo, murcho, odiando-se a si mesmo; cheio de ódio contra os impulsos que incitam a viver, cheio de suspeitas contra tudo o que continuava a ser forte e feliz. Em suma, um «cristão»... Dito fisiologicamente: na luta com a besta o pô-la enferma pode ser o único meio de debilitá-la. A Igreja entendeu isto: deitou a perder o homem, debilitou-o - porém pretendeu tê-lo «melhorado»...

3.
Tomemos o outro caso da chamada moral, o caso da criação de uma determinada raça e espécie. O mais grandioso exemplo disto oferece-no-lo a moral hindu, sancionada como religião no «Código de Manu» . A tarefa aí exposta consiste em criar ao mesmo tempo nada menos que quatro raças: uma sacerdotal, outra guerreira, uma de comerciantes e agricultores, e finalmente uma raça de servidores, os sudras. É evidente que aqui não nos encontramos já entre domadores de animais: uma espécie cem vezes mais suave e racional de homens é o pressuposto para conceber sequer o plano de tal criação. Vindo do ar cristão, um ar de enfermos e de cárcere, respira-se aliviado ao entrar neste mundo mais são, mais elevado, mais amplo. Que miserável é o «Novo Testamento», comparado com Manu, que mal que cheira! - Porém também esta organização tinha necessidade de ser terrível, - desta vez não na luta com a besta, mas sim com o seu conceito antitético, com o homem-não-de-criação, o homem-mestiço, o chandala. E, de novo, essa organização não tinha nenhum outro meio para fazê-lo inócuo, para torná-lo débil, que pô-lo enfermo, - pois era a luta com a «maioria». Talvez nada choque mais a nossa sensibilidade que estas medidas preventivas da moral hindu. O terceiro edicto, por exemplo (Avadana-Sastra I), o de «os legumes impuros», prescreve que o único alimento permitido aos chandalas sejam os alhos e as cebolas, em atenção a que a Escritura Sagrada proíbe dar-lhes grão ou frutos que tenham grãos, dar-lhes água ou fogo. Esse mesmo edicto estabelece que a água de que necessitem não a tomarão nem dos rios nem das fontes nem dos tanques, mas unicamente dos acessos aos charcos e dos buracos feitos pelas pisadas dos animais no chão. Do mesmo modo se lhes proíbe lavarem as suas roupas e lavarem-se a si mesmos, posto que a água que generosamente se lhes concede só é lícito utilizarem-na para aplacar a sede. Finalmente, proíbe-se às mulheres sudras assistirem no parto às mulheres chandalas, e ainda se proíbe a estas últimas assistirem-se mutuamente em tais circunstâncias... - O êxito de tal política sanitária não tardou a fazer-se sentir: epidemias mortíferas, doenças sexuais terríveis, e, em consequência disso, de novo, «a lei do cutelo», que prescreve a castração para os rapazinhos, a amputação dos lábios menores da vulva para as meninas. O próprio Manu disse: «os chandalas são fruto do adultério, incesto e crime (- esta é a consequência necessária do conceito de criação). Como vestidos terão só os trapos dos cadáveres, como vasilha, potes rachados, como adorno, ferro-velho, como culto, só os espíritos malignos; vaguearão sem descanso de terra em terra. É-lhes proibido escrever da esquerda para a direita e servir-se da mão direita para escrever: o emprego da mão direita e da escrita da esquerda para a direita está reservado aos virtuosos, às pessoas de raça».

A moral da criação e a moral da domesticação são completamente dignas uma da outra nos meios para se imporem: é-nos lícito assentar como tese suprema que, para fazer moral, é preciso ter a intenção firme do contrário. Este é o grande problema, o inquietante problema atrás do qual eu andei durante mais longo tempo: a psicologia dos melhoradores da humanidade. Um facto pequeno e, no fundo, modesto, o da chamada pia fraus proporcionou-me o primeiro acesso a este problema: a pia fraus, património de todos os filósofos a sacerdotes que «melhoraram» a humanidade. Nem Manu, nem Platão, nem Confúcio, nem os mestres judeus duvidaram jamais do seu direito à mentira. Não duvidaram dos seus direitos completamente diferentes… Expressando-o numa fórmula seria lícito dizer: todos os meios com que pretendeu até agora tornar moral a humanidade foram radicalmente imorais. "
 Nietzsche, in CREPÚSCULO DOS ÍDOLOS

segunda-feira, 3 de março de 2014

Os Russos que amo e desprezo!

