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domingo, 31 de janeiro de 2010

O porteiro observador

Dos amigos fluentes onde busco o que escrever apeteceu-me buscar ao porteiro aqui do edifício assunto. Mas primeiro vou apresentá-lo. É um homem relativamente novo, anda na casa dos 30 mas já sabe muito. Além do mais para além do seu vasto saber é, ele mesmo o confessa, um grande apreciador de rabos, imaginem. Muito antes de os avistarmos já ele nos avisa. Levanta-se da sua cadeira e vai à porta vê-los passar, parece que os fareja à distância. Conhece-os decore, “e aquele daquela ruiva, meu Deus!, vem ver vem ver!!!! Que horas são? 17horas, está na hora dela sair. Aguarda mais um minuto e vais ver sair daquela porta o rabo mais louco das gajas desta rua! Ai vem ela, vê só!... diz-me lá se eu não tenho razão…” costuma dizer que os melhores são os das advogadas... que se vestem muito bem...
Em conversa comigo sobre os namoricos contou-me que um gajo solteiro deve andar sempre com uma aliança no bolso de modo a poder usá-la caso pretenda enrolar-se com uma casada. Vejamos como me expôs a sua filosofia: O que é que uma mulher casada prefere, um solteiro que a não largue ou um homem casado discreto? O discreto claro; que lhe dê segurança e não ponha em risco a harmonia do lar…Aliás se um gajo como eu apresentável diz que não tem ninguém a uma, o que é que ela vai pensar? Ou que estou a mentir ou que tenho alguma anormalidade… não, eu sou só sou solteiro para as descomprometidas, para aborregadas sou e serei sempre casado. As mulheres precisam de uma segunda pessoa. Aliás agora todas as mulheres querem ter uma segunda pessoa, está na moda. Se não tive a sorte de ser a primeira que seja ao menos a segunda… É preciso adaptarmo-nos aos tempos…Foi aqui que retirou a aliança de oiro branco do bolso de dentro do casaco para à minha frente enfiá-la no dedo anelar… Vês, não me fica bem, não me dá um ar de casado?

a ver o mar

…o beijo estava prometido, por isso de tempos a tempos, acontecia podermos vê-la sentada na areia da praia a olhar o mar, e quem lhe sentisse o pensamento sabia-a envolvida pelo seu aroma, um perfume quente que se dissipava na frescura que lhe trazia o mundo das águas… conhecia bem aquelas águas, com a pele… não fosse ela de aula a aula uma aluna de surf sobre uma prancha… de longe nós víamos a sua silhueta cortar as ondas e desaparecer na espuma… de perto quando se sentava na areia viamos do cabelo preto molhado escorrer fios de água do mar… (...)

sábado, 23 de janeiro de 2010

teatro no msn - diálogos

…penso muito em ti.
Maria diz: E EU NEM SEI EM QUE PENSAR AMIGO

estou preocupado contigo por estares a braços com a tua nova "solidão"
Maria diz: TAMBÉM EU AMIGO

como foi o teu dia ontem quando estiveste em casa??
Maria diz: UMA TRISTEZA

devias ter pensado em mim com a certeza que te quero mimar... vá lá sabes bem que não estás sozinha...
Maria diz: EU SEI... MAS FISICAMENTE ESTOU

fisicamente estás só porque queres - não tens pretendentes e amigos que gostassem de estar na tua companhia?
Maria diz: NÃO

Não me reconheces como um amigo que gostaria de estar na tua companhia?, pois eu gostaria...
Maria diz: EU SEI...MAS NÃO QUERO NAMORADOS OU COISAS PARECIDAS TÃO DEPRESSA

eu tb não quero... mas sei por experiência que para sarar os males da solidão a presença fisica dos amigos é indispensável - e tu parece que rejeitas o que faria realmente bem
Maria diz: PORQUE EU SÓ PRECISOS DE AMIGOS...E NÃO DE QUEM ANDE ATRÁS DE MIM

Só os verdadeiros amigos andam atrás - se não andam é porque não se sentem bem na tua companhia e por isso não te procuram. Eu tenho poucos amigos, sempre que posso visito-os
Maria diz: NÃO É ISSO QUE ESTOU A DIZER... ESTOU A DIZER QUE QUERO APENAS AMIGOS E NÃO GAJOS QUE ANDEM A SAIR COMIGO SÓ PELO INTERESSE DE PODEREM ANDAR OU TER ALGO COMIGO... OS AMIGOS QUE SÓ QUEREM AMIZADE MESMO TAMBÉM GOSTO QUE ANDEM ATRÁS DE MIM

infelizmente sinto-te apenas como uma amiga virtual - mas poderíamos ser amigos reais - ou mais ainda amigos especiais – confidentes. Claro que isso depende de como nos sentiríamos na presença um do outro, mas sem nos encontrarmos não poderemos saber - seria bom que pudéssemos estar presentes e não distantes
Maria diz: VEM VISITAR-ME

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

saudades do Diário de Kafka

cansado da rotina habitual - àquela hora: ir para casa sem desviar um palmo do habitual caminho - estacionei o carro na zona do Saldanha. De antemão sabia que a vida que me esperava no decorrer da pequena fuga à rotina haveria de ser pouco mais que o nada - ainda assim abri a porta do carro e sai. Confesso: mais não desejava do que seria lícito a vida ofertar-me - um pouco de emoção! A sua proveniência agradar-me-ia mais se da interacção com os outros - na livraria Almedina - a emoção de ver uma mulher que por lá encontrasse a ler um livro. Havia por lá algumas. Olhei todas, mas nenhuma, sentadas ou de pé, reparava os raros estranhos que as olhavam sequiosos do tom de uma voz nova. Perdida a esperança, deambulei por ali a ler os títulos dos livros expostos e porque não lesse qualquer titulo original que me tocasse eu também não lhes tocava. Então, quis o destino, a vida, que reparasse na fotografia duma capa. Era duma senhora idosa e dum outro senhor idoso, a Marguerite Duras e François Mitterrand. E mais pela idade deles do que pela fama decidi-me a ler umas linhas. Em boa hora o fiz. Nas primeiras páginas falavam da morte e dos sentimentos que experimentamos quando pensamos nela. E para que os livros ainda valessem pelo brilho das grandes frases este tinha uma que nem um sol. A frase, escrita por uma jovem vítima do holocausto, estava entre aspas e Marguerite referia-se-lhe – usava-a – realçava-a – quando a li eh pá emoção pura. – Receei logo ir-me dali embora sem a levar – tentei decorá-la – parecia-me que seria capaz – mas porque confio pouco na minha memória um tanto quixotesca transcrevi-a para o telemóvel – “O verdadeiro sofrimento é aquele que tememos.” – não precisei de ler mais, aquilo bastou-me. Como vos disse, acho que não peço muito à vida, apenas que não se limite a um nada repetitivo e maquinal.
O que não pude encontrar das e nas pessoas – a emoção - encontrei-a numa frase dum livro. É uma razão mais que válida para se escrever e editar um – espero que não depois da vida - já houve um que o fez -  Kafka -  

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

...a cobiçosa visão esfaimada da exuberante representação da sexualidade humana

sabes amigo o que é sofrer no corpo e alma a tirania da procura da beleza?, é incontornável!
Imagina, entrares num posto do correios e ao olhares para todos os presentes só veres uma mulher, ali, sentada, que desejas acima de tudo vê-la de todos os ângulos, e se possível e realizável, contemplá-la sem pausas, mais que a mais bela paisagem do mundo, e sob este efeito, para o realizares, teres que esperar e esperares, sem poderes mostrar a tua admiração, quereres olhar para ela e olhares para o outro lado, isto por mais de meia hora para a veres levantar, e assim, proporcionares a ti próprio o prazer da observares - e por fim ela levanta-se esplendorosa, e a silhueta e as pernas que já imaginavas lindas, veres como elas ainda são mais escandalosamente lindas, mais do que tu em teus antecipados sonhos supunhas, e como se isto não bastasse para te desorientar, sentes que não conseguirás falar-lhe por receio de lhe mostrares o teu lado mais idiota,  pela comoção de que és vitima. Uns segundos sem a olhares e apercebes-te que ela saiu! Decides pois segui-la… Eu sei lá porquê, para a continuares a ver, quiçá saberes onde mora para a não perderes para sempre. Então segue-la pelas mesmas ruas, apanhas os mesmos autocarros, atravessas meia Lisboa, metade de São Paulo, Londres ou Sydney e para quê?, sabes, para nada! ...  - querias conhecê-la senti-la! e?
Nada! Desalentado, sentes o fim da aventura sem princípio! abandonas por completo todo o esforço e ficas quieto a vê-la pela ultima vez, e que durante meses anos quem sabe para toda a tua vida te recordarás de quanto o nada e o vazio te preencheu...
e perguntas tu? como suportas tu a vida?, pois amigo amigo, quando estou mesmo no limiar da insuportabilidade oiço música amigo oiço música!, um pouco de tudo que tenha poesia!! até o maluco beleza de Raul Seixas ajuda, e apadrinho as artes, aproximo-me o mais que posso...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

na margem do grande rio

na Ásia acordei para a consciência com o pestilento odor quente da vida, o cheiro tingia-me a alma de vermelhos rubros e de castanhos avermelhados da cor da terra. Perto da margem sentia-me molhado pela tonalidade prateada do rio Ganges, e à noite quando escureceu as águas vestiam o luto e  velavam agora os mortos - e seus corpos ardiam sobre as jangadas de troncos que flutuavam no dorso das águas. Olhei para o fundo da minha alma e estava igualo ao fundo do rio, aglomerados de momentos desperdiçados, frustrações em várias formas, porcelanas partidas, muita sucata de sentimentos, ódios amargos, esperanças vãs, sonhos calcinados, irrecuperáveis; tudo isto via a uma luz difusa que escurecia a pontos de me enegrecer por demais o espírito.
Senti-me perigar sem o ar da luz. Urgia vir respirar a luz do dia na noite que estendia escura. Assim que para as constelações olhei, imerso da beldade dos céus, sob as estrelas celestes que reluziam brilhantes - por segundos esqueci a fealdade da minha efémera existência...
Adormecera cansado... e ouvia no meu sono - O estrangeiro veio morrer ao Ganges! Mas não, não tinha ido morrer ao Ganges… não havia chegado a hora…

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

amor à primeira vista

há uns nos atrás a andar pelas calçadas de Braga olhei uma montra - despertou-me a atenção o que estava do lado de lá da vitrina… não era uma peça de roupa de alta costura, tão pouco um sapato de salto alto extremamente sexy, ou as páginas abertas de um livro propositadamente colocado perto do vidro para poder serem lidas, era sim um quadro pintado a óleo… Àquela hora a galeria estava fechada e eu não pude aproximar-me mais do que permitia a vitrina… pensei que seria fácil voltar a vê-lo no dia seguinte, a uma hora em que a galeria estivesse aberta, mas estava tão imerso numa sensação de prazer e de agitação que não consegui arredar dali sem primeiro a esgotar. Estive ali especado a olhá-lo… enquanto sentia o frio a arrefecer-me… havia outros quadros filhos do mesmo pintor mas nenhum como aquele… lembro-me bem… por cima do quadro havia centímetros acima uma luz a iluminá-lo… retratava o quadro um monge ocidental sentado sobre um banco como os que se vêem nos jardins, de braços abertos, com a cabeça encoberta pelo capuz do hábito… a tonalidade da cor em verde escuro e a imobilidade ali patente… fazia-nos ver uma estátua sentado num banco… de uma das mangas pendia uma mão que segurava um leve objecto com que os antigos escreviam, uma pena… talvez fosse um monge copista… talvez um filosofo… procurei a assinatura do autor… Nestares, José Luís Nestares… depois por baixo num plaquinha branca vi o preço… era um preço justo… … seria já perto da meia-noite quando finalmente me decidi separar-me daquele lindo ser inanimado que me dera vida, ânimo e suficiente alento para no dia seguinte voltar a procurá-lo… acredito, se aquele quadro tivesse pernas eu tê-lo-ia seguido… mas não, não tinha pernas de homem nem de mulher, estava suspenso por fios na parede… … o dia seguinte passou-se no Tribunal - um dos locais onde já se tornara hábito passar os dias por lá trabalhar… era estagiário e reconfortava-me saber que tinha um emprego mais ou menos semelhante ao que tivera Nicolau Gogol… já passava um pouco das 17 horas quando ouvi o escrivão dizer-me “que já tinha ganho o dia”… sem mais demoras sai e apressei-me a chegar à galeria… de tão feliz ir por já me imaginar diante do quadro, assim que olhei para a vitrina, senti uma tristeza como há muito já não me acontecia, foi como se ouvisse dizerem-me: ela foi-se embora. O quadro não lá estava, não tinha ido pelas suas próprias pernas, tinham-no levado… … nunca vou esquecer a frustração que foi ler: Vendido! – … de tão desalentado e desanimado nem quis entrar na galeria, convicto que aquele quadro nunca haveria de ser meu por mais que o amasse… … se a sensação de perca dos seres e das coisas amadas levasse ou arrastasse as almas para o completo esquecimento da sua existência viveríamos sem lutos, mas é o contrário que acontece, lembramo-los ainda mais… … já passaram mais de 7 anos desde esse meu amor à primeira vista… … é admirável o sentimento, passados todos estes anos a mais leve esperança de um dia voltar a vê-lo inebria-me de um prazer infinito…

a rejeição

…aconteceu assim: foi vê-la e apresentar-me… acho que a atrai também… se assim não fosse não teríamos aceite jantar juntos… uma jovem mulher de fazer inveja a Vénus e a todas as deusas… acompanhava-nos uma amiga de que hoje não me lembro nada, dela porém tudo … voltamos a reencontrarmo-nos em efémeros momentos infelizmente muito espaçados… eu tão contido nos meus impulsos, sempre refreados pelo medo, fui para ela arrebatado… o arranjo de rosas vermelhas que lhe ofereci… que um velha viu e depois disse –menina isso é amor – não surtiu efeito – algum teve mas não o desejável – aproximei a minha face para a beijar e ela virou a dela – regressei ferido – ainda hoje peso o efeito nefasto que teve sobre o meu ego –tínhamo-nos visto duas vezes… - voltamo-nos a ver mais uma vez – desta vez ela não viraria a cara – deveria ter tentado – mas da primeira vez eu não soubera rir-me da rejeição e por isso não fiz para que houvesse a segunda – o beijo acontece porque antes sonhámo-lo na imaginação – ora eu já não o sonhara mais – como me é difícil perdoar-me por isso – poderíamos ter sido íntimos mas não chegamos - esse facto não me possibilitou dizer-lhe, depois de consumado o acto - «só uma humanidade doente pôde ter chamado a isto pecado»…

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

hi stranger

é no mínimo frustrante constatar da observação do comportamento das pessoas normais como se indispõem tão facilmente se algum estranho as aborda; de imediato o julgam como louco chegando mesmo a temê-lo, a injuriá-lo ou até mesmo a incriminá-lo; não dão tempo a que o tempo, as palavras proferidas, os enquadre na “normalidade” higiénica. Todavia são elas as ditas pessoas normais as primeiras a elogiarem filmes que retractam personagens que na vida real considerariam de loucas, por “invadirem” a esfera da vida alheia e, com a sua energia, preencherem o vazio quotidiano dos burgueses… pois são muitos os argumentos dos filmes onde tudo gravita em torno de um excepcional personagem. A lista é grande, são filmes rentáveis. Vendem. Ora não venderiam se o povo burguês, não os apreciasse. Mistério!, porque gostam de elogiar no cinema os extraordinários comportamentos que repudiam no seu quotidiano? Se se vêem interpelados por um semelhante louco não lhes ocorre jamais que possa ser tão ou mais interessante que a pessoa retratada no filme do realizador tal. Isso não lhes ocorre. De imediato o temem e do mesmo se apreçam a afastar-se, a não ser que previamente o reconheçam como um VIP, ou uma qualquer figura do Jet Set… Mas porque vos falo disto? É que eu e muitos outros eus que são outros que não eu fomos somos e haveremos de continuar a ser exactamente um dessas personagens loucas, que os burgueses não sabem apreciar senão no cinema. Talvez porque sejamos mais loucos que artistas, ou mais artistas que loucos, o certo é que quando interpelamos alguém na rua que desconhecemos totalmente somos alvo de muita hostilidade. As suas expressões e os seus olhos não deixam azo a dúvidas. Então nós afastamo-nos tal qual cão envergonhado, orelhas baixas, olhar baixo e cauda entre as pernas...
Há nas histórias dos filmes europeus ou americanos, uma certa relutância em apresentar o louco sem uma primária justificação. Há quase sempre a preocupação de primeiro anunciar o “Louco”, uma explicação da origem do seu carácter, quase sempre um misto de um destino sócio-infeliz e e de um dom obstinado. Cervantes no seu não menos famoso D Quixote, relata-nos que a sua loucura se devia ao facto curioso de ler, de dia, desde o nascer do sol ao pôr do sol, e de noite, desde o pôr do sol ao nascer, e desse modo, de tanta leitura, lhe secou o cérebro. Todavia é esse mesmo cérebro, seco ou louco, a força de uma personagem que passou para a esfera do real e se tornou tão ou mais real que alguém que verdadeiramente existiu. Resta saber agora se não é legítimo e crível que os loucos não possam sê-lo sem causa ou explicação, porque eu tenho encontrado alguns que o são sem qualquer razão. Não tiveram infâncias traumáticas, não leram demais, não foram vítimas de nenhum erro da natureza, antes foram por ela favorecidos em inteligência e energia. Rotulam-nos dos “Nervosos”, dos que acordam mais cedo do que a vida, dos que aceleram as frases e os actos, pela sua busca incessante do prazer na vida, cientes da sua brevidade. É por eles e pela humanidade que aqui levo a minha embaixada, porque eles são, e haverão de ser, sementes que dariam muito fruto se o mundo os soubesse cultivar. Todavia caiem mais das vezes no valado improdutivo de onde raramente saem pelos seus próprios meios; estendem eles a mão a quem passa perto do curso das suas vidas… cansados de ouvir dizerem-lhes terem dentro de si as forças que não sente… salvam-se mui poucos… a ousaria dizer aqueles a quem uma musa generosa lhes agarra a mão...

sábado, 9 de janeiro de 2010

Humor infantil

O Andrew é um menino de 4 anos felicíssimo quando, ao fim da tarde, dá um passeio a pé ou de bicicleta com o avô; no trajecto pede-lhe para irem ver a Estação dos comboios que se situa, por detrás de uma fileira de casas; durante a passeata aproveita para confraternizar com os estranhos com quem se cruza; se vai a pedalar trava, pára a bicicleta, desce sem pressa dela, dá uns passos, olha para cima para os senhores e dá-lhes um olá sorridente; As pessoas, surpresas, por alguém tão pequenino lhes prestar tanta atenção não resistem a falar-lhe e é assim que ele em poucos dias tem conquistado verdadeiras amizades; a do Sr. Bento o comerciante da drogaria da esquina, septuagenário, e a do Sr. que costuma estar no passeio da rua, sentado na cadeira de rodas, por em consequência de um grave acidente na linha férrea, em vez de pernas ter somente dois cotos...
O avô em casa conta animado a quem o ouve, e a mulher escuta-o enquanto descasca umas batatas:
- Sabem, o Sr. Bento, o dona da drogaria da esquina, gostou tanto do Andrew que até lhe ofereceu um Shampoo para crianças, dos que não arde nos olhos... Nem acreditei, logo o Sr. Bento que não perdoa a ninguém um cêntimo....

 O Andrew adora ver os comboios...
 e o avô fala-lhe como se ele já entendesse tudo:
-   As carruagens com tons de verdes, ou em tons de azul, são os Intercidades, comboios que param apenas nas estações das principais cidades de Portugal; Os brancos e vermelhos são os Alfas, comboios muito rápidos que fazem o trajecto de Lisboa ao Porto em poucas horas, os outros são os "novos" comboios Regionais,  alcunhadas hoje de Lili-Caneças(1) e que são na verdade as antigas triplas, carruagens auto-motoras eléctricas reconstruidas....

O Andrew sabe-lhe os nomes de cor, e assim que avista um a passar na linha férrea aponta para o comboio e diz para quem estiver ao lado...
– Olha o comboio verde, é o Intercidades!
As pessoas acham-lhe graça por ele ser tão pequeno e conhecer tão bem os comboios...
- Avô olha o comboio!, é o Alfaaaaa... olha... olha...
Em casa se ouve algum comboio a passar corre para a janela e grita:
- Avó é o Intercidades! vai para o Porto!
E depois corre para sala para continuar a brincar com os carrinhos... Olha para televisão e grita..
- Não quero ai! Quero o PANDA...
- Não Andrew, o avô quer ver o telejornal! Estavas a brincar com os carrinhos, já não estavas a ver os desenhos animados... –
- Não gosto de ti... Não gosto de ti!... Não venho mais para esta casa... Vou-me embora... - E depois de abrir a porta, sai do apartamento e sobe pelas as escadas do prédio acima a repetir zangado a mesma ladainha: «Não gosto de ti! Não gosto de ti!» - Cruza-se com a vizinha Dona Florinda que vinha a descer e esta pergunta-lhe:
- Não gostas de mim Andrew?
- Nãoooo! De ti gosto, não gosto é do meu avô e da minha avó!
- Estás é com o soninho!
- Não estou nada!!...
Mas a melhor peripécia dele contou–me o avô.
 -Aconteceu ontem. Tínhamos saído de casa, e a poucos metros da porta do edifício, cruzamos com o homem sentado na cadeira de rodas, - sabemos a história - foi vítima de um acidente muito grave na linha férrea; com a pressa caiu para debaixo de um comboio; sobreviveu mas os médicos amputaram-lhe as pernas. Cruzamos com esse Sr, que assim que viu o Andrew, chamou-o «Andrew vem cá!» - O Andrew aproximou-se. A certa altura o Andrew começou apontar com o dedito indicador para as pernas cortadas acima do joelho do Sr. e a perguntar-lhe o porquê daquilo ....
- Andrew!!- gritei-lhe! - «Deixe, deixe é uma criança... Olha Andrew eu explico-te, foi o comboio, cai para debaixo dele e cortou-me as pernas...
- Foi o comboiiiiiii?!
- Foi!
- Foi o Alfa ou foiii o Regional???


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(1) alcunha dada a uma Srª do Jet-Set, muito amiga de fazer plásticas

Agostinho da Silva, excertos - Raul Seixas

https://www.youtube.com/watch?v=KhEQp-KtAi0

http://www.youtube.com/watch?v=8OxlAOvAmZk


«Meu caro amigo: Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim; pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles forem meus, não seus. Se o criador o tivesse querido juntar a mim não teríamos talvez dois corpos ou duas cabeças bem distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.»
Agostinho da Silva

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Um caso real de desejo.

Ele e ela.
Eram quase vizinhos e digo quase porque poderiam viver paredes-meias, não fosse viverem em ruas diferentes porém muito próximas. A consequência desta relativa proximidade e os horários de trabalho semelhantes levava-os a verem-se diariamente quando acontecia deslocarem-se a pé pelas mesmas ruas em direcção ao Metro, ou no regresso a casa. Caminhavam dir-se-ia lado a lado, outras, um no encalço do outro e a consequência destes coincidentes trajectos era: para ele, o êxtase visual, justificado pelos encantos visíveis e invisíveis dela, sentia-os ele mais insinuados pela roupa justa que cobertos; saber onde ela tomava o cafezinho da manhã, reconhecer-lhe o sonoro tok tok dos seus saltos altos; e, por ultimo, uma vontade inexorável de a conhecer. Chegou mesmo a vestir-se de castanho por constatar que ela vestia muito roupas castanhas. Mas não resultou, ela nem para ele olhava; desprezava-o quanto mais lhe conhecia o desejo nos olhares. Se ele se aproximava, meio encoberto pela multidão, ela, assim que o notava, afastava-se. Apercebia-se ele disso mas em vez de ficar triste pesaroso e cabisbaixo, proferia a seguinte frase, que para ele era um divisa motivadora: “Acolhe-me no Inferno!”
Já ela por ser uma mulher muito assediada aprendera cedo a reconhecer os homens a evitar, bem como a rotular a maioria, pela insistência dos olhares, de tarados. Adquirira muita prática nesses apressados juízos de valor e não supunha que pudesse uma ou outra vez enganar-se. Avaliava todos pela bitola mais baixa e muito raramente olhava um. Quem a conhecesse diria dela: uma mulher cheia de curvas, muito recta. Na verdade não dava confiança aos homens, nem aos tímidos nem aos ousados e não fosse mesmo as curvas a trair-lhe a fleuma jamais a cobiçariam…
Acreditavam alguns que havia ali muito fogo ardente, e o seu vizinho não era excepção. Esta brasa de mulher inspirava nele desejos iguais aos da maioria, mas porque a via mais que os restantes – quanto mais perto da vista mais perto do coração - experimentava por ela um misto de adoração e de repulsa, sentimentos estes aparentemente antagónicos, porque quanto mais ele se mostrava interessado mais ela o ignorava e desprezava…

A desgraça chegara. A sorte do homem ia de mal a pior, andara anos triste por se achar pobre e agora que pensava que ia ser promovido, auferir um pouco mais, continuar a pagar o empréstimo da compra da casa, comprar um novo carro, acreditar finalmente na conquista da mulher dos seus sonhos, fora chamado ao gabinete do chefe.
- Olhe ali o quadro, está ver esses pionés espetados no mapa da empresa? Retire o do meio, está a mais, já não nos faz falta…
- Que quer dizer chefe?
- Não percebeu, olhe bem para o pionés que retirou do mapa, sim esse, é você!, Está despedido!
Já cá fora, a sós, voltou a olhar para o pionés e viu o quanto era insignificante.
- Anos e anos a trabalhar e não passei disto! - dizia.
Lamentava-se: Adeus emprego!, casa!, carro!, mulher!

Nesse dia poderia ter começado a beber! e ou a drogar-se, mas não, o apelo dum instinto mais forte levou-o a desfolhar as páginas dum jornal diário. Lera “Casa de meninas. Massagens. Zona do Marquês de Pombal! 961234512”; pegou no telemóvel!
- Sim o senhor está onde?... Está perto! Sim pode vir por essa rua, quem sobe! É no número 467, 4º Drt. Quando chegar toque à campainha. Tem elevador…
À porta do edifício o homem desempregado sentiu a diferença, habituado aos prédios antigos do Intendente, às escadas íngremes de madeira. Lembrou-se com saudade do tempo em que as jovens nigerianas do Intendente o costumavam assediar. Uma delas - lembrou-se – inclusive, chamou-o da varanda para descaradamente lhe mostrar o que tinha para lhe oferecer, levantando a mini-saia… Alegrou-se de ter recordado esse episódio... Ainda hoje se perguntava porque é que não aceitara o convite... foi lá dias depois, mas ela - disseram-lhe - tinha ido para Espanha...
Carregou no botão do elevador e apreciou a suavidade da ascensão, sentia-se subir para o céu…
TRIMMMM
TRIMMMMMM!!!!
Uma senhora corpulenta na ternura dos quarenta veio abrir-lhe a porta, pareceu-lhe ser a patroa. Vestia um roupão vermelho, apertado à cintura por um cinto da mesma cor.
- Vim por causa do anúncio…
- E fez muito bem em vir… Faz favor de entrar… Esteja à vontade... Pode sentar-se no sofá… Quer beber alguma coisa?...
- Não vim propriamente beber… - disse num tom de voz sorridente…
- Eu sei eu sei, veio ver as meninas. Vejo que vem bem humorado… Certamente, a vida corre-lhe bem… Olhe está com sorte, estão cá as meninas todas e nenhuma está ocupada… Até me admirei de hoje não me pedirem uma folga… São excelentes profissionais, gostam do que fazem…
- É bom! é bom! E os preços…
- 40 euros tudo, uma hora no quarto.
- Óptimo!
- Quer ver as meninas uma de cada vez ou prefere que venham todas juntas?
- Todas juntas!
- Então espere aqui um bocadinho, vou buscá-las …
Durante a espera o nosso homem sentado no sofá, questionava-se «Serão novas? Serão todas boas? Quanto é que me importará um show lésbico?»
Súbito vê entrar na sala a patroa.
- Elas já vão desfilar, espero que lhe agradem… Entrem meninas, entrem!
O homem recostou-se para trás e endireitou as costas…
Uma a uma viu-as entrarem na sala muito bem vestidas. A de fato era a executiva, fazia-se passar por advogada… A que vinha de branco era a enfermeira… uma terceira vinha vestida com uma farda da P.S.P…. outra de coelhinha da Playboy… e súbito o homem teve como que um desfalecimento, turvou-se-lhe a vista… sem querer acreditar viu, entre as cinco, a vizinha – não podia ser verdade, mas era - estava vestida de freira… e não havia dúvidas, ela também o reconheceu…
O nosso homem podia ter-se acabrunhado, mas não se acabrunhou. Apontou para a vizinha e disse alto para a madre superior:
- QUERO AQUELA!
A vizinha ainda esboçou um olhar de clemência, ou melhor de dispensa, para a madre superior! que sempre sentia prazer em obrigá-las a trabalhar... De nada lhe valeu. A patroa dirigiu-se a ela, agarrou-a pela mão e levou-a a ele…
- Aqui a tem! … Durante uma hora é sua. Olhe que o tempo passa depressa! Desfrute-a! Em caso de algum descontentamento tem direito a escrever no livro amarelo – depois segredou-lhe ao ouvido «Escolheu bem! Essa é uma profissional!»

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

no trem

achei-a atrevida logo à primeira impressão pela exuberante grandiosidade estética das curvas das suas pernas - nuas e totalmente descobertas até à mini-saia branca - todos os presentes haviam pregado nelas o olhar - eu pelo contrário mostrava total indiferença - entretanto o comboio proveniente de Madrid chegou à estação e depois de alguns passageiros saírem todos nós entrámos a correr para nos sentarmos nos lugares vagos - a minha preferência não era um qualquer lugar vago - não foi por acaso que me sentei ao lado do alvo da minha falsa indiferença - olhava para ela e estudava pela posição do seu corpo se estaria interessada na minha pessoa - se me desejaria conhecer - as pernas viradas para o lado oposto ao meu, diziam-me que não - esperava que ela me olhasse - mas nada - eram ainda seis da manhã - vi fechar-se-lhe os olhos - bocejar umas ou duas vezes e depois adormecer - se eu pudesse acordá-la, pensava eu - as minhas mãos estavam quentes - ela nem as sentiria - mas minutos depois porque também o meu sono fosse muito, não obstante o prazer de olhar-lhe para as pernas, contrariado adormeci profundamente - acordámos uma hora depois sobressaltados lado a lