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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Tennesse Williams - Desire

"- PAPÁ POLLITT: Comprámos esse relógio no Verão em que fomos à Europa, eu e a tua mãe naquele maldito circuito turístico. Foram os piores dias da minha vida, digo-te, filho, aqueles estrangeiros depenaram-nos à grande nos seus hotéis de luxo. E a tua mãe comprou mais coisas do que se podiam enfiar em dois vagões bagageiros, es­tou a falar a sério. Andámos num corropio de um lado para o outro, e onde quer que parássemos era só comprar, comprar, comprar. Metade da tralha que comprou ainda está armazenada na cave, ficou debaixo de água na Primavera passada! (Ri-se.) A Europa não é mais do que um enorme leilão, é isso que é, com todos aqueles lugares antiquados. É um grande armazém de saldos ao desbarato, raios partam, e a tua mãe perdeu a cabeça, era impossível pará-la, nem com os arreios de uma mula! Comprou, comprou, comprou! ... A sorte dela é que eu sou um homem rico, é a sorte dela, e metade dessa tralha está a apodrecer de humidade na cave. Que sorte ser um homem rico, é mesmo uma sorte, sim senhor, sou um homem rico, Brick, sou um homem muitís­simo rico. (Os seus olhos iluminam-se por um momento.)
Sabes quanto dinheiro tenho? Adivinha, Brick! Adivinha quanto tenho! (Brick sorri com um ar vago por cima da bebida.) Perto de dez milhões em dinheiro vivo e em acções, fora, atenção, os cento e tre­ze hectares da terra mais fértil deste lado do vale do Nilo! (…)Mas um homem não consegue comprar a vida com dinheiro, não con­segue comprar uma nova vida quando a sua está no fim. Essa é da­quelas coisas que não se compra por tuta e meia na Europa nem nas lojas americanas nem em loja nenhuma do mundo. Não se pode comprar uma nova vida, não se pode comprar uma nova vida quando a nossa acabou ... É um pensamento que nos põe sóbrios, muito sóbrios, andou às voltas na minha cabeça, continuamente - até hoje ... Estou mais sábio e mais triste, Brick, com esta experiência por que acabei de passar. Só há mais uma coisa de que me lembro da Europa.
BRICK - O quê, Papá?
PAPÁ POLLITT - Dos montes em redor de Barcelona, em Espanha, e das crianças que corriam nuas por aqueles montes nus, crianças nuas a pedir esmola como cães esfomeados, uivando e ganindo. E de como os padres nas ruas de Barcelona são gordos, tantos e tão gordos e tão simpáticos, ah! ah! ... Sabes que eu podia alimentar toda aquela re­gião? Tenho dinheiro que chegue para alimentar aquela maldita re­gião, mas o animal humano é uma besta egoísta e calculo que o di­nheiro que dei àquelas crianças aos uivos nos montes em redor de Barcelona fosse apenas o equivalente ao necessário para forrar uma das cadeiras deste quarto, para pagar um novo forro para esta cadeira.
Diabos, atirei-lhes dinheiro como quem atira milho às galinhas, atirei-lhes dinheiro só para me ver livre delas o tempo suficiente para poder entrar de novo no carro ... e ir embora ...
E depois, em Marrocos, aqueles árabes, bem, a prostituição começa aos quatro ou cinco anos, não estou a exagerar. Olha, lembro-me de um dia em Marraquexe, aquela velha cidade árabe muralhada. Sentei-me nas ruí­nas de uma parede para fumar um charuto, estava imenso calor e uma mu­lher árabe pôs-se na estrada a olhar para mim até eu me sentir incomoda­do, estava ali em pé, imóvel, no meio daquela estrada poeirenta e escaldante, a olhar para mim até eu me sentir incomodado. Mas ouve is­to. Ela tinha uma criança ao colo, uma menina nua ao colo, que ainda mal sabia andar e passado um bocado põe a criança no chão, sussurra-lhe al­guma coisa e empurra-a. Esta criança caminhou na minha direcção, mal sabia andar, veio ter comigo e ...
Meu Deus, lembrar-me disto até me põe doente! Levantou as mãos e tentou desabotoar-me as calças!
Aquela criança não devia ter ainda cinco anos! Acreditas ou pensas que estou a inventar isto? Regressei ao hotel e disse à Mamã, faz as malas! Vamos embora deste país ...
BRICK - Papá, hoje está falador.
PAPÁ POLLITT (ignorando o comentário) - Sim, senhor, é assim que as coisas são, o animal humano é mortal, mas o facto de morrer não faz com que tenha piedade dos outros, não senhor, (...)
BRICK - Sente-se melhor, Papá?
PAPÁ POLLITT - Melhor? Caramba! Posso respirar! ... Passei a vida to­da de punhos cerrados ... (Serve-se de uma bebida.) A bater, a esma­gar, a mandar! Agora vou abrir estas mãos e tocar nas coisas com cal­ma ... (Estende as mãos como se afagasse o ar.) Sabes em que estou a pensar?
BRICK - Não. Em que está a pensar?
PAPÁ POLLITT - Ah! Ah!. .. No prazer! No prazer com mulheres! Sim, rapaz. Vou dizer-te uma coisa que talvez não saibas. Ainda sinto desejo pelas mu­lheres e faço hoje sessenta e cinco anos.
BRICK - Isso é notável, Papá.
PAPÁ POLLITT - Notável?
BRICK - Admirável, Papá.
PAPÁ POLLITT - Podes crer que é notável e admirável. Percebo agora que nunca tive que chegasse. Deixei passar muitas oportunidades por causa dos escrúpulos. Escrúpulos, convenções - porra ... é tudo tre­ta, treta, treta! ... Foi preciso sentir a sombra da morte para ver isso. Agora que essa sombra desapareceu, vou libertar-me e, como se diz?, divertir-me à brava!
BRICK - À brava, hum?
PAPÁ POLLITT - É verdade, à brava, à brava! Raios partam! Dormi com a tua mãe até, deixa cá ver, há cinco anos atrás, até eu ter sessenta e ela cinquenta e oito, e nem sequer gostava dela, nunca gostei! (...)
Quando a tua mãe sai da minha frente, não me consigo lembrar da cara dela, mas quando ela regressa, rapaz, então vejo como é a sua cara, e digo-te preferia não ver! (...) Tudo o que peço a esta mulher é que me deixe em paz.
Mas ela não consegue aceitar que me provoca náuseas. Foi de ter tido que dormir com ela demasiados anos. Devia ter parado mais cedo, mas o raio da velha nunca se fartava ... E eu era bom na cama ... Nun­ca devia ter desperdiçado tanto com ela ... Dizem que temos apenas uma quantidade limitada e que cada uma está numerada. Bem, ainda me sobram umas quantas, umas quantas, e vou escolher uma jeitosa para as gastar com ela! Vou escolher uma de primeira qualidade, não me interessa quanto me vai custar, vou abafá-la em casacos de pele de ... marta! Ah! Ah! Vou despi-la toda e abafá-la em casacos de mar­ta e sufocá-la com diamantes! Ah! Ah! Vou despi-la toda, sufocá-la com ouro e diamantes e abafá-la em casacos de peles e pôr-me nela todo o dia e noite!! AH! AH! AH! AH! (...)"

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

... Nexus Plexus e Sexus uma trilogia à portuguesa...

… nenhum homem passava despercebido às cabeleireiras do salão de beleza.
- Não usa aliança mas é casado, não é?
- Casou há 7 anos. Tem dois filhos, um com 8 anos e o outro com 5.
- A noiva já ia de 4 meses…
- Deve ser fresco deve…
- Porque dizes isso? Olha que já é nosso vizinho há mais de 10 anos e nunca vi nada…
- Pois, pois…
- Fala, o que é que sabes?…
- Ontem voltei ao salão, esqueci-me do computador… já passava das 11 da noite… e vi-o sair com uma loira…
- E não seria a mulher? Ela pintou o cabelo…
- Não conheço a mulher, mas pareciam-me muito divertidos para um casal com 8 anos de vida em comum… e iam até de mão dada…

comentavam as duas cabeleireiras sobre o homem, o dono da loja de comércio de peças para automovel, situada do outro lado da rua. Soubessem elas tanto como o autor desta história e não teriam assunto para conversar, pelo menos acerca da suposta vida dupla da personagem principal… A loira que levantara suspeitas era na verdade a sua esposa!...
- Há casais e casais. Nem todos se dão mal!
- Mas que fazia ali àquela hora?
- deve ter-se esquecido e ligar o alarme…
- Pode ser que me engane, mas santo é que ele não é!
- Se fosse estava no altar!
- Ele é um devasso!, Já o apanhei a olhar para nós com aquele olhar porco…
- Com olhos de quem nos quer comer…
- Um homem casado!!! Tenho-o debaixo de olho…
… elas continuavam a comentar sobre a vida do homem, e continuariam não fosse o autor achar por bem cortar-lhes a palavra. Se o não fizesse a conversa poderia descer ainda mais de nível!
falavam agora sobre um homem que havia sido pai pela terceira vez... ainda não eram 15 horas quando recebeu a noticia... uma hora depois entrava no Hospital para visitar a esposa... enquanto ensinava o guarda a escrever o seu nome na lista das visitas... estranhou ver na mesma o nome de alguém que lhe era familiar... o do padre da paróquia... soube primeiro que eu??, estranho muito estranho!!!! a suspeita não era infundada. Três relatórios de exame de DNA depois soube o pobre do homem que pai só havia sido uma; os últimos dois filhos que tinha como seus, o DNA garantia a 99,9999% eram do padre. Isto há coisas! Depois daqueles relatórios de exame o homem empalidecera, e via-se pelo seu semblante que ali morava a tristeza. Dizia-lhe o amigo
- Felisberto, a alegria é coisa mais séria da vida! O teu é o primogénito! Se não aguentas a desonra, arranja outra mulher, homem… Olha agarra em algum dinheiro, e faz uma viagem! Vai ao Brasil,e vens de lá curado! Sabes como te livras desse grande problema?? Arranjando outros!
- Odeio padres! Puta que os pariu!...
… interrompe aqui e agora o autor porque não é sobre padres esta história, mas sim sobre um vendedor de peças de automóvel, que não atendia senhoras mas sim mecânicos.
- Queria uma embraiagem para o GOLF 4, um filtro de oleo e outro de gasoleo,e uma correia… é para o meu carro, não queiras saber Manel, ia a caminho de Évora para me encontrar com a outra e o carro despistou-se na estrada, tive que ligar para a minha mulher, que tem carta, a outra não tem!, e ela veio logo muito preocupada comigo … já não fui capaz de lhe pedir que me levasse a Évora… e ela queria-me levar, mas não fui capaz…
- Deixa lá, da próxima vez não te despistas! É isto não é? Tudo somado e já com o desconto são 169 euros…
- e tu, da tua vida? Nunca tens nada para contar?
- Só me aparecem mecânicos, e eu também nunca saio daqui. Devia vender era roupa para senhora…
…quer crer o autor desta história que alguma entidade mágica, um mago, um encantador ou um bruxo deva ter escutado o desabafo do vendedor, pois ainda não eram dois minutos passados que o mecânico saíra quando entrou pela mesma porta uma mulher deveras atraente…
- Diga, o que deseja.
-Boa tarde, era um filtro de ar para um BMW 320D…
- É um bom carro, não é.
- Não me diz nada. É do meu marido. Eu tenho um Smart.
- Esse é pequenino.
- Sim, e mais económico!
- Mas desculpe a pergunta, o seu marido manda-a a si… geralmente mandam os mecânicos!
- Ele em mim não manda. Pediu-me que lhe comprasse somente…
- Ah percebe de carros…
- Sei um pouco de tudo, sou professora…
- Professora de?
- Filosofia!
- Olhe e dá explicações?
- Dou
- É que tenho um primo que ainda tem a disciplina de filosofia para fazer…
- Aqui tem, dê-lhe o meu cartão…
- Obrigado.
(continua)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

silêncio total - o forcado fala (1ª Parte)

… um dos objectivos estava alcançado, há mais de um mês que confessara a um dos amantes a existência do outro. Faltava agora informar o “desconfiado”, e contar ao agora soubera que ainda não dissera a verdade ao outro; não seria fácil mas ainda considerava útil contar-lhe …
- sabes tenho uma coisa para te falar… sobre a minha relação…
- Qual?... Tu tens duas…
- A relação com ele. Sabes, é uma relação aberta de uma omissão, ainda não lhe disse que andamos…
- ???? ah não?!, e quando é que lhe vais dizer…?
- ???
- Sim, quando?
- porque és assim mau? Porque me pressionas? Careço de meios materiais… Se soubesses o quanto sofro… pensas que é fácil, pensas?…

… faltava pois, para se sentir mais segura, e não perder os mimos dos amantes por um mal entendido, dizer ao João - em abono da verdade o João chegara primeiro à sua vida e tinha por isso ganho o estatuto do primeiríssimo!
… enquanto assim pensava tocou no telemóvel polifónico a fuga de Bach…
- Não atendes a chamada?
- É ele, o João! Por favor, cala-te agora ! Vou atender…
- Esta? Está? sim sou eu, quem querias que fosse?
- Não te estava a ouvir…
- Nem eu. É da ligação, está péssima… Porque ligaste?
- Para saber se estás bem?
- Estou bem, estou muito bem. (rindo-se para o outro)
- Pois ainda bem!,
- Olha podes ligar mais tarde, estou-te a ouvir mal…
- Está bem! Vem cedo para casa, olha que hoje é o dia da Tourada no Campo Pequeno!
Já adquiri os bilhetes…

O João fora-lhe apresentado dois anos atrás por uma das suas melhores amigas. depois da conhecer não parara mais de lhe enviar smss, tentara até por mais que uma vez roubar-lhe um beijo!, dizia dele - é persistente! o maior chato que conheci! e ainda por cima é forcado!...
- e que mal tem em ser forcado? Ora, se ele gosta de ti…
- Não. Ele diz que gosta mas o que ele quer é ter um caso…
-e tu não queres?
- Eu a ter um caso prefiro uma casa.
- pois filha homens a viver sozinhos com casa desocupadas são muito raros… Ainda vive com os pais?
- Já não vive. Ele tem casa. Mas só a tem para ter casos… canso-me de lhe dizer que me esqueça!,… mas ele insiste!
- como é que ele arranjou o teu número?
- Fui eu que lho dei, maldita a hora…

(...) / ( em elaboração - nota do autor)
Nesse dia em vez de se ligarem por telemovel combinaram encontrar-se, e quando o forcado lhes apareceu à frente, a que o conhecia apresentou-o à amiga!
- É ele? É o João?
- É!

