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domingo, 16 de fevereiro de 2014

...os dias felizes em Münster...

  num dia de Outubro, cedo, pouco depois do nascer do sol, caminhava pela Hammerstr quando fui surpreendido e alegrado por um esquilo que, ágil e apressado, descia pelo tronco de uma majestosa árvore; o fruto, havia antes caído e foi rápido em linha recta que ele a ele se dirigiu. Apanhou-o com as patinhas pequenitas, levou-o aos dentes, olhou em várias direcções, depois, acto contínuo, correu para o tronco de outra árvore e subiu-o veloz. Via-o sobre um ramo com o fruto na boca meio encoberto pela ramagem. Ficou ali como que se esperasse que lhe tirassem uma fotografia, depois rápido escondeu-se. Eu perscrutava-o entre aquele emaranhado de ramos e folhas, na esperança de vê-lo. Mas nada, nem sombra.
Sem esquilo, o desalento fez-me decidir a não ficar ali especado a olhar para um esquilo que não via; depois, pensei «se continuar o meu passeio haverei de observar outros noutras árvores»; de facto as árvores eram todas grandes o suficiente para albergar muitos esquilos iguais àquele que eu tanto desejara continuar a ver... Na verdade Münster estava ornamentada de coisas que continuar a vê-las não cansava - as árvores, as aves, os esquilos, as cores das ruas...

  Apresento-vos agora, Marckus Woestmann, o estudante de Filosofia de cabelo ruivo vermelho.
 Eu tocara à campainha do edifício residência de estudantes Universitários dos mais variados países; procurava portugueses. E enquanto esperava que me viessem abrir a porta esta abriu-se e Marckus apareceu. Reconheci de imediato nos traços da sua fisionomia o nobre carácter, a simpatia. Falávamos um com o outro pela primeira vez, mas o modo como falávamos traduzia uma amizade de anos. Alguém que nos visse pensaria: dois velhos amigos. Disse-lhe ser português e filho da mãe Literatura. A esta confissão mostrou-se muito surpreso; perguntou «Mas porque gostas de Literatura?» para melhor lhe responder reformulei a pergunta «O que há de interessante na Literatura digna do nosso tempo?» A resposta exigia que lhe lesse todos os livros que havia lido, ou que discorresse acerca do bem dessas variadas emoções que só a leitura me proporcionara.
 - A Literatura - disse-lhe - é rir, é chorar, é olhar as árvores, é descobrir, é...  - Inteligente como só os raros, influiu que ia dizer… é espírito.
 Perguntou-me se eu não queria dar um passeio com ele; aceitei. Fomos pelos caminhos castanhos que circundavam o lago. De vez em quando éramos ultrapassados por quem na altura concedia ao corpo o supremo bem que advém de correr.
- Correr é nobre, não achas? - perguntei.
- Sim, denota manifestamente uma preocupação com o corpo e com a mente. (...)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

a alteração de humor em consequência de uma rajada de vento

A palavra vento traz-me à memória a ultima noite de Verão do ano de 1998. Fazia uma passeata perto da Bahnhof de Münster, quando, surgindo do nada, vi um indivíduo muito mal trajado vir ao meu encontro. Nessa altura eu já havia perdido os complexos de falar com os vagabundos e as prostitutas; aos primeiros, caso me pedissem algo, oferecia-lhes um pão embrulhado em  palavras fraternas, às últimas falava-lhes sem vergonha alguma de ser visto na sua companhia; era ele um sem-abrigo que outrora viajara por toda a Europa. O que ele me pedira eu não tinha, mas o que eu pensava que não tinha para ele, tinha-o de facto, tempo, afecto até. Ouvia-o e falava-lhe, quando, bem perto, passou, por nós, um homem muito bem vestido - era um Sr. de negócios com a sua malinha na mão. Aproveitando a proximidade, ele pediu-lhe uma esmola, mas em em má hora o fez - O Sr. executivo nem sequer se dignou olhá-lo; foi horrível!
Apercebi-me depois, com o decorrer da conversa, o vagabundo ser pessoa sensível e inteligente; lembro-me vestiamos Tshirts de manga curta quando súbito soprou uma rajada de vento frio que me gelou os braços -  senti pela expressão do vagabundo uma alteração de humor no seu estado de espírito - ficou mais apreensivo! e apercebendo-se ele que eu notara tal, explicou-se:
Há anos atrás  - contou-me - num dia de Outubro, diante das águas calmas do lago senti uma rajada de vento destas levar-me a alma!...
ah pensei, «a rajada de vento frio anunciou-lhe o término definitivo do Verão.»
  (...)Senti fome e voltei a casa, entrei pelas traseiras. Na cave da casa de Frau Baak havia por cima das prateleiras de muitos armários, víveres, frascos de compotas, latas de conserva, muitas das quais com mais de 20 anos, cujos prazos de validade haviam há muito expirado. Sim, já me haviam dito que Frau Baak, a septuagenária, enchera a cave de víveres com medo da fome, mas ouvir tal não me causara grande impressão; foi preciso ver, tocar naqueles frascos frios cobertos de pó...