A luta pelo poder retratou a luta pela vida, sem qualquer critério ético ou moral, sem qualquer valor pela vida do outro. Mas entre os homens civilizados ela não tem mais lugar!... e será perseguida pela lei!! jamais a desumanidade para com o próximo ilibará líder politico algum dos seus crimes!...  Acreditemos em futuros julgamentos como os houve em Nuremberg... façamos por eles!!
A minha admiração pelos Russos começou com Gogol e Dostoievski, o meu desprezo com Estaline e todos os seus seguidores!!...
Quanto mais se avança no relógio da História maior deveria ser o avanço ético moral no que concerne à vida do outro, o bem supremo, o bem comum!, por isso mais custa perdoar os algozes de hoje que os do passado! - a Justiça tarda!!

domingo, 16 de fevereiro de 2014

...os dias felizes em Münster...

  num dia de Outubro, cedo, pouco depois do nascer do sol, caminhava pela Hammerstr quando fui surpreendido e alegrado por um esquilo que, ágil e apressado, descia pelo tronco de uma majestosa árvore; o fruto, havia antes caído e foi rápido em linha recta que ele a ele se dirigiu. Apanhou-o com as patinhas pequenitas, levou-o aos dentes, olhou em várias direcções, depois, acto contínuo, correu para o tronco de outra árvore e subiu-o veloz. Via-o sobre um ramo com o fruto na boca meio encoberto pela ramagem. Ficou ali como que se esperasse que lhe tirassem uma fotografia, depois rápido escondeu-se. Eu perscrutava-o entre aquele emaranhado de ramos e folhas, na esperança de vê-lo. Mas nada, nem sombra.
Sem esquilo, o desalento fez-me decidir a não ficar ali especado a olhar para um esquilo que não via; depois, pensei «se continuar o meu passeio haverei de observar outros noutras árvores»; de facto as árvores eram todas grandes o suficiente para albergar muitos esquilos iguais àquele que eu tanto desejara continuar a ver... Na verdade Münster estava ornamentada de coisas que continuar a vê-las não cansava - as árvores, as aves, os esquilos, as cores das ruas...

  Apresento-vos agora, Marckus Woestmann, o estudante de Filosofia de cabelo ruivo vermelho.
 Eu tocara à campainha do edifício residência de estudantes Universitários dos mais variados países; procurava portugueses. E enquanto esperava que me viessem abrir a porta esta abriu-se e Marckus apareceu. Reconheci de imediato nos traços da sua fisionomia o nobre carácter, a simpatia. Falávamos um com o outro pela primeira vez, mas o modo como falávamos traduzia uma amizade de anos. Alguém que nos visse pensaria: dois velhos amigos. Disse-lhe ser português e filho da mãe Literatura. A esta confissão mostrou-se muito surpreso; perguntou «Mas porque gostas de Literatura?» para melhor lhe responder reformulei a pergunta «O que há de interessante na Literatura digna do nosso tempo?» A resposta exigia que lhe lesse todos os livros que havia lido, ou que discorresse acerca do bem dessas variadas emoções que só a leitura me proporcionara.
 - A Literatura - disse-lhe - é rir, é chorar, é olhar as árvores, é descobrir, é...  - Inteligente como só os raros, influiu que ia dizer… é espírito.
 Perguntou-me se eu não queria dar um passeio com ele; aceitei. Fomos pelos caminhos castanhos que circundavam o lago. De vez em quando éramos ultrapassados por quem na altura concedia ao corpo o supremo bem que advém de correr.
- Correr é nobre, não achas? - perguntei.
- Sim, denota manifestamente uma preocupação com o corpo e com a mente. (...)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

a alteração de humor em consequência de uma rajada de vento

A palavra vento traz-me à memória a ultima noite de Verão do ano de 1998. Fazia uma passeata perto da Bahnhof de Münster, quando, surgindo do nada, vi um indivíduo muito mal trajado vir ao meu encontro. Nessa altura eu já havia perdido os complexos de falar com os vagabundos e as prostitutas; aos primeiros, caso me pedissem algo, oferecia-lhes um pão embrulhado em  palavras fraternas, às últimas falava-lhes sem vergonha alguma de ser visto na sua companhia; era ele um sem-abrigo que outrora viajara por toda a Europa. O que ele me pedira eu não tinha, mas o que eu pensava que não tinha para ele, tinha-o de facto, tempo, afecto até. Ouvia-o e falava-lhe, quando, bem perto, passou, por nós, um homem muito bem vestido - era um Sr. de negócios com a sua malinha na mão. Aproveitando a proximidade, ele pediu-lhe uma esmola, mas em em má hora o fez - O Sr. executivo nem sequer se dignou olhá-lo; foi horrível!
Apercebi-me depois, com o decorrer da conversa, o vagabundo ser pessoa sensível e inteligente; lembro-me vestiamos Tshirts de manga curta quando súbito soprou uma rajada de vento frio que me gelou os braços -  senti pela expressão do vagabundo uma alteração de humor no seu estado de espírito - ficou mais apreensivo! e apercebendo-se ele que eu notara tal, explicou-se:
Há anos atrás  - contou-me - num dia de Outubro, diante das águas calmas do lago senti uma rajada de vento destas levar-me a alma!...
ah pensei, «a rajada de vento frio anunciou-lhe o término definitivo do Verão.»
  (...)Senti fome e voltei a casa, entrei pelas traseiras. Na cave da casa de Frau Baak havia por cima das prateleiras de muitos armários, víveres, frascos de compotas, latas de conserva, muitas das quais com mais de 20 anos, cujos prazos de validade haviam há muito expirado. Sim, já me haviam dito que Frau Baak, a septuagenária, enchera a cave de víveres com medo da fome, mas ouvir tal não me causara grande impressão; foi preciso ver, tocar naqueles frascos frios cobertos de pó...

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

aos meus leitores da Califórnia a New Jersey sem esquecer nenhum

… no sonho de haver entre vós alguns mui ilustres seguidores de tudo o que já escrevi e possa vir a escrever escrevo-vos e escrever-vos-ei de novo. Que melhor sonho poderia acalentar? haver no mundo quem me preze pelas palavras? Sabei, se assim fordes, de meu verbo seguidores, um pouco também do meu ser sereis! Quantas vezes eu em idade jovem ao descobrir um autor que de sua obra gostasse me propus procurá-la a fim da lê-la completa?… foi assim com Dostoievsky com Nietzsche com Cervantes com Proust com Henry Ibsen …
    Soube hoje. Tenho leitores na Califórnia e muitos outros espalhados pelo globo,  - vieram dar-me essa noticia -  um dia sem que tu peças  serás traduzido - a arte das tuas palavras haverá de chegar a quem a aprecie - e melhor que isso, quiçá um dia algumas das tuas construções frásicas transponham a gravidade terrestre e façam luz a um novo homem, envolto pela escuridão do espaço interplanetário!
Já me alegraria ter a prova que as minhas palavras voam de avião… julgo isso possível!, imprimam na Califórnia em New Jersey em São Paulo e venham com elas para Lisboa caros estrangeiros caros conterrâneos.
Inevitável; escrevi estrangeiros e logo a lembrança viajou para "O Estrangeiro" de Albert Camus… Que lição ele nos dá logo no inicio do livro! Permita-me que possa partilhá-la convosco leitor, leitora, são só umas frases, poucas:
 “Hoje, a mãe morreu. (…) Pedi dois dias de folga ao meu patrão e, com uma razão destas, ele não mos podia recusar. Mas não estava com um ar lá muito satisfeito. Cheguei mesmo a dizer-lhe: «A culpa não é minha.»

Interessante! ocorreu-me agora ao pensamento por associação ao livro o Estrangeiro - esta memória - pelo passeio subia uma rua sempre a descer para quem comigo se cruzava, e súbito, uma montra cheia de livros -  e lembrei-me do demónio que segredou ao ouvido de Nietzsche para entrar!… então de tão cativado ser por livros transpus a porta ... lá dentro, em frente das estantes cheias de livros e livros, alguns de autores desconhecidos li na lombada O Estrangeiro e um outro O Assim Falou Zaratustra… capas grossas!... e imaginem a preços módicos… comprei-os, claro! Quando, já em casa os colocava ao lado dos meus outros, questionei-me  «Ficais agora comigo por quantos anos?, depois que morrer onde ireis parar? Irão os meus filhos vender a minha biblioteca, o meu maior património, ao desbarato?,e pior que isso, deitá-los ao lixo… oh deusa Minerva não permitíeis tal afronta!...

… ainda sobre livros, conversava com uma jovem, e sem assunto sobre do que falar, questionei-a se gostava de ler livros, ao que ela me respondeu, “ para você ser inteligente não precisa ter muitos livros!”… eu fiquei apreensivo – até que lhe respondi «para tê-los sim, não preciso ser inteligente, mas para lê-los preciso, preciso de sê-lo!
... Hoje, a minha colega Paula falava à Élia – ontem nem movias os olhos, vinhas cá com uma moca, que droga de comprimido tomaste?!!! Mas hoje estás melhor, vê-se!!
 Disse-lhes eu (para a Élia):
- Precisas de sair da tua esfera de pensamentos, precisas de conviver, de te distrair
- O que mais me distrai é o trabalho!
– Élia, uma vez, um médico prescreveu-me ir ao cinema!, e realmente o cinema fazia-me bem, aliás ainda faz!, sabes Élia a arte tem um efeito muito benéfico, terapêutico mesmo!, preenche-nos no vazio!
- mas eu não sou como tu, não gosto dessas poesias que tu lês - (nessa altura, eu não parava de recitar o verso “A minha cabeça estremece com o todo o esquecimento, procuro dizer como tudo é outra coisa!...”
– mas ó Élia, a arte não é só a poesia. A arte é a musica a dança o teatro a pintura o cinema. Diz-me já pensaste, porque é que os ricos se fizeram sempre rodear pela Arte? Queres saber? porque senti-la lhes fazia bem!... É do que precisas, e agora ainda mais, por que confessas estar desiludida com a vida! sabes, nunca como hoje a Arte esteve tão ao alcance do cidadão comum. Ainda ontem revi os soberbos filmes de Claude Berri: Jean de Florette e Manon des Sources… Falar-te deles Élia, revelá-los, revelar-tos, é dar-te um prémio, aceita-o!...

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Nietzsche e o amor!

"As paixões se tornam más e pérfidas quando são consideradas com maldade e perfídia. Foi assim que o cristianismo chegou a fazer de sublimes forças capazes de idealidade, de Eros e de Afrodite, génios infernais e espíritos enganadores, criando na consciência dos crentes, a cada excitação sexual, remorsos – que a alguns levaram até a loucura. Não é espantoso transformar sensações necessárias e normais em fonte de miséria interior; e assim, voluntariamente, tornar a miséria interior necessária e normal em todos os homens? Além disso, essa miséria permanece secreta, mas ela não tem senão raízes mais profundas: pois, nem todos têm, como Shakespeare em seus sonetos, a coragem de confessar a tristeza provocada pelo cristianismo nesse domínio.
(...)Tem-se o direito de chamar inimigo a Eros? As sensações sexuais, da mesma forma que as sensações de piedade e de adoração, têm de particular que o homem, ao experimentá-las, faz o bem a outro por seu prazer — não se encontra muitas vezes na natureza disposições tão benfazejas! E é justamente uma delas que é caluniada e que é corrompida pela má consciência! — Mas essa demonização de Eros acabou por ter um desfecho de comédia: o “diabo” Eros se tornou aos poucos mais interessante para os homens do que os anjos e os santos, graças aos boatos e as disposições misteriosas da Igreja em todas as questões eróticas: é graças a ela que as histórias de amor se tornaram o único interesse verdadeiramente comum a todos os meios — com um exagero que pareceria incompreensível à antiguidade — e que um dia não deixará de provocar a hilaridade. (Já provoca!) Todo o nosso pensamento, do mais elevado ao mais baixo, estão marcados e mais que marcados pela importância excessiva que se confere aos comportamentos relacionado com o amor, apresentado sempre como acontecimento principal. Talvez por causa desse juízo a posteridade haverá de encontrar em toda a herança da civilização cristã alguma coisa de mesquinho e de maníaco. “
Nietzsche, in Obras Completas de Nietzsche –
Texto revisto por Alexnietzsche, no intuito de melhorar um bocadinho o português das traduções, sem desvirtuar o original.