Sentados à mesa, o forcado, a heroína desta história e a amiga, conversavam sobre não sei o quê… onde estavam, do outro lado da esplanada tendo como fundo o palácio Galveias e alguns pavões, não dava para os escutar, mas li-lhes os pensamentos:
Os da heroína: ele não tira é os olhos de cima de mim!
Os do forcado: vai me calhar em sorte!, (ria-se).
Os da amiga: Os homens são todos iguais! Não pára de olhar para ela…
… 4 meses depois… aconteceu! Aqueles que haviam sido apresentados, apareceram-lhe à frente de mão dada.
- Foste tu que nos apresentaste… Lembras-te?
- Lembro-me…
- Estamos muito felizes! (fim da 1ª Parte)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

carta a todos os leitores de Henrik Ibsen

Como acontecia nesse tempo, quando um livro dum Autor me inspirava a lê-lo - logo da obra, e acerca da, procurava ler absolutamente tudo. Aconteceu com Cervantes, Shakespeare, Dostoievski, Becket, Kafka, Homero, Proust, Ibsen, Nietzsche, Shopenhaeur, George Orwel, Nicolau Gogol, entre outros... Os esforços para encontrar as obras completas soçobravam diante da realidade editorial.. De Ibsen descobria apenas publicado em português a peça O PATO SELVAGEM e A CASA DE BONECAS. Procurava por tudo o quanto era livraria biblioteca alfarrabista e nada! Lembro-me bem. Fiquei tão triste e angustiado de não poder ter como ler mais Ibsen (quando tanto o desejava) que era como ver a mais linda das virgens nua e nada! não era pior, porque ver já é verdadeiramente alguma coisa... Entendem?... Era mais que carnal! Desejava aqueles livros - trocava-os por um orgasmo com a Ava Gardner! Estava agarrado a eles pela vontade, pelo ideal! Queria aprender a escrever melhor e doia-me imenso não ler o verdadeiramente bem escrito; tornara-me exigente. Depois de Cervantes e de muitos outros clássicos, já quase não arranjava mais para ler por achar quase tudo mal escrito! - sem estilo.
... a boa notícia veio no Século XXI, a fome de 20 anos deu em fartura; finalmente uma editora de Portugal fez obra! traduziu e publicou quase toda a dramaturgia de Ibsen. Assim que desse feito fui notificado: pensei comprar e ler todos os livros, porém por saber que eles estavam acessíveis (assegurados) fui adiando a compra. As peças estão ai! e são sublimes!, não vos conselho nenhuma peça, aconselho todas!
Ibsen chegou a ser o escritor mais conhecido da Europa a seguir a Leon Tolstoi! o autor do clássico Guerra e Paz e do injustamente menos conhecido "A Morte de Ivan Ilicht".

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

a surpresa o drama a tragedia o horror

… ao oitavo ano da presente década havia um homem que só tinha uma hora para almoçar. Ao meio dia desceria as escadas sem pressa e chegado à rua pensaria a qual restaurante ir, se não se houvesse dado em sua vida uma alteração comportamental: Em vez de almoçar corria para a estação de Metro mais próxima, para sair na seguinte. Atravessava depois a rua e estacava perto da porta principal do edifício do Banco, de onde àquela hora haveria de ver dezenas de pessoas sair. De todas, uma havia que o fazia estar ali… A ideia era falar-lhe, porém mal a viu sentiu-se incapaz da interpelar.
Quando o vi ali parado olhando as pessoas a sair do edifício, pensei que esperasse alguém; pareceu-me um tanto magro e era visível a mesma agitação interior dos tempos da escola...
-Que fazes por aqui amigo?
- Eu? (Surpreso...)
-Sim tu!, Que fazes por aqui?
-Aproveito a minha hora de almoço para ver quem gosto…
-E sobra-te tempo para almoçar?
-10 minutos.
-Isso é amor? Ou Loucura?
-Antes fosse loucura!
-Quem é ela?
- Se eu soubesse…
- Um dia declaras-te.
- Como amigo? Como?
- Subtilmente!
- Eu queria ser o mais explicito possível…
- Não! Fá-lo subtilmente! Sem tu próprio dares por isso…
(...)
...Ora as probabilidades de se declarar sem que ele próprio se apercebesse eram escassas! mas não impossíveis. Sabia que teria apenas de aparecer no Banco e consultar o saldo da sua conta bancária, e quiçá o futuro não lhe reservasse dizer subtilmente o que não sabia como...
E do mesmo modo que as pessoas sonham a dormir com as pessoas que há muito desejam acordados, involuntariamente, inspirado pelo contacto de vê-la e de ouvi-la, lhe saiu súbito quer das mãos quer dos lábios os actos e as palavras a declaração sublimar - subentendida - que estava a bem dizer em nota de rodapé em letrinha minúscula, mas ainda assim legível.
Uma dessas vezes, sentado, diante dela, em consequência do como a via manusear o mouse, agarrou-lho, virou-o de modo a abri-lo e limpou-o da sujidade acumulada nas rodas com esmerado cuidado. Lembrou-me o relojoeiro da vila onde cresci, que aproveitava a profissão para tocar no pulso das senhoras. Ao vê-lo limpar o mouse, ela ficou perplexa. Era a primeira vez que alguém tivera esse cuidado. Sem saber o que dizer, levantou-se da cadeira e desapareceu dali. Veio 2 minutos depois com duas folhas de papel de limpeza. Estendeu-las depois, agradecendo-lhe!
Uma outra vez, aconteceu no mesmo lugar e na mesma cadeira, de há um ano atrás, quando, lhe falou por acaso de um casaco que ela por há muito não vestir já quase esquecera…

Ele: - Lembro-me que a via muitas vezes com um casaco cinzento claroo…
- (pausa) quando ela do casaco se lembrou. Ela: – ah sim tenho sim, já está guardado a algum tempo no armário. Sim dessa cor.
Ele: - pois eu não invento!

Uma outra vez, ao passar em frente do seu Guiché para se sentar no sofá da sala de espera olhou para o local onde habitualmente ela trabalhava mas não a vira lá. Pensou "Será que hoje não veio? Não, ausentou-se por momentos..." então enquanto lia um artigo de uma revista que por ali estava, ouviu sobre os diversos sons que provinham de todo o lado uma voz que lhe soou familiar. Era a voz dela, imaterial. Ao reconhecer-lhe a voz logo soube em si a qualidade da reconhecer.

Nesse tempo ele amava-a pelo pouco que via e reconhecia nela. Das suas mãos e dedos que não tinham nem anéis nem aliança, a independência! Do modo atencioso como o tratava como cliente, a simpatia! Do seu modo de andar, a graça a feminilidade.
Mas nem sempre vê-la lhe trouxe a felicidade sonhada! Aconteceu uma vez num desses períodos de almoço adiados, a visão de algo que se pudesse teria evitado testemunhar!, à hora do almoço passou pelo Campo Pequeno e viu-a acompanhada por um homem de fato. Seria um amigo? seria se não fosse ter testemunhado enquanto subiam na passadeira rolante de acesso à entrada do Centro Comercial um beijo demorado!... o que profundamente, a pontos de se dar na sua vida uma nova alteração comportamental. Durante o tempo que se saberá agora, que foi de meio ano, não procurou voltar a vê-la.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Walt Whitman - 32

32
“Julgo que poderia mudar e viver com os animais, são tão plácidos e tão independentes,
Fico a olhar para eles um tempo infinito.
Não se cansam nem se lastimam com a sua situação
Não ficam acordados na escuridão, nem choram os seus pecados,
Não me enfadam com as suas discussões sobre os deveres para com Deus,
Nenhum se sente insatisfeito ou enlouquece com a obsessão de tudo possuir,
Nenhum se ajoelha perante outro, nem perante a sua espécie que viveu há milhares de anos,
Nenhum é respeitável ou infeliz à face da terra.
Assim mostram a relação comigo e eu aceito-os
Trazem-me testemunhos de mim mesmo, mostram claramente que deles são os possuidores.
Pergunto a mim próprio onde obtêm esses testemunhos,
Terei passado por ali em tempos remotos e tê-los-ei perdido por negligência?(…)”

domingo, 26 de setembro de 2010

Walt Whitman - Louisiana

“Vi em Louisiana um carvalho a crescer
Estava isolado e o musgo pendia dos seus ramos,
Sem um companheiro, ali crescia soltando folhas jubilosas verdes escuras…
E o seu aspecto rude, firme e vigoroso fez-me pensar em mim.
E interroguei-me como ele conseguia soltar folhas jubilosas estando ali só, sem o seu amigo, pois eu sabia que não o conseguiria.
(…) e embora o carvalho cintile lá em Louisiana solitário numa vasta planície,
Soltando jubilosas folhas toda a sua vida, sem um amigo, um amante próximo,
Sei muito bem que eu não o conseguiria.”

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

nao consigo conceber...

...um ser angelical ter que morrer!!!
...é o derradeiro objectivo válido do homem: a imortalidade da beleza, a da vida!... não vejo outro mais árduo e difícil!... julgo que a humanidade porá toda a ciência ao serviço desse objectivo! porque não há coisa que mais enoja que a condição humana, o envelhecimento do corpo, a sua decrepitude - a carne podre!... enoja principalmente a nós os que lambemos com o pensamento a sensualidade do belo...
Nós os que nascemos condenados à morte! criámos o direito ... leis para abulir a pena de morte até para com os assassinos... e então os inocentes? porque terão que morrer...? que vergonha...
...pobres mortais que aceitais a morte (para sofrerdes menos) que até chegasteis ao cumulo de dizer bem dela! decerto porque nao amais o suficiente a vida, porque não a amais ao ponto de a desejares para sempre!... A imortalidade nao assusta os Deuses, A eternidade é o seu Paraíso!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

confissoes de uma aficionada da tauromaquia...

… Qual a combinação de factores na vida de uma mulher até à prostituição?
...os factores que levaram a V. a prostituir-se foram: primeiro: a relação afectiva com um homem violento! Ainda não tinham celebrado o primeiro mês de namoro e já ela o ouvia ameaça-la de morte, - a amiga cabeleireira sua confidente escutava-a - com ódio nos olhos diz que me mata caso eu termine a relação! – ontem puxou o cortinado da janela e enrolou-mo no pescoço com violência! - chorei a minha desgraça e depois disse-lhe o que ele queria ouvir, prometi-lhe que o não deixaria!...
durante um mês, todos os dias, jurava que nunca o iria deixar! não bastou, a violência continuava... duas a três vezes por semana ele possuía-a e cinco e seis vezes por mês ele ameaçava-a…
Até quando?
… até que ele veio para Portugal trabalhar, deixando-a no Brasil grávida. Uma jovem mulher que conheceu um único amante não se liberta facilmente da carne… e grávida ainda menos, porque agora ele é será sempre o pai. A violência e o medo eram mais que razões para não ir atrás dele... Mas foi! e porquê? Porque a mãe disse-lhe que o filho tinha mudado! Todavia em Portugal a brasileira teve do brasileiro mais do mesmo! Porrada à quinta-feira quando não era à quarta e ameaças de morte à segunda-feira, quando não era Domingo… A saudade dos entes queridos, uma vida de guerra aprisionada pelo medo e a falta de amigos a quem recorrer minaram-lhe a saúde… foi ao fundo do abismo e para não enlouquecer subiu-lhe o suicídio à cabeça… pensou-o e fê-lo!, com comprimidos! O seu acto não teve uma desfecho trágico por uma unha negra, foi socorrida a tempo…
… dias depois, sem qualquer estratégia - enquanto trabalhava com o marido em cima dum andaime no 7º piso a lavar vitrinas – disse-lhe que o ia deixar. O homem reagiu como sempre reagia, mal – com ódio. Agarrou-a pelas costas e levou-a à força para a beira do andaime. Lá de cima fê-la olhar cá para baixo. Não fosse a pronta reacção de uma terceira pessoa e o seu corpo teria feito no trajecto da queda uma perfeita linha recta. Já tinha escapado da morte 3 vezes! do cortinado enrolado no pescoço, dos comprimidos misturados no estômago e de uma potencial queda do sétimo andar... então, um dia decidiu que estava disposta a tudo, esperou pela oportunidade de estar sozinha e saiu do lar das ameaças sem saber ao certo para onde… bateu em muitas portas blindadas... procurava uma nova casa, um novo trabalho, alguém que a acolhesse... e dias depois, a olhar-se ao espelho, temeu o frio de ser arrastada para baixo do limiar da pobreza... por isso, para manter a dignidade foi trabalhar para um bar de engate!,
… Os bares de engate que eu espreitei há anos atrás, eram escuros, com musica ambiente a meio som e tinham como clientes grupos de homens com as mais variadas profissões, desde mecânicos de automóveis a empresários da construção civil. Assim que eles se sentavam vinham duas ou três meninas perguntar se lhes pagavam algo de beber… elas explicavam-lhes que era a condição para poderem ficar a conversar com eles… se pagassem uma ou duas garrafas de champanhe permaneceriam com eles mais tempo… entre elas havia as que se prostituíam e as novas na profissão que o não faziam ainda…
… a decisão de trabalhar num desses bares de alterne foi um dos factores para a prostituição de facto… desse trabalho de empregada de bar de alterne até ao de se prostituir na rua foi um passo… disseram-lhe que ganhava mais...
... é cómica! quando o amigo lhe pergunta qual a posição que gosta mais, diz que é a sinto, a sinto muito! No quarto da pensão para onde leva os clientes, se lhe pedem para se pôr de quatro para mostrar o rabo, nega-se a fazê-lo – diz que não gosta de se sentir mulher objecto!, se lhe perguntam se engole, diz que sim mas só leite de vaca… não geme porque diz que é ridículo… e não goza porque não sente prazer com homens desconhecidos… se lhe dão palmadas no rabo vira-se para trás e diz ao cliente – pare com isso!
... tem um rosto belo de traços finos mas não deixa que lhe tirem uma foto... receia decerto... o quê não sei... diz como se fosse de admirar, que o pai do seu segundo filho com quem se juntou, era seu cliente!, - fala no filho com ternura - mostra as fotos dele que guarda da carteira às pessoas de quem gosta! revela sentido orgulho em afirmar que a irmã é uma mulher direita e bem casada!
… passado alguns anos neste trabalho que ela alcunha de tourada tem hoje menos pudor em confessar o que faz...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

o escritor tem uma história para vos contar…

não era uma vez um homem feliz, era um farrapo de um ser humano que vasculhava o lixo com profundidade, enfiando os braços e as mãos dentro dos contentores... quando acontecia vê-lo tinha o cuidado de ser discreto para lhe poupar a vergonha que pudesse sentir ao ver-me; notei depois o erro em ter para com ele esse cuidado, porque quando uma vez me viu foi como se eu não estivesse ali… Era imune a essa vergonha… aprendera a não esperar que não houvesse ninguém para o ver… A sua total indiferença remetia-me para a frase os outros sempre serão outros… e o desprezo que lhes dava (a quem o pudesse estar a ver) era bem patente ao continuar a vasculhar o lixo - como se não houvesse viva alma a observá-lo - em busca de algo que pudesse ter algum valor... Ao pensar que por causa da vergonha nos inibimos de agir, perdendo o valor da oportunidade, senti vontade de ter para com o mundo igual indiferença!
...Contou-me um amigo que uma vez não pediu o telefone a uma mulher que havia conhecido, e com quem conversara durante horas, por vergonha de o fazer num velório… Mas onde é que está escrito que não se pode pedir o número de telefone a uma mulher num velório?! foi o que eu lhe disse… agora ele espera o acaso de voltar a ver, apesar de dizer que tem quase a certeza de isso não vir mais a acontecer… perdeu a oportunidade e não terá outra!, é como ir atrás de uma mulher bonita e não entrar no mesmo metro!... é um fenómeno comum entre os homens, aproximarem-se de um desconhecida com ganas de a conhecer para depois recuarem… sem se conseguirem apresentar…
outro dia um politico qualquer apareceu na TV com um corte de cabelo desacertado, e ouvi o comentário do meu amigo sexagenário…
- há cada corte de cabelo, lá para os meus lados - referindo-se aos Punks - vejo cada galo de Barcelos…
Achei-lhe piada porque tenho bem presente a imagem de um galo de Barcelos e a crista enorme… enfim quando menos se espera ouve-se um dizer um comentário com piada…
Quando os oiço tento memorizá-los para depois deixá-los escritos!... é caso para dizer que a Arte é filha da memória…
Jantava outro dia um amigo meu com uma senhora que angaria para ela mesma clientes na rua, confessando-lhe ela que lhe doíam as nádegas porque caíra de bêbada numa discoteca…
- Como é que foi isso possível, não bebes um vinho maduro às refeições porque tem álcool e embebedas-te num sábado à noite…
- Dói-me isto tudo – tocando com a palma da mão nas nádegas – hoje não vou poder trabalhar…
- Ah pois não vais não!
Conta-me que lhe pergunta como é que ela foi parar àquela vida…
- Como é que vieste parar à prostituição? Conta-me!
(…)

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

...de uma garrafa que deu à costa...

...escrevo criando uma atmosfera de afectos... como se houvesse de verdade e fosse real o desejo de tocar e sentir o outro... é esse fenómeno, de querer tocar e de ser tocado pelo outro - que se aproxima da paixão - na verdade raro... o mais das vezes esta ficção nao se projecta na realidade... nao passa da fase de projecto... nao passa da planta, da maquete, do esboço... nao chega a realizar-se como obra... é doloroso sentirmos como são raros os encontros íntimos a dois...
se por vezes penso que os mereceria mais por os procurar desta forma (pela escrita) mais do que a maioria... constato que a realidade é outra... e que também aqui é tudo muito fortuito... produto do acaso...
nao sei se sentes assim leitora...
fico entao à espera de que possas ter para me dizer para continuarmos o livro - a vida - a realização do amanha...
espero que nao interfira com a tua realidade emocional caso tenhas ou nao namorado, se bem que todos os namoros e namorados estejam sujeitos à influência e à atração dos seres...

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Herberto Helder, O estilo

"— Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro... Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo... Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos, do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos? (...)"

in Os Passos em Volta - Estilo, Herberto Helder

segunda-feira, 19 de julho de 2010

continuação do anterior, leiam o outro primeiro

... a escuridão envolvente fazia dele um vulto, protegia-o, mas não lhe facilitava a realização do seu objectivo - que era ver a noiva - não obstante conseguira reconhecê-la... a ideia de atirar pedrinhas surtira efeito… haveria agora de conseguir falar-lhe! e se não o conseguisse a algum fim haveria do levar… o importante era não ser descoberto… e para que o não vissem, preferia os pequenos atalhos a ir pela estrada… e tendo apenas oliveiras que o ouvissem dizia «É o nosso segredo! … ainda não sabe quem lhas atira! nao sabe quem sou! mas deseja saber!
… vou esperar que haja luar para tornar a revelação mais romântica…» … pensasse ou não que pudesse daqueles actos nada retirar, a verdade é que sentia-se melhor e regressava a casa mais animado…
…durante a caminhada que era de 5kms sentiu fome pelo que decidiu fazer uma paragem para se alimentar de pão quente. A porta da padaria estava encostada e vinha de lá de dentro uma luz amarela e um cheiro apetitoso a pão. Empurrou com cuidado a porta como um gato a entrar a medo em casa alheia… e apercebendo-se que não havia ninguém gritou:
- Ó da casa!, posso entrar?
- Entre! Passe o balcão. Estamos aqui…
- Boa noite.
- Boa noite.
- Luís não me arranjas pão quente?
- Está para sair a primeira fornada. É mais 5 minutos… há muito que não te via… Vieste de casa até aqui? para comprar pão?
- Sim! Estava com insónias! Quem é que consegue dormir de barriga vazia?
- Mas não tinhas em casa nada para comer?
- Tinha claro. Mas apeteceu-me pão… Parece que é a primeira vez…
- Não é a primeira vez, mas como há tanto tempo não aparecias…
- Agora vou começar a aparecer… Quero 4. Quanto é?
- Deixa lá… Pagas para a próxima…
- Obrigado.

…em redor da mesa da cozinha da família da noiva o pai olhava para a filha com atenção, como se quisesse ler-lhe o pensamento.
- Pareces mais feliz hoje… é da aproximação da data do casamento?
- Não pai! O casamento ainda vem longe. É só para Janeiro do próximo ano.
- Já me esquecia que para os jovens o tempo passa mais devagar. Ontem à noite não ouviram uns barulhos? Ia jurar… arremessaram alguma pedra contra a frente da nossa casa…
- Eu não ouvi nada. – Disse a noiva!
- E tu Maria?
- Também não ouvi nada.
- Estive mesmo para me levantar…
A noiva engasgou-se a beber a caneca de leite!
O pai olhou-a com incisão, pressentindo haver por ali qualquer coisa…
- Macacos me mordam se aqui não há gato…
Havia. Era o Tareco. Acabara de assomar-se à porta e entrar.
As filhas e a mulher riram-se.
- bichuuuu bichuuuu (era assim que chamavam o Tareco quando lhe queriam dar qualquer coisa de comer) A cauda espetada no ar percorria o curto trajecto da entrada da casa até à mao dos donos...

segunda-feira, 12 de julho de 2010

de um amor e da sua revelação original

...esta é a sua história: vamos vê-la rodeada de terrenos de oliveiras, separados por muros de pedra empilhada até um pouco mais que a altura dum joelho, e de casas dispersas, ligadas por vários afluentes de um caminho maior, poeirento no Verão mas muito escorregadio e lamacento nos dias de Inverno… fazia frio e chovia muito! Os gatos recolhiam-se para dentro das casas, ficavam virados de costas para nós de olhos fechados a olhar o fogo da lareira. À noite adormeciam no calor do borralho, da cinza quente e acontecia, por se aproximarem tanto, queimarem-se. Ao lado deles estava a chamuscada cafeteira de água quente com que a minha avó escaldava a loiça e as penas das galinhas para se arrancarem melhor…
nas outras casas havia outras lareiras e outros gatos, e numa outra casa, além dos gatos, segundo os registos da época, fotos, alguns documentos e outras tantas cartas, vivia a mulher mais bela da aldeia. Dos 16 para o 17 noivara e os respectivos pais, futuros compadres e comadres, tratavam de saber da data. Seria então Janeiro um mês frio muito quente!
– Não vão ter frio!! – dizia a comadre Joaquina da aldeia da Brogueira, que dista da Azinhaga do Ribatejo uns 15 Kms…
Todavia o Verão estival ainda decorria.
Os homens acorriam aos bailes para ver a mulher! e falavam.
- É mais bonita que mulher do tio João!
- Muito mais…
- Pena já estar noiva…
- Está noiva do filho do padeiro que também é padeiro
- Que sortudo! Vai amassá-la!
- É uma boa farinha…
- Dizem que o filho do taberneiro também gosta dela.
- Ah sim!?
- Coitado do homem, quando lhe disseram que ela estava para casar, correu para a adega do pai e nessa mesma noite esvaziou-lhe uma pipa de vinho. 500 litros.
- Pode lá ser…
- Ia morrendo.
- Dizem que anda louco.
- Ah sim!
- Sim!, Em vez de se deitar e dormir, sai de casa de noite. Ninguém sabe para onde vai, regressando sempre tarde!

(…) (continua…)

…Na cozinha da casa do Chefe da estação/apiadeiro dos Riachos, os gatos continuavam a olhar de olhos cerrados para a lareira. A filha, por volta das 9 da noite ia para a cama. Nesse tempo não havia electricidade. À noite havia um candeeiro a petróleo para alumiar o caminho da cozinha até ao quarto e os livros. A noiva sabia ler e lia-os emprestados de um tio revolucionário dono de uma grande biblioteca. Livros “impróprios” que a faziam sonhar para lá das encostas da serra da Aire, com o mar da Nazaré, com pescadores e marinheiros. O pai mandava-a apagar a candeeiro, avisava-a que teria que se levantar cedo no dia seguinte! A noiva assoprava a chama dançante e depois esperava. Assim que sentia os pais a dormir, voltava a acender a mecha do candeeiro, amenizava a luminosidade baixando-a e recolhia à leitura...
ora aconteceu, numa dessas noites de leitura, ouvir um som seguido de um outro som, um bak seguido de um tic. Estranhou o som, mas não fez caso. Pouco depois ouviu de novo mais do mesmo. E ficou de ouvido alerta. De novo. Porém desta vez ouviu que o som vinha da janela. Estava bastante frio no ar do quarto, todavia a curiosidade, o querer saber a razão daquilo moveu-a da cama. Aproximava-se da janela quando ouviu e viu uma coisa bater na vidraça, era uma pequena pedra. Alguém de facto estava a atirar pedras à sua janela. Mas quem seria? Apagou a luz para não ser vista de fora e aproximou-se da vidraça afastando a cortina rendilhada. Distinguiu um vulto dum homem curvado sobre si como se procurasse alguma coisa no chão. Olhou mas não viu nem descortinou quem pudesse ser.
«Está maluco o homem. A estas horas! Quem será?! E não pára!»
De facto o arremesso das pedrinhas durou mais de 10 minutos, tempo este passado pela noiva de pé na vã esperança de saber quem era o endemoninhado. Ajudada pelo frio do quarto conclui depressa que não iria lograr saber por a noite estar muito escura, e voltou à cama. Ainda contou mais 5 minutos de pedrinhas a bater na vidraça… por fim pararam. «Já se foi embora. Anda bem! Se fosse contar ao meu pai, ele matava-o!»
Na manhã seguinte a noiva quando saiu de casa reparou numa coisa que ninguém tinha reparado. Num aglomerado semi-disperso de pequenos seixos que se tinha formado debaixo da janela do seu quarto. Assim que os viu foi buscar a vassoura e varreu-os para longe, não sem esboçar um sorrisozinho…
Na noite seguinte, o ritual da leitura voltou a suceder como sempre sucedia. A futura noiva apagou o candeeiro e voltou pouco depois a acendê-lo. Já ia avançada a noite quando uma pedra se fez ouvir estalar ao embater na vidraça. Assoprou para o candeeiro duas vezes e lesta da cama, sem sequer calçar os chinelos, correu para a janela e olhou para o escuro lá de fora e viu, julgando a estatura do vulto, que só poderia ser o mesmo endemoninhado. Todavia por mais que encostasse os olhos à vidraça não conseguia destrinçar quem era. Não havia luar que a ajudasse, não havia como ver…
Voltou para a cama e quase se ouvia o pensamento dela « Senhor manda-o embora antes que ele acorde o meu pai.» 5 minutos depois Deus fez-lhe a vontade.
Nessa manhã ao ver as pedras, uma aqui outra acolá, em vez de as varrer, juntou-as e encostou-as num cantinho. Ao anoitecer voltou a elas e colocou-as todas num montinho a dois passos da janela. A ideia era que ele não de demorasse a procurá-las, que as visse, as atirasse depressa e se fosse embora. Mas como o destino raramente acontece como a gente o pensa, ele nessa noite não veio… Desta vez, a noiva custou-lhe assoprar a chama que queria acesa…

(continua…)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

uma variação de um variado

estar sozinho
para um artista
é um processo criativo
e se for narcisista
nariz afilado...
um nadinha até altivo
então... dirá:
estar sozinho
para um gato
é uma soneca
para uma menina
é uma boneca.
para um bambino
é fazer disparates...
então...
e se não estiver?
pedir-vos-á silêncio,
à Clau ao João
e ao Inocêncio,
Xiu!
para declamar
à luz de uma vela
um poema lindo
de Fangundes Varela
(1841-1871)

"Pelas rosas, pelos lírios,
Pelas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá!

Pelas azuis borboletas
Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracujá!

(...)
Pelo mar, pelo deserto,
Pelas montanhas, sinhá!
Pelas florestas imensas,
Que falam de Jeová!
Pela lança ensangüentada
Da flor do maracujá!

Por tudo o que o céu revela,
Por tudo o que a terra dá
Eu te juro que minh’alma
De tua alma escrava está!…
Guarda contigo este emblema
Da flor do maracujá!

Não se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em – á -
Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos, ouve!, sinhá!
Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!"

tão lindo o poema!
mas ouviram o final?
ouviram como a lingua
é traicoeira?
um poema tão bonito
ser assim levado
para a brincadeira.
leiam o ultimo verso
façam uma pausa no mar...
silenciem o "a" e acentuem
as ultimas silabas cu... já...

PS peço perdão desde já
à alma de Fagundes Varela
por esta pequena variação...
de um variado...

domingo, 4 de julho de 2010

não há como a palavra para nos provocar o riso

... perto da Alameda, subia o passeio pegado ao bar-discoteca Bora-Bora quando oiço um dos porteiros contar ao outro «Ontem apareceram-me dois homens para entrar, mas a discoteca já estava cheia deles, e para os demover de quererem entrar, disse-lhes
- Desculpem mas só é permitida a entrada a casais!,
E sabes o que um deles me respondeu??
 - Mas nós somos um casal!

sábado, 3 de julho de 2010

poema de autor

perguntas-me tu
quem eu queria ser?
era sair contigo
meu amigo
para poder sim
renascer
de uma figueira ressequida
um figo!

terça-feira, 22 de junho de 2010

dor de corno (é cultural)

Pretenderei falar da infidelidade imatura e ou casual, que normalmente culmina num arrependimento humilhante, e que é potenciadora de dores perturbadoras da vigília e do sono, e da oposta: a racional, não imatura, que jamais causará quer ao “infiel” qualquer sombra de arrependimento. A diferença entre elas é abismal uma vez que enquanto uma nasce da dor que engendra e cria, a outra extingue-se na dor que não causa. Quero dizer: a própria traição imatura ganha corpo através da confissão, (o próprio crê que traiu e acha-se no direito da verbalizar) Com isso, pela palavra, a infidelidade renasce ligada à dor!, já a outra, a racional, guardada pelo silêncio tenderá a extinguir-se, se é que o infiel a concebe como tal!
…estes dois modos de ver a traição divide os homens em duas facções distintas, a que pesa a nova paixão na balança moral e que a valoriza, dando-lhe grande importância, considerando-a por vezes até marginal, e a outra, oposta, que a vê para além de bem e mal, que não a pesa, que não a valoriza, que tão pouco a concebe!

O marido não liberal julga legítimo privar a mulher da liberdade, mas se pudesse, pergunto, renunciaria porventura a provar sigilosamente o sabor da mulher do vizinho... ???
Mas imaginemos duas pessoas que se gostam, casados mas não entre si. Os “prevaricadores” apesar de se aproximarem, de se tocarem, de se tornarem íntimos, podem não estarem em perfeita simbiose, porque se um deles valorizar a traição, quer dizer atribuindo-lhe um significado imoral, tenderá a ver o amor entre eles como marginal. Já o outro, desvalorizando a traição, atribuindo-lhe um significado racional, considerará o novo amor sim, mas uma bênção divina. E como todos os actos racionais que não levam ao arrependimento regra geral se repetem, a pessoa racional, tenderá a requerer a plenitude da intimidade. Porém vai querer consumá-la com a pessoa errada uma vez que a outra, por ainda pesar a traição com um valor imoral, para se desculpar, lhe dirá que foi casual, e para melhor acreditar nessa mentira, vai querer dar um fim à relação, fim este, que é sentido pelo outro como um autêntico acto de crueldade. A mulher que considere a infidelidade como imoral, achará até aceitável dizer ao amante: desculpa mas agora já não fodes mais comigo!
Mas qual deles será verdadeiramente monogâmico ou poligâmico, quando ambos desejam deixar de ser o que têm sido! O poligâmico queria estar apaixonado por um única mulher e não sofrer mais por desejar mulheres que nunca terá, já a monogâmica – cansada – desiludida com a relação - queria estar novamente perdida de amores...

sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago

morreu mais um dos magos das palavras,
nao nascerão mais do seu corpo
morreu e com ele elas
o corpo a forma nao são imortais
tão pouco as obras universais
tudo perecerá um dia...

sábado, 29 de maio de 2010

anacoreta e asceta

…com 16 anos fui apresentado a muitas palavras que me desconheciam por completo – oiçamos uma – “Anacoreta” – imaginem o que uma palavra destas pode dizer a um jovem de 16 anos. A cada um “Anacoreta” falará de uma maneira diferente estou certo. Ao jovem que eu era ela nada disse – o que me intrigou. Senti nessa idade o que ainda sinto quando me deparo com uma palavra que desconheço. Desconforto. Só me passa quando finalmente fico a conhecê-la. Com as palavras é fácil: recorre-se ao dicionário, ao melhor possível e ele no-las apresenta. Com as mulheres já não é assim – cruzam-se connosco quase como pelo mesmo acaso com que nos deparamos com palavras nas páginas dos livros – e à primeira leitura acontece o mesmo: fitamos os olhos nelas, lemos-las dos pés à cabeça, sílaba a sílaba e de imediato a vontade de as conhecermos é já a agonia.
Agonia atroz quanto mais sentimos que assim como para o Xadrez a vida é demasiado curta, também o é tanto para as mulheres quanto para as palavras. Mas, e por sê-lo? Serão as palavras e as mulheres as culpadas? Ele … disse a verdade: A vida é demasiado curta para o Xadrez, mas o Xadrez não é o culpado, é a vida!
… agonia esta que se por uma lado passa com o passar do tempo, o mesmo a trás de volta pela mão de outras novas mulheres desconhecidas….
… mas sejamos estóicos para com o sofrimento futuro e incontornável, não diferirá do de hoje, passageiro – estamos assegurados pela certeza palpável quase visível da transitoriedade.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

o adultério mal tratado

Prefiro mulheres belas às verdades absolutas…
mas que dizer das mulheres que preferem as verdades aos homens…!?
Juraram,  que o amor verdadeiro é o monogâmico e que na poligamia não havia virtude.
Hilariante!...
Exorto-vos irmãos e irmãs: desacreditai dessas velhas verdades desgastadas...
arrastam-se pelo mundo sob o peso da falsa moralidade..
Professais o sofrimento suicida de muitas Bovarys e Annas Kareninas!!!
Para novos amores novas formas de amar!!!
Quem ensina o caminho aos homens é o que vai à frente... Já muitos tombaram por ir à frente do seu tempo... Com o sangue da vida cerceada se tingiu de vermelho o estandarte dos mártires.
A divisa inspirada em Friedrich von Schiller «Povos da terra beijai-vos!!» voltou a ser proclamada, -
A mensagem chega-nos fresca de muitas fontes límpidas...
"Quem pensa o mais profundo, ama o mais vivo." Johann Christian Friedrich lderlin
Os filmes românticos são agora
- We Don´t Live Here Anymore
- The Bad Lieutenant port of call New Orleans
(não subjugado à boa imagem daquele que diz o que não choca)
conjuro-vos irmãos - rogo-vos - não sejais infiéis ao adultério!

domingo, 16 de maio de 2010

o amor puro

o modo como sentimos é individual - ninguém sente o mesmo da mesma maneira - por maiores ecos, ressonâncias e empatias do modo como sentimos - desacredito de quem me diz o que é o amor puro - Dos meus amores, dos que sinto, eu sei - que doem. Dos amores dos outros não penetro...
Acredito que em todo o lado pode surgir o ímpeto do amor - que não tem que ser necessariamente no local de trabalho entre colegas - mas a ser que seja - nem forçosamente em discotecas, festas de casamento, jantares de fim de ano. A meu ver ele pode surgir-nos na rua, no Metro, num Centro Comercial, num velório, num comboio, o Inspector pela Ilegal, a advogada pelo cliente, a leitora pelo escritor...
Agora que a maioria dos relacionamentos veda o acesso a novos amores é uma grande verdade!, - e assim se entende, por esse facto castrador, a razão dos apologistas das relações abertas... Considero o amor - o acto de alguém querer tocar no corpo de alguém um êxtase "doentio" um fenómeno que raia o sagrado!
Disse-me uma criança que o amor é como a gripe, apanha-se da rua e cura-se na CAMA!
Qual o amor que gostavas que te acontecesse?
Gostava que depois de nos olharmos pela primeira vez, déssemos a mão... para depois caminharmos... juntos... para nos beijarmos pouco depois...
Amamos mesmo é a paixão!
o Amor com posse, é chato!

quinta-feira, 6 de maio de 2010

o tempo passa mas as cartas ficam...

uma pequena preciosidade...

Alexandre, se o conhecesse verdadeiramente, talvez não tivesse qualquer necessidade de lhe escrever. Mas, como isso não acontece, são outras, de certo, as razões por que, ao contrário do escritor José Vilhena, lhe tenho dado a desagradável impressão de que não aprecio suficientemente os textos que o José Alexandre tem feito chegar às minhas mãos. Também o José Alexandre, imagino eu, de mim apenas conhece uma certa exterioridade. Ainda assim, conhecerá o bastante para saber quanto me é difícil e penoso alimentar uma conversa de circunstância, para o que me sinto sempre totalmente desajeitado, e mais difícil e penoso, para mim, é ainda, com a inevitável e meditada lentidão da escrita, simular a comunicação na ausência de um interlocutor. Nada explica, portanto, que não tenha respondido às suas missivas, a não ser a falta de assunto ou do estímulo que somente uma conversa autêntica poderia propiciar. E se, agora, por uma vez, acabo de o fazer, foi porque temi que as minhas repetidas omissões o levassem a pensar ou sentir que o que estaria em causa seriam as suas características, e não as minhas. Esclarecido este ponto, quero que saiba que continuarei a ler, com prazer, tudo o que queira enviar-me. Todavia não espere que eu venha a escrever-lhe com qualquer regularidade, pois isso depende da minha incapacidade para o fazer, e não da estima que tenho por si e pelos seus esforços criadores. Com amizade...,

quinta-feira, 15 de abril de 2010

sobre a existência e a mudança

...deve haver palavras para a vida dos sentimentos decorrer como desejaríamos, ajudando-nos a adaptar-nos às incontornáveis mudanças; porém acontece que a nossa capacidade de leitura e interpretação dos sinais, revelados nas palavras e nos actos de terceiros para connosco, quando não são conforme à nossa vontade sofrem quase sempre uma distorção. Vemos e acreditamos o que já ninguém vê nem acredita. Queremos poupar-nos às mudanças incómodas que se exigem para com a verdadeira realidade, agarrando-nos à esperança de que tudo mude! Ora sabemos que para que tudo mude a solução passa exactamente por fazermos algo, porém, alienados, deixamo-nos como estamos esperançados que tudo vá mudar consentido que tudo fique na mesma…
Sem dúvida a felicidade do passado - quando a houve - aliada ao desejo da prolongarmos – sob o medo da perdemos – deve exercer sobre nós um grande domínio, uma grande dependência – a pontos de nos fecharmos quer para o mundo quer para o futuro – como se deles nada mais houvesse – julgam algumas pessoas assim porque pensam a ideia de futuro somente como uma continuação da vida do presente (do que resta dela). Mas os que não acreditam mais no passado, aspiram a, sofrem de, um desejo vital de uma nova vida…
dizer que tudo isto - pensar nas muitas mudanças a que a vida dos sentimentos obriga para depois se agir - não está intimamente ligado à liberdade que o nosso pequeno pecúlio nos possibilita é falso.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Pousada Paraíso, Salvador da Bahia

o velho índio-negro dono da Pousada Paraíso, sentado na sua cadeira de plástico branco, bebia tranquilo a sua cerveja enquanto mirava os transeuntes a caminho da praia. Vavá volta e meia rodava a cabeça e inclinava-se para a frente para poder ver as bundas das mais vistosas bahianas passar pleo meio do trânsito e da azáfama
- Olhe ai Português. Vocês não têm disto lá em Portugal.
Eu não respondia; andava apaixonado e tão desesperado que já nem pensava em ver outra bunda que não a da minha amada.
- Você anda preocupado Português. Você devia ir à praia de... tem lá muita mulher pelada.
- Onde é essa praia?
- Já está interessado né português... Você tá de carro?
- Não.
- A pé é mais difícil explicar. Tem que apanhar o autopic ou o mototaxi quem vai para Ipitanga...
Não era muito longe, mas eu como andava triste tudo me parecia longe.
Deixava-me estar na companhia do Vavá, atento às suas palavras....
- Que se passa com Você Português!! Qual é o seu drama?
- Tenho a minha amada e o filho aqui no Brasil, faz este ano três anos que não os via. Vim para os levar. Mas ela ora diz que quer ir ora me diz que não vai. Já não sei o que fazer para a convencer.
- Você faz-me lembrar um paulista que há uns anos passou por aqui pela pousada. Via-o sempre cabisbaixo e pesaroso a beber cerveja, sem falar com ninguém. As noites passava-as ai sentado; tomava muito café; pouco tempo ficava no quarto. Andava muito triste. Parecia doença. Até que um dia que lhe perguntei o que é se passava com ele... Não falou dessa vez, mas passado que foi um dia, enquanto bebíamos um suco contou-me que quando a mulher se decidira a sair de casa para se separarem de vez, vendo-o ela a chorar agarrado ao filho de cinco anos – falou-lhe assim - Porque é você está chorando por um filho que não é seu?
O índio Vavá mal acabou de contar rebentou num riso alto... Eu também me ri, apesar de não gostar de me rir da desgraça alheia. Pensei que altura mais macabra para saber a verdade; então comparei a desgraça dele, porque é esta a sina do Homem, comparar tudo com tudo, com a minha e quase me esqueci que sofria.
O meu sorriso desaparecia depressa, sem dar por isso afundava-o em pensamentos de medo. Talvez por isso Vavá continuava me contando as suas histórias…
- Você anda triste. Mas olhe não mude a sua natureza por causa dela. Conhece o conto do Mestre do aprendiz e do Escorpião? Dizem que escorpião queria atravessar o riacho que ia cheio e caudaloso. Então o mestre perguntou ao aprendiz se ele queria ajudar o escorpião. Quer? Quero! Ajude então. O aprendiz agarrou com cuidado o escorpião mas este sentindo-se agarrado picou-o tão dolorosamente que teve que o largar. Por três vezes ele tentou e por três vezes foi picado. Então porque a dor desespera o aprendiz decidiu não querer ajudar mais o escorpião - porque não merecia. Então o Mestre disse-lhe: merece sim ser ajudado. Não o julgue, a sua natureza é picar, como a sua é de ajudar, espero. Faça-o subir para cima desta folha de bananeira, assim ele não lhe pica. Ajude-o Use a inteligência, não permita que a natureza dele o fira… Não mude a sua boa natureza por causa da dele.
- Olhe Vavá, a minha natureza sempre foi a de ajudar, desde pequeno. Sou ateu mas deve ter-me ficado das aulas da catequese e dos livros... O que é que ela por vezes deixa-me tão desesperado... quando me compara com o ex., quando fala do que vai perder por deixar o Brasil... diz-me coisas que me magoam tanto...
- Talvez seja a natureza dela, magoar! Acha que deve também magoá-la?
- Nunca a magoei, nunca lhe bati! Só que por vezes, com os nervos, elevo o tom de voz, grito-lhe!
- Português, a gente não grita para quem ama!
Fez-se um silêncio profundo. Deixei de ouvir a azáfama de tudo o que nos rodeava.
- Português quer um suco da maracujá?, Você precisa muito de tomar suco de maracujá, acalma muito os nervos. Não deve andar atrás dela. Faça como o pescador; quer pescá-la? Dê-lhe linha!!! Linha!!!! Se ela o escolheu, ela lá saberá porquê!!! Mostre-se mais seguro! Sem medo de a perder... vai ver que ela o procura... Com carinho a gente leva uma mulher aonde quer... até as levamos á lua!
- Levá-las à lua é o mais fácil!
e Vavá continuava falando... aproveitando a companhia de um ouvinte atento…
- olhe Português eu já vi uma coisa que Você nunca viu...
- conte lá Vává o que é que Você viu que eu ainda não...
- foi no dia em que eu acreditei na ciência. Eu era crente, só acreditava em Deus... a ciência eu não compreendia por isso, eu duvidava. Ainda hoje eu não entendo isso da ciência, mas acredito.
- A ciência é exacta!
- Pois foi por isso que eu acreditei... Quando eu era guri, há sessenta anos atrás já havia quem falasse da ciência, mas eram muito poucos; as pessoas começaram a passar umas às outras «Amanhã às 10 da manhã o dia vai virar noite», As pessoas riam, todas perguntavam como e poucas acreditavam... eu mesmo não acreditei... e porque é que tinha que ser às 10 horas? Porque é que tinha que ser às horas que a ciência dizia?? Você sabe??
- Era o destino...
- Mas eu vi no relógio! Aconteceu mesmo. Começou perto das 10 horas da manhã a escurecer, as galinhas subiram para o poleiro, começou a ver-se as estrelas, e às 10 horas certas fez-se uma escuridão que o povo temeu que fosse o fim do mundo... eu fiquei mudo... O dia tinha virado noite!
- Vává, foi um eclipse. Acontece quando a lua encobre a luz do sol...
- Foi o dia em que acreditei na ciência...

segunda-feira, 5 de abril de 2010

perdoa-me meu amigo e colega das letras Cesário Verde!

se pudesses ler as palavras inspiradas que se agarraram à minha pele como grãos de areia depois que me banhei na tua orla... mas recordas-te o que aconteceu quando corri para ti (como uma criança)?, contaste o número das vezes que te escrevi e concluíste que eram demais… e trataste logo de mo dizer para que eu parasse de correr… Talvez um passo vagaroso, um compasso lento, uma cadência quase mortal te dissesse mais… Querias o comboio dos sentimentos parado na estação, a aguardar! e fazia-te confusão o tráfego do meu aeroporto com aviões a partir e a chegar de cinco em cinco minutos… por isso, assustada, quem sabe se com medo, achaste que era demasiado!, mas não é exactamente assim que são julgados os génios, as suas vidas e as suas obras! No filme Amadeus de Milos Forman, Mozart ouve com espanto acerca da sua peça musical: “Demasiadas notas!" e logo retruca: “E quer me dizer vossa Ex quais as que estão a mais?” Tudo o que os génios fazem parece ser ao comum dos mortasis em demasia!, como escrevem muito não são mais lidos! Pense-se em Marcel Proust!...
Quiseste virar a página e viraste-a de facto, mas sem a leres. E como a não leste não a viveste! (...)
...à hora em que passei na rua que sobe até à estátua do Fernando Pessoa, já era noite e vi (depois comecei vendo) caminhar à minha frente um casal de mão dada. Ele uma amostra de homem, ela uma perfeição. Decidi segui-la para ter a certeza de que era real e não uma aparição que acabara de entrar na Igreja. Um cão entra numa Igreja porque tem a porta aberta, mas porque entraria na Igreja um ateu como eu? Ora, por alguma coisa que valha a pena: por umas boas nádegas – desculpar-me-ão a rudeza da expressão – a verdade é que eram-no de facto, comprovava-se pela beleza do seu desenho, todo ele realçado pela justeza cingida da calça branca ajustada - sublime - até ouvi a voz de Deus!
- Ainda me negas? Depois de teres visto com os teus próprios olhos!
- «Foi um acaso, se soubesses a fórmula fazia-los todos iguais àquele! E haverias de ver como diminuiria a infelicidade na terra! As mulheres seriam melhor amadas e homens mais fiéis! Mas como é que sem saberes a fórmula ainda te arrogas de seres o criador de tão excelsa perfeição??, És é um grande charlatão!!!»
Infelizmente não pude continuar a cobiçar aquele quadro vivo de arte contemporânea por muito mais tempo, porque o meia-leca da hiena macho estava de guarda!, e ao aperceber-se que aqui o leão rondava a sua febra começou a rosnar, que é como quem diz, a olhar na minha direcção para me informar que me tinha topado!, Se uma alma de mulher deve ser amada, quer pela justeza das suas acertadas palavras e conselhos quer pelas suas boas acções, um lindo cu de mulher, porque é do que agora se trata, não o deve ser menos! Oh não morresse eu nunca e sempre visse e tocasse a perfeição das nádegas imateriais…

sexta-feira, 26 de março de 2010

Elogios como graos de areia - a refutação...

"os elogios...mesmo que bonitos e feitos para agradar...quando demasiados podem ser vistos como uma intrusão...para alguém que pode ser timido..."

A sua frase “bem todas as mulheres são bonitas” não a levei a sério… ainda assim me interroguei se haveria lido George Orwell, conclui depois que não, pois não vi escrito “mas há umas que são mais bonitas que outras”. Uma maneira de dizer que todos os animais não são iguais dizendo que são, é acrescentando: mas há uns que são mais iguais que outros.
Não sei em que terá pensado ou qual foi a intenção quando escreveu, “nunca fui alguém que crie ideias a partir de pessoas famosas...” li a frase 4 vezes mas não alcancei saber que género de ideias criadas a partir de pessoas famosas tinha no pensamento, se é que as havia.
Sim é um facto incontestável, as pessoas ditas famosas têm mais exposição. Agora que elas são mortais e estão sujeitas às imperfeições como as que o não são, também não é novidade, não há Deuses na terra!
Agora quanto a ser calmo e a ser contido nos elogios, para não serem vistos com uma intrusão, é assunto que a meu ver dá para uma tese de mestrado! Desde já lhe digo que não aconselho a ninguém a minimizar as suas virtudes para agradar a quem quer que seja. Elogios, desculpe contrariá-lo, nunca são demais. Se os elogios na terra pecam é mais pela falta, não pelo seu excesso. E a meu ver mais falta fazem às pessoas tímidas que às que o não são, uma vez que os elogios (a fama) prometem facilidades sociais… e abrem muitas portas… Quem elogia sem violar a ética de uma formação humanista, mesmo que seja em quantidades abissais, não merece reparo negativo, pelo contrário, elogiar é dar aos vivos o que outrora só os mortos colhiam em seus túmulos. Pasme-se mas o termo elogio vem do idioma Latim, elogium, “inscrição tumular; epitáfio; escritos que os vivos gravavam nas lápides em abono do bom nome, memória e honra dos seus mortos. Isso era chamado um elogium… talvez possa advir dai uma prova da dificuldade de elogiar - não era habitual - as pessoas desses tempos remotos precisavam de esperar toda uma vida para finalmente terem o seu elogium.
Se alguém os pensa ou vê como uma intromissão, que poderemos fazer? Minimizar a bondade do nosso coração? vamos deixar de dar nozes e pérolas? para não melindrar gengivas, manias, traumas e paranóias?? Admira-me esse discurso, «ai por favor pára como os elogios que me metes medo» – não os vemos depois a comprar um cão! – como é que os podemos levar a sério? - Quem não quer elogios que não abra páginas em redes sociais, vá fazer um exame à próstata, como o George Cloney afirmou preferir (a ter uma página no facebook).
Eu não sou famoso! Porém é raro o dia que não receba uma sms logo pela manhã com este dizer. Oi lindo! A pessoa que mo manda conheceu-me numa rede social, nunca nos vimos pessoalmente nem pela Web. Ora diga-me, acha que deva apresentar queixa na esquadra da minha residência por intrusão na esfera da minha vida privada? Sim decerto, se tivesse a mania da perseguição! Sei que os(as) há por ai com essas manias, não as(os) ouvisse eu no Ministério Publico na sala das diligências durante as inquirições…
De qualquer modo se o que conta é a intenção, obrigado. Se era para me normalizar os excessos para me conter a verve e a escrita desde já lhe digo que não vá por ai…

sexta-feira, 19 de março de 2010

O professor Bianchi

Um olhar azul claro e expressivo, de estatura pequena, quase franzina, cabelo loiro escasso, entrava na sala de aula, depois sentava-se em cima do tampo da mesa, cruzava as pernas e olhando os presentes fazia-nos entender querer o silêncio; e assim que este então se fazia ouvir interrompia-o - começara a dar a aula…
Na primeira aula se bem recordo, para se apresentar disse-nos que o seu maior defeito era a sua maior virtude - e vendo-nos com cara de querermos desvendado o mistério - revelou-o - Falo demais! De facto falava! Duas ou mais horas seguidas, que passavam depressa. Cedo em toda a Universidade o elegi como um dos meus professores preferidos – A sua eloquência, o seu vasto saber, o seu bom gosto eram admiráveis. E com o tempo somando momentos e visitas fui tornando-me próximo. Era uma pessoa pouco dada a demonstrações de afectividade, mas tinha um riso franco. Recordo-me de uma vez, subíamos um dos corredores da UTAD, ele dizer-me que eu lhe havia dado um dos melhores elogios que um professor pode receber, que assistir às suas aulas mais do que transmitir-nos o saber aumentava-nos a inteligência.
Por essa altura, eu contava uma anedota que havia lido num pequeno livro acerca de música, escrito pelo Maestro Vitorino de Almeida. Num fim de tarde contei-lha e tive pela primeira vez a satisfação de o ter feito rir. Em poucas palavras posso também contá-la a vós. Não sei se já viram pautas de música. Talvez já tivessem reparado existir nessas pautas palavras como, piano, pianíssimo, forte, fortíssimo! Pois é acerca delas, do significado delas, apesar de claro, poder ser erradamente interpretado a razão do riso desta anedota real. Aconteceu de facto algures numa sala com boas qualidades acústicas. Enquanto a orquestra ensaiava, o maestro que a dirigia interrompeu e exclamou: Forte! – Pediu depois que retomassem. Bateu com a batuta, os músicos encheram o peito e recomeçaram a tocar. Quando chegaram ao trecho onde tinham sido interrompidos, o Maestro voltou a interrompê-los e exclamou: Desculpem, parece que não entenderam, eu disse Forte! Fez-se silêncio. Os músicos olharam todos uns para os outros e tacitamente concordaram em mostrar ao Sr. Maestro o quanto o tinham entendido bem!, e todos se compenetraram. O maestro levantou a batuta e quando passaram pelo mesmo trecho os músicos tocaram com o máximo de força e fôlego. Todavia o maestro interrompeu de novo e de novo exclamou: Meus caros eu disse FORTE!, Desta vez um dos músicos indignado ousou responder ao maestro: Mas maestro nós já não conseguimos tocar mais Forte!, e responde-lhe o maestro: Eu pedi forte porque logo no início vocês tocaram fortíssimo.
O meu professor preferido rira-se desta anedota, e se bem recordo disse-me uma vez que já conhecia muitas pessoas e que não via grande razão em querer conhecer mais. Foi uma exclamação que batia de frente com os meus ideais. Sou daqueles seres, quiçá estranhos, que adora conhecer pessoas, por inúmeras razões… Mas porque me veio esta lembrança à memória? Por viver num mundo onde há tantas pessoas que fazem enorme questão em afastar da sua vida esta ou aquela determinada pessoa, e por ler um jornal esta entrevista com Helen Browns e  (por nos saberem a atravessar o luto da morte de um filho) “As pessoas com coragem vêm-nos perguntar se podem fazer alguma coisa, mas nós não queremos que façam nada, só que estejam ao nosso lado, queremos pessoas na nossa vida”. Curioso é reconhecer que aquelas pessoas de quem outras tanto fazem questão de se afastarem são as mesmas sobre quem outras tanto gosto têm em tê-las próximas! Concluo assim que a qualidade das pessoas é mais relativa que absoluta, e que não basta amar ou odiar esta e não aquela pessoa, é preciso saber o porquê e em nome de que ideal ou fim se ama ou odeia…
Mas acerca disso quem se auto-interroga?

quarta-feira, 17 de março de 2010

dias sem música

se o arrependimento matasse, por ter permitido esquecer-me nestes apressados anos da vida adulta de me entregar durante horas à ocupação que mais prazer me proporcionava nos meus tempos de adolescente, falo-vos das horas ligado à musica, já estaria morto. Nesse tempo escutava alto as sinfonias de Beethoven, as aberturas de Rossini, as fugas fantásticas de Bach, e alcançava assim as alturas – o céu sideral não poderia propiciar prazer mais elevado. Era a eternidade! O perfeito esquecimento de todas as verdades absolutas quanto à minha finitude - eu sentia neste mesmo corpo mortal a imortalidade! Sons ritmos e timbres em tão perfeita orquestração que eu pelo poder que tinha das apreciar na totalidade sentia como se o próprio criador daquelas obras fosse.

segunda-feira, 15 de março de 2010

um paradigma na chuva

Há duas maneiras distintas de sentir a chuva: quando se está abrigado e quando não. Para quem está confortavelmente sentado num sofá é cómodo opinar acerca da vida dos que se molham...
No interior de um edifício alto eu via chover copiosamente em todo pátio do Campus da Justiça. A chuva já havia alagado a relva e juntava-se no chão cimentado criando pequenos lagos e cursos de água. Chovia continuamente, como quando ouvia a minha avó dizer "só um doido anda lá fora como o tempo assim!!" A própria atmosfera alagada de humidade tornara-se quase opaca, mal deixava ver os vultos das duas pessoas paradas à chuva, uma atrás da outra. Uma, um homem debaixo dum chapéu-de-chuva grande e azul, atrás dele uma mulher mais jovem a ser fustigada pela chuva. O motivo: um telefone público.
A chuva é fria e escorre-lhe dos cabelos para o pescoço. Ela encolhe os ombros e inclina a cabeça para trás para a chuva não entrar, em vão. Conto 10 minutos de relógio, continua estoicamente no mesmo sítio… súbito passa um homem a correr como se a chuva o queimasse… A chuva cai agora mais forte mas nem uma palavra entre ambos… Alguém sabe como é que isto se tornou possível, normal, racional, humano mesmo?
Foi então que senti o desejo de associar tudo o que pudesse àquela situação insólita; a mulher preferia ensopar-se de chuva, enregelar, a interpelar um estranho.
Eu próprio, que outrora pedia uma boleia a quem quer que passasse debaixo do seu chapéu-de-chuva, hoje, a interpelar alguém, prefiro a chuva. Magoa fundo a rejeição de um estranho. Um ser que nos conhece pode alegar um motivo justificado. Já um estranho fá-lo gratuita e voluntariamente, e isso no meu entender é mais grave, porque trai a nossa esperança na humanidade. Despedaça a fé nas divisas humanistas, fazer o bem sem olhar a quem, quem dá a tempo dá duas vezes, entre muitas outras. Sente-se o desgosto maior…

sexta-feira, 12 de março de 2010

Mente Estável versus Instável - Aldous Huxley

"um homem capaz de sacrificar de ânimo leve um hábito mental há muito tempo formado constitui uma excepção. A grande maioria dos seres humanos não gosta e, na realidade, até detesta todas as noções com as quais não estão familiarizados. Trotter, no seu admirável Instincts of the Herd in Peace and War, chamou-lhes de «mente estável» e colocou em oposição a eles uma minoria de «pessoas de mente instável», apaixonados pela inovação em si própria.
A tendência do homem de mente estável, quer seja introvertido ou extrovertido, visionário ou não visionário, será sempre para verificar que «aquilo que está, está certo». Menos sujeito aos hábitos de raciocínio formados na mocidade, os de mente instável naturalmente que sentem prazer em tudo o que é novo e revolucionário. É aos de mente instável que devemos o progresso em todas as suas formas, assim como todas as formas de revolução destrutiva. Os de mente estável, devido à sua relutância em aceitar modificações, dão à estrutura social a sua sólida durabilidade. Há no mundo muito mais gente de mente estável que instável (se as proporções fossem trocadas viveríamos num caos); mas em todos menos em alguns momentos muito excepcionais, eles possuem o poder e a riqueza mais do que proporcional ao seu número. Daí resulta que, ao aparecrem pela primeira vez, os inovadores foram geralmente perseguidos e sempre escarnecidos como lunáticos e loucos.

Um herético, de acordo com a admirável definição de Bossuet, é aquele que «emite uma opinião singular» - quer dizer, uma opinião sua, em oposição a uma que já foi consagrada pela aceitação geral. Que se trata de um patife, não é preciso dizer. É também um imbecil - um «cão» e um «demónio», no dizer de São paulo, que profere «baboseiras vãs e profanas». Nenhum herético ( e a ortodoxia de que ele se afasta não tem necessariamente de ser uma ortodoxia religiosa; pode ser filosófica, ética, artística, económica); nenhum autor de opiniões singulares é alguma vez razoável aos olhos da maioria dos de mente estabilizada. Porque o razoável é o familiar, é aquilo que os de mente estável estão no hábito de pensar no momento em que o herege profere a sua opinião singular. Usar a inteligência de qualquer outro modo que não seja o habitual não é usar a inteligência; é ser irracional, delirar como um louco."

Aldous Huxley, in "Sobre a Democracia e Outros Estudos"
Acresce que os de mente estável por serem a maioria mais facilidade têm de se encontrarem - de se agruparem - de formarem alianças. Já os de mente instável, os criadores por serem em reduzido número menor probabilidade têm de se cruzarem com os seus iguais... pelo que, concluo, se tornam almas mais solitárias... mais expostas... sem a protecção do grupo...

quarta-feira, 3 de março de 2010

carta de um poeta (escrita na 3ª pessoa)

Venho humildemente dirigir-me a Vª Exª pelas razões seguintes…
tentei esquecê-la mas não o consegui de todo…
fi-lo como penitência pelas minhas faltas e desregramentos
mas não surtiu efeito
e na verdade eu mesmo não merecia afastar-me…
só me resolvi a isso quando notei que me tratou indelicadamente…
sou um artista da palavra e por isso merecia da sua parte mais respeito…
todavia venho à sua presença para que me reconsidere e me subtraia com a sua bondade do número dos renegados…
e que possamos ser amigos e conversarmos como conversamos nos raros momentos que nos aconteceram…
vi-a poucas vezes na minha vida, mas sempre que a vi olhei-a dos pés à cabeça e não existiu fio de cabelo que não lhe notasse…
eu merecia vê-la muito mais vezes mas parece que por uma qualquer lei maquiavélica quanto mais amamos um desejo menos ele se realiza…
pagamos muito caro gostarmos das pessoas…
mas o que me decidiu mesmo escrever-lhe é a quadra que se aproxima e indagar se Vª Exª sabe compadecer-se da dor alheia…

Obrigado meu Senhor

poderia eu alguma vez acreditar na existência do Deus dos Cristãos e dos Árabes dos Judeus e dos Protestantes e de todas as outras infindáveis comunidades monoteístas, vendo uma matilha de cães selvagens da savana africana a rasgar com as presas as entranhas dum gnu vivo a bramir a dor de olhos revirados no Inferno? 
oh quanto eu quero ácida a ironia - ó Deus eu lembro-te todos os doentes incuráveis do Instituto Português de Oncologia a serem devorados interiormente pelo inúmera diversidade de cancros e agradeço-te Deus todas estas provas de divindade e ainda rogo que se faça consoante a tua vontade. E agradeço: Obrigado meu senhor por podermos ver com repugnância os insectos a devorarem-se uns aos outros ainda vivos até à última antena, obrigado meu senhor pelos ataques dos lobos às vaginas das vacas a pastar nos prados, obrigado meu senhor por os Veterinários poderem testemunhar os efeitos irreversíveis desses ataques!, e seu abate ser depois obrigatório! Obrigado meu senhor também por todos os estropiados e mongolóides, sem esquecer as crianças que morreram e morrerão de poliomielite e fome, obrigado também meu senhor pela diversidade dos cancros das mamas, dos úteros, do pâncreas, dos pulmões, da pele e de todos os outros 1001 tipos de cancro, mil vezes obrigado. Nós não poderíamos nunca imaginar mundo mais perfeito e um ser criador mais misericordioso omnisciente e omnipotente, por tudo isto e por muito mais eu te dous graças por vosso imenso poder e vossa imensa glória!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

sublinho

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Eduardo Alves da Costa e Maiakovski

"Na primeira noite, eles aproximam-se
e colhem uma flor do nosso jardim e não dizemos nada.
Na segunda noite, já nao se escondem.
Pisam as flores, matam o nosso cão e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada." ... Eduardo Alves da Costa

"Traduzir poemas é tarefa difícil, especialmente os meus.
...a dificuldade da tradução de meus versos vem de usar nos versos a linguagem quotidiana, falada...
Tais versos só são compreensíveis e só têm graça se se sente o sistema geral da língua, e são quase intraduzíveis, como jogos de palavras."
Maiakovski

"Sem forma revolucionária não há arte revolucionária."
Maiakovski

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Walt Whitman

Pobre de mim! Oh vida! Os problemas com que me defronto,
Os cortejos sem fim dos incrédulos, as cidades cheias de loucos,
As censuras que faço sempre a mim próprio
(pois quem é mais louco do que eu, e quem é mais incrédulo?),
Os olhos que em vão imploram a luz, os objectivos vis, a luta sempre renovada,
Os miseráveis resultados de tudo,
as sórdidas multidões que vejo arrastarem-se à minha volta,
Os anos vazios e inúteis dos outros, eu que a eles estou abraçado,
A questão, pobre de mim! com que, tão triste, me defronto –
Para que serve tudo isto, pobre de mim, oh vida?
Resposta: Serve para que estejas aqui – a vida e a identidade existem,
O espectáculo intenso prossegue e tu podes contribuir com a poesia.
Às vezes junto de alguém que amo encho-me de raiva,
receoso de derramar amor não correspondido,
Mas agora penso que não há amor não correspondido,
a retribuição está garantida de uma maneira ou doutra.
(Amei um certa pessoa ardentemente e o meu amor não foi correspondido,
Mas, com isso, escrevi estas canções.)

Poema - Walt Whitman

Walt Whitman, um cosmos, filho de Manhattan,
Turbulento, carnal, sensual, que come, bebe e procria,
Não um sentimental, não um espectador acima dos homens e mulheres ou afastado deles,
Nem mais modesto que imodesto.
Desparafusem as fechaduras das portas!
Desparafusem as próprias portas das ombreiras!
Quem quer que avilte um outro homem avilta-me a mim,
E o que quer que seja feito ou dito acaba por se voltar para mim. (…)
Sou tão delicado com as entranhas como com a cabeça e o coração,
A cópula não é mais chocante para mim do que a morte.
Acredito na carne e nos apetites,
Ver, ouvir e sentir são os milagres,
e cada uma das minhas partes e extremidades são um milagre.
Sou divino por dentro e por fora,
e torno sagrado o que quer que me toque ou que me venha tocar,
O odor destes sovacos é um aroma mais delicado do que uma oração,
Esta cabeça é mais do que igrejas, bíblias e todos os credos.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

a viuva irrompeu para reclamar a pensão do falecido

às oito o som agudo do telemóvel despertador acorda o funcionário… sem medo do frio salta da cama, veste-se à pressa, calça as peúgas pretas que à 6 horas tirou dos pés... Equilibra-se numa perna para vestir as calças de ganga e depois veste pela cabeça, como se fosse uma TSHIRT, a camisa de botões que não desabotoou … cinco minutos apenas e já está na rua - um novo record batido..
Às 9 horas já está no local trabalho, agora põe um ar sério de pessoa competente e olha para os colegas!, endomingados nos seus fatos escovados sem vincos quase perfumados… que ninho de víboras!! Eram 11 funcionários mas aos poucos os mais respeitáveis foram expulsando os colegas diferentes e agora restavam apenas um grupo, 3 mulheres e dois homens. Por isso, reinava na sala da 1ª repartição da Caixa Geral de Aposentações um silêncio sepulcral, respeitado até pelas moscas… estas para o não perturbarem já não voavam... acaso uma delas cedo pousasse na careca do pobre estagiário passava lá toda a manhã… uma perfeita simbiose…só se ele se erguesse da cadeira é que ela levantava voo para o seguir… o silêncio das cinco mesas com cinco cadeiras com as cinco pessoas era como disse sepulcral, dir-se-ia um silêncio branco apenas pincelado de tempo a tempos pelo barulho circular das roldanas da velha impressora central… a impressão do perfeito funcionalismo daquela secção causava nas pessoas e nos próprios funcionários a ideia de que ali o erro havia sido abolido, - eram na maioria todos bastante presunçosos – por isso foi com grande alarme e enorme susto que após o ranger da porta - que já não rangia há mais de um ano – viram entrar uma velha senhora mal vestida a aproximar-se do balcão – e perguntar bem alto: - Porque é que não me pagaram a reforma do meu falecido marido, há 15 anos???
- Desculpe? 15 anos?
- Sim há 15 anos…
- Deve ser um engano…
- Não é engano não.
- E só agora é que deu por isso?
- Não já dei por isso há 15 anos…
- E porque é que só veio agora…
- Porque só agora é que pude vir.
Aproximou-se outro funcionário da mesa…
- O que é que se passa?
- Esta senhora queixa-se que não recebe a pensão do marido…
Aproxima-se do balcão a chefe (assustada)
- A senhora espere um bocadinho, nós vamos averiguar, aliás peço-lhe descrição, vamos todos tratar já do seu caso… Parem tudo o que estão a fazer!, Consultem as pastas dos arquivos de 1990…
- Isto é no mínimo insólito! Garanto-lhe minha senhora, a haver erro nosso, dos nossos serviços, o responsável vai ser disciplinarmente punido… Eu mesmo vou instaurar-lhe um processo disciplinar…
- Ainda bem que o nosso ex-chefe foi transferido, isto matava-o! Cardíaco!
- Já se vai saber.. Pois bem, em que ano?, quando foi a ultima vez que recebeu a pensão do seu falecido marido?
- Nunca!
- E porque é que só agora pôde vir? Esteve doente? Internada?
- Estive internada estive!
- Ahhh Pois vamos ver o que aqui diz… Aqui não diz nada… Procurem na pasta da correspondência externa! A Senhora espere aqui, vamos reunir. Vamos já tratar do seu problema… Sente-se ali se preferir… não demora…
- Só quero saber quem é que me vai pagar estes anos todos!!!!!
Na mesa central todos desfolhavam pastas, ansiosos por encontrarem o erro e o seu autor!, com o coração nas mãos do medo de ter sido de algum deles. Estiverem nisto 10 minutos de verdadeira ansiedade e sofrimento. Já suavam quando se ouviu vindo do fundo da sala um suspiro de alívio.
- Não procurem mais, já descobri...
- Quem foi o responsável?
- Não foi ninguém. Aliás foi o Juiz!!
- O Juiz?!! Não estou a entender!!!
- O marido de facto morreu, mas foi ela que o matou! A pensão foi-lhe simplesmente retirada!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

a dependência do papel higiénico

Já leram nas livrarias "Verónica decide morrer" pois bem é mais um livro do Paulo Coelho que feliz ou infelizmente desconheço - se fosse outro o titulo possivelmente me despertaria maior curiosidade - por exemplo se fosse: Verónica decide cagar! certamente deste haveria de querer ler umas páginas - pois penso que não decidimos a vontade de cagar, é ela que voluntariosa decide por nós!
Raios porque não escrevo eu também livro?

Em Junho o sol declinava como se fosse Outono e eu meditava nos meus mais sublimes desejos femininos peitos grandes rabos sexys sem conseguir conter o lacrimejar de pouco os ter abraçado no decurso da minha existência, vai dai pensei, e disse: apesar da minha fantasia sexual ser fazer amor com duas mulheres, prefiro fazer amor com uma mulher jeitosa de que com duas feias, depois reflecti melhor e conclui prefiro fazer amor com duas mulheres feias do que não fazer com nenhuma... achei então que atingira a sublimidade com este pensamento extraordinário...

soube ontem pelo meu filhote de 5 anos que “ajudar é bater”. - Pai, perguntava ele, quando se ajuda bate-se, não é? - Não filho. Bater não é ajudar. - É é pai, quando nos pedem para ajudar, aos meninos do bibe verde, é para bater nos meninos de bibe azul, e nós ajudamos a bater…

quando eu ia buscar o filho à escolinha, corria o mês de Fevereiro. O Andrew fizera 6 anos. À saída uma menina de 5 anos da janela gritou - Andrew… - Olha Andrew a tua coleguinha, é bonita ela - é mais que bonita é a minha namorada… - A tua namorada Andrew? Como sabes isso? - Sei, deixei-a sentar no meu colo e ela gostou, por isso é minha namorada. - E como sabes que ela gostou? - Ela disse-mo ao ouvido...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

a padeira e Dostoievski

hoje na fila de uma padaria antiga de Lisboa, das que têm ainda uma pedra mármore as paredes pintadas de branco e o cheiro característico da farinha e do pão quente acabado de cozer, eu e mais 4 clientes mulheres aguardávamos para sermos atendidos. Uma delas pediu quatro bolos e um pãozinho quente se houvesse. Havia muitos mas frios. Para lho dar a padeira ausentou-se e «foi lá para dentro» como as clientes depois diziam a quem ia chegando e que perguntavam por ela. Três minutos depois a cliente atrás de mim dizia impaciente: - Tanta demora! Deve estar a fazer o pão.
Aproveitou a deixa quem primeiro havia pedido o pão quente  - para mostrar que partilhava a indignação das clientes por causa da demora da boa da padeira que dali se ausentara para lhe fazer a vontade - e disse : - sim só pode estar a fazê-lo! Pedi um pão quente apenas, pensei que mo traria depressa. Se soubesse que demoraria tanto não teria pedido...
E disse logo outra:
- É esta padeira que é diferente das outras; de vez em quando dá-lhe uns vaipes umas manias e esquece-se aqui da gente..
 - Se isto já se viu!... A fila já aumentou... e por este andar vai chegar à rua...
 - É um bocado tresloucada... – disse outra. - Eu calado, caladinho, ouvia. Pensei: tenho que escrever isto para os digníssimos leitores do meu Blog lerem... Enquanto assim meditava as mulheres continuaram a caluniar a padeira... Nisto chega a padeira de rompante, apressada... consciente da demora e do incómodo que causara às clientes, mas com o pão quente para a cliente que lho tinha pedido. Calaram-se de imediato todas como se com medo... Foi então que me lembrei dos Humilhados e Ofendidos de Dostoievski...
Lembro-me sempre de Dostoievski quando me acontece testemunhar episódios na essência análogos, quero dizer quando a falta de bom senso das pessoas, perante a vítima, toma o partido dos carrascos; e quantos aproveitando-se do chavão “por vezes temos que dizer as verdades” não se fazem passar por falsos moralistas para não serem notados de atiçar o grupo contra o indivíduo acusando-o de anti-social, quando é na verdade o próprio ao atiçar o grupo que se revela anti-social e xenófobo. Estes agitadores que falam para linchar o indivíduo com a ajuda da ignorância e da tendência dos sujeitos para adquirirem o comportamento da maioria, reconheço-os a léguas. E digo é esta a diferença entre eu e eles... eu tomo o partido do indivíduo... e penso devo ser diferente por ter interiorizado Dostoievski... Mas apesar do orgulho pessoal de ter escolhido Dostoievski para meu guia, não estou imune da tristeza de constatar que no meio do grupo - seja ou não a vitima - devo afastar-me – julgando-me depois o grupo - na figura dum escorraçado doente – quando na verdade me afasto de escorraçadores doentios.
A solidão não é apenas a fuga dos doentes, pode ser também a fuga aos doentes...
Assim escutei do sábio Zaratustra.
Amanhã certamente voltarei a ir à padaria testemunhar a rapidez com que a padeira atende as clientes e faz os trocos...

domingo, 31 de janeiro de 2010

O porteiro observador

Dos amigos fluentes onde busco o que escrever apeteceu-me buscar ao porteiro aqui do edifício assunto. Mas primeiro vou apresentá-lo. É um homem relativamente novo, anda na casa dos 30 mas já sabe muito. Além do mais para além do seu vasto saber é, ele mesmo o confessa, um grande apreciador de rabos, imaginem. Muito antes de os avistarmos já ele nos avisa. Levanta-se da sua cadeira e vai à porta vê-los passar, parece que os fareja à distância. Conhece-os decore, “e aquele daquela ruiva, meu Deus!, vem ver vem ver!!!! Que horas são? 17horas, está na hora dela sair. Aguarda mais um minuto e vais ver sair daquela porta o rabo mais louco das gajas desta rua! Ai vem ela, vê só!... diz-me lá se eu não tenho razão…” costuma dizer que os melhores são os das advogadas... que se vestem muito bem...
Em conversa comigo sobre os namoricos contou-me que um gajo solteiro deve andar sempre com uma aliança no bolso de modo a poder usá-la caso pretenda enrolar-se com uma casada. Vejamos como me expôs a sua filosofia: O que é que uma mulher casada prefere, um solteiro que a não largue ou um homem casado discreto? O discreto claro; que lhe dê segurança e não ponha em risco a harmonia do lar…Aliás se um gajo como eu apresentável diz que não tem ninguém a uma, o que é que ela vai pensar? Ou que estou a mentir ou que tenho alguma anormalidade… não, eu sou só sou solteiro para as descomprometidas, para aborregadas sou e serei sempre casado. As mulheres precisam de uma segunda pessoa. Aliás agora todas as mulheres querem ter uma segunda pessoa, está na moda. Se não tive a sorte de ser a primeira que seja ao menos a segunda… É preciso adaptarmo-nos aos tempos…Foi aqui que retirou a aliança de oiro branco do bolso de dentro do casaco para à minha frente enfiá-la no dedo anelar… Vês, não me fica bem, não me dá um ar de casado?

a ver o mar

…o beijo estava prometido, por isso de tempos a tempos, acontecia podermos vê-la sentada na areia da praia a olhar o mar, e quem lhe sentisse o pensamento sabia-a envolvida pelo seu aroma, um perfume quente que se dissipava na frescura que lhe trazia o mundo das águas… conhecia bem aquelas águas, com a pele… não fosse ela de aula a aula uma aluna de surf sobre uma prancha… de longe nós víamos a sua silhueta cortar as ondas e desaparecer na espuma… de perto quando se sentava na areia viamos do cabelo preto molhado escorrer fios de água do mar… (...)

sábado, 23 de janeiro de 2010

teatro no msn - diálogos

…penso muito em ti.
Maria diz: E EU NEM SEI EM QUE PENSAR AMIGO

estou preocupado contigo por estares a braços com a tua nova "solidão"
Maria diz: TAMBÉM EU AMIGO

como foi o teu dia ontem quando estiveste em casa??
Maria diz: UMA TRISTEZA

devias ter pensado em mim com a certeza que te quero mimar... vá lá sabes bem que não estás sozinha...
Maria diz: EU SEI... MAS FISICAMENTE ESTOU

fisicamente estás só porque queres - não tens pretendentes e amigos que gostassem de estar na tua companhia?
Maria diz: NÃO

Não me reconheces como um amigo que gostaria de estar na tua companhia?, pois eu gostaria...
Maria diz: EU SEI...MAS NÃO QUERO NAMORADOS OU COISAS PARECIDAS TÃO DEPRESSA

eu tb não quero... mas sei por experiência que para sarar os males da solidão a presença fisica dos amigos é indispensável - e tu parece que rejeitas o que faria realmente bem
Maria diz: PORQUE EU SÓ PRECISOS DE AMIGOS...E NÃO DE QUEM ANDE ATRÁS DE MIM

Só os verdadeiros amigos andam atrás - se não andam é porque não se sentem bem na tua companhia e por isso não te procuram. Eu tenho poucos amigos, sempre que posso visito-os
Maria diz: NÃO É ISSO QUE ESTOU A DIZER... ESTOU A DIZER QUE QUERO APENAS AMIGOS E NÃO GAJOS QUE ANDEM A SAIR COMIGO SÓ PELO INTERESSE DE PODEREM ANDAR OU TER ALGO COMIGO... OS AMIGOS QUE SÓ QUEREM AMIZADE MESMO TAMBÉM GOSTO QUE ANDEM ATRÁS DE MIM

infelizmente sinto-te apenas como uma amiga virtual - mas poderíamos ser amigos reais - ou mais ainda amigos especiais – confidentes. Claro que isso depende de como nos sentiríamos na presença um do outro, mas sem nos encontrarmos não poderemos saber - seria bom que pudéssemos estar presentes e não distantes
Maria diz: VEM VISITAR-ME

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

saudades do Diário de Kafka

cansado da rotina habitual - àquela hora: ir para casa sem desviar um palmo do habitual caminho - estacionei o carro na zona do Saldanha. De antemão sabia que a vida que me esperava no decorrer da pequena fuga à rotina haveria de ser pouco mais que o nada - ainda assim abri a porta do carro e sai. Confesso: mais não desejava do que seria lícito a vida ofertar-me - um pouco de emoção! A sua proveniência agradar-me-ia mais se da interacção com os outros - na livraria Almedina - a emoção de ver uma mulher que por lá encontrasse a ler um livro. Havia por lá algumas. Olhei todas, mas nenhuma, sentadas ou de pé, reparava os raros estranhos que as olhavam sequiosos do tom de uma voz nova. Perdida a esperança, deambulei por ali a ler os títulos dos livros expostos e porque não lesse qualquer titulo original que me tocasse eu também não lhes tocava. Então, quis o destino, a vida, que reparasse na fotografia duma capa. Era duma senhora idosa e dum outro senhor idoso, a Marguerite Duras e François Mitterrand. E mais pela idade deles do que pela fama decidi-me a ler umas linhas. Em boa hora o fiz. Nas primeiras páginas falavam da morte e dos sentimentos que experimentamos quando pensamos nela. E para que os livros ainda valessem pelo brilho das grandes frases este tinha uma que nem um sol. A frase, escrita por uma jovem vítima do holocausto, estava entre aspas e Marguerite referia-se-lhe – usava-a – realçava-a – quando a li eh pá emoção pura. – Receei logo ir-me dali embora sem a levar – tentei decorá-la – parecia-me que seria capaz – mas porque confio pouco na minha memória um tanto quixotesca transcrevi-a para o telemóvel – “O verdadeiro sofrimento é aquele que tememos.” – não precisei de ler mais, aquilo bastou-me. Como vos disse, acho que não peço muito à vida, apenas que não se limite a um nada repetitivo e maquinal.
O que não pude encontrar das e nas pessoas – a emoção - encontrei-a numa frase dum livro. É uma razão mais que válida para se escrever e editar um – espero que não depois da vida - já houve um que o fez -  Kafka -  

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

...a cobiçosa visão esfaimada da exuberante representação da sexualidade humana

sabes amigo o que é sofrer no corpo e alma a tirania da procura da beleza?, é incontornável!
Imagina, entrares num posto do correios e ao olhares para todos os presentes só veres uma mulher, ali, sentada, que desejas acima de tudo vê-la de todos os ângulos, e se possível e realizável, contemplá-la sem pausas, mais que a mais bela paisagem do mundo, e sob este efeito, para o realizares, teres que esperar e esperares, sem poderes mostrar a tua admiração, quereres olhar para ela e olhares para o outro lado, isto por mais de meia hora para a veres levantar, e assim, proporcionares a ti próprio o prazer da observares - e por fim ela levanta-se esplendorosa, e a silhueta e as pernas que já imaginavas lindas, veres como elas ainda são mais escandalosamente lindas, mais do que tu em teus antecipados sonhos supunhas, e como se isto não bastasse para te desorientar, sentes que não conseguirás falar-lhe por receio de lhe mostrares o teu lado mais idiota,  pela comoção de que és vitima. Uns segundos sem a olhares e apercebes-te que ela saiu! Decides pois segui-la… Eu sei lá porquê, para a continuares a ver, quiçá saberes onde mora para a não perderes para sempre. Então segue-la pelas mesmas ruas, apanhas os mesmos autocarros, atravessas meia Lisboa, metade de São Paulo, Londres ou Sydney e para quê?, sabes, para nada! ...  - querias conhecê-la senti-la! e?
Nada! Desalentado, sentes o fim da aventura sem princípio! abandonas por completo todo o esforço e ficas quieto a vê-la pela ultima vez, e que durante meses anos quem sabe para toda a tua vida te recordarás de quanto o nada e o vazio te preencheu...
e perguntas tu? como suportas tu a vida?, pois amigo amigo, quando estou mesmo no limiar da insuportabilidade oiço música amigo oiço música!, um pouco de tudo que tenha poesia!! até o maluco beleza de Raul Seixas ajuda, e apadrinho as artes, aproximo-me o mais que posso...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

na margem do grande rio

na Ásia acordei para a consciência com o pestilento odor quente da vida, o cheiro tingia-me a alma de vermelhos rubros e de castanhos avermelhados da cor da terra. Perto da margem sentia-me molhado pela tonalidade prateada do rio Ganges, e à noite quando escureceu as águas vestiam o luto e  velavam agora os mortos - e seus corpos ardiam sobre as jangadas de troncos que flutuavam no dorso das águas. Olhei para o fundo da minha alma e estava igualo ao fundo do rio, aglomerados de momentos desperdiçados, frustrações em várias formas, porcelanas partidas, muita sucata de sentimentos, ódios amargos, esperanças vãs, sonhos calcinados, irrecuperáveis; tudo isto via a uma luz difusa que escurecia a pontos de me enegrecer por demais o espírito.
Senti-me perigar sem o ar da luz. Urgia vir respirar a luz do dia na noite que estendia escura. Assim que para as constelações olhei, imerso da beldade dos céus, sob as estrelas celestes que reluziam brilhantes - por segundos esqueci a fealdade da minha efémera existência...
Adormecera cansado... e ouvia no meu sono - O estrangeiro veio morrer ao Ganges! Mas não, não tinha ido morrer ao Ganges… não havia chegado a hora…

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

amor à primeira vista

há uns nos atrás a andar pelas calçadas de Braga olhei uma montra - despertou-me a atenção o que estava do lado de lá da vitrina… não era uma peça de roupa de alta costura, tão pouco um sapato de salto alto extremamente sexy, ou as páginas abertas de um livro propositadamente colocado perto do vidro para poder serem lidas, era sim um quadro pintado a óleo… Àquela hora a galeria estava fechada e eu não pude aproximar-me mais do que permitia a vitrina… pensei que seria fácil voltar a vê-lo no dia seguinte, a uma hora em que a galeria estivesse aberta, mas estava tão imerso numa sensação de prazer e de agitação que não consegui arredar dali sem primeiro a esgotar. Estive ali especado a olhá-lo… enquanto sentia o frio a arrefecer-me… havia outros quadros filhos do mesmo pintor mas nenhum como aquele… lembro-me bem… por cima do quadro havia centímetros acima uma luz a iluminá-lo… retratava o quadro um monge ocidental sentado sobre um banco como os que se vêem nos jardins, de braços abertos, com a cabeça encoberta pelo capuz do hábito… a tonalidade da cor em verde escuro e a imobilidade ali patente… fazia-nos ver uma estátua sentado num banco… de uma das mangas pendia uma mão que segurava um leve objecto com que os antigos escreviam, uma pena… talvez fosse um monge copista… talvez um filosofo… procurei a assinatura do autor… Nestares, José Luís Nestares… depois por baixo num plaquinha branca vi o preço… era um preço justo… … seria já perto da meia-noite quando finalmente me decidi separar-me daquele lindo ser inanimado que me dera vida, ânimo e suficiente alento para no dia seguinte voltar a procurá-lo… acredito, se aquele quadro tivesse pernas eu tê-lo-ia seguido… mas não, não tinha pernas de homem nem de mulher, estava suspenso por fios na parede… … o dia seguinte passou-se no Tribunal - um dos locais onde já se tornara hábito passar os dias por lá trabalhar… era estagiário e reconfortava-me saber que tinha um emprego mais ou menos semelhante ao que tivera Nicolau Gogol… já passava um pouco das 17 horas quando ouvi o escrivão dizer-me “que já tinha ganho o dia”… sem mais demoras sai e apressei-me a chegar à galeria… de tão feliz ir por já me imaginar diante do quadro, assim que olhei para a vitrina, senti uma tristeza como há muito já não me acontecia, foi como se ouvisse dizerem-me: ela foi-se embora. O quadro não lá estava, não tinha ido pelas suas próprias pernas, tinham-no levado… … nunca vou esquecer a frustração que foi ler: Vendido! – … de tão desalentado e desanimado nem quis entrar na galeria, convicto que aquele quadro nunca haveria de ser meu por mais que o amasse… … se a sensação de perca dos seres e das coisas amadas levasse ou arrastasse as almas para o completo esquecimento da sua existência viveríamos sem lutos, mas é o contrário que acontece, lembramo-los ainda mais… … já passaram mais de 7 anos desde esse meu amor à primeira vista… … é admirável o sentimento, passados todos estes anos a mais leve esperança de um dia voltar a vê-lo inebria-me de um prazer infinito…