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

aos meus leitores da Califórnia a New Jersey sem esquecer nenhum

… no sonho de haver entre vós alguns mui ilustres seguidores de tudo o que já escrevi e possa vir a escrever escrevo-vos e escrever-vos-ei de novo. Que melhor sonho poderia acalentar? haver no mundo quem me preze pelas palavras? Sabei, se assim fordes, de meu verbo seguidores, um pouco também do meu ser sereis! Quantas vezes eu em idade jovem ao descobrir um autor que de sua obra gostasse me propus procurá-la a fim da lê-la completa?… foi assim com Dostoievsky com Nietzsche com Cervantes com Proust com Henry Ibsen …
    Soube hoje. Tenho leitores na Califórnia e muitos outros espalhados pelo globo,  - vieram dar-me essa noticia -  um dia sem que tu peças  serás traduzido - a arte das tuas palavras haverá de chegar a quem a aprecie - e melhor que isso, quiçá um dia algumas das tuas construções frásicas transponham a gravidade terrestre e façam luz a um novo homem, envolto pela escuridão do espaço interplanetário!
Já me alegraria ter a prova que as minhas palavras voam de avião… julgo isso possível!, imprimam na Califórnia em New Jersey em São Paulo e venham com elas para Lisboa caros estrangeiros caros conterrâneos.
Inevitável; escrevi estrangeiros e logo a lembrança viajou para "O Estrangeiro" de Albert Camus… Que lição ele nos dá logo no inicio do livro! Permita-me que possa partilhá-la convosco leitor, leitora, são só umas frases, poucas:
 “Hoje, a mãe morreu. (…) Pedi dois dias de folga ao meu patrão e, com uma razão destas, ele não mos podia recusar. Mas não estava com um ar lá muito satisfeito. Cheguei mesmo a dizer-lhe: «A culpa não é minha.»

Interessante! ocorreu-me agora ao pensamento por associação ao livro o Estrangeiro - esta memória - pelo passeio subia uma rua sempre a descer para quem comigo se cruzava, e súbito, uma montra cheia de livros -  e lembrei-me do demónio que segredou ao ouvido de Nietzsche para entrar!… então de tão cativado ser por livros transpus a porta ... lá dentro, em frente das estantes cheias de livros e livros, alguns de autores desconhecidos li na lombada O Estrangeiro e um outro O Assim Falou Zaratustra… capas grossas!... e imaginem a preços módicos… comprei-os, claro! Quando, já em casa os colocava ao lado dos meus outros, questionei-me  «Ficais agora comigo por quantos anos?, depois que morrer onde ireis parar? Irão os meus filhos vender a minha biblioteca, o meu maior património, ao desbarato?,e pior que isso, deitá-los ao lixo… oh deusa Minerva não permitíeis tal afronta!...

… ainda sobre livros, conversava com uma jovem, e sem assunto sobre do que falar, questionei-a se gostava de ler livros, ao que ela me respondeu, “ para você ser inteligente não precisa ter muitos livros!”… eu fiquei apreensivo – até que lhe respondi «para tê-los sim, não preciso ser inteligente, mas para lê-los preciso, preciso de sê-lo!
... Hoje, a minha colega Paula falava à Élia – ontem nem movias os olhos, vinhas cá com uma moca, que droga de comprimido tomaste?!!! Mas hoje estás melhor, vê-se!!
 Disse-lhes eu (para a Élia):
- Precisas de sair da tua esfera de pensamentos, precisas de conviver, de te distrair
- O que mais me distrai é o trabalho!
– Élia, uma vez, um médico prescreveu-me ir ao cinema!, e realmente o cinema fazia-me bem, aliás ainda faz!, sabes Élia a arte tem um efeito muito benéfico, terapêutico mesmo!, preenche-nos no vazio!
- mas eu não sou como tu, não gosto dessas poesias que tu lês - (nessa altura, eu não parava de recitar o verso “A minha cabeça estremece com o todo o esquecimento, procuro dizer como tudo é outra coisa!...”
– mas ó Élia, a arte não é só a poesia. A arte é a musica a dança o teatro a pintura o cinema. Diz-me já pensaste, porque é que os ricos se fizeram sempre rodear pela Arte? Queres saber? porque senti-la lhes fazia bem!... É do que precisas, e agora ainda mais, por que confessas estar desiludida com a vida! sabes, nunca como hoje a Arte esteve tão ao alcance do cidadão comum. Ainda ontem revi os soberbos filmes de Claude Berri: Jean de Florette e Manon des Sources… Falar-te deles Élia, revelá-los, revelar-tos, é dar-te um prémio, aceita-o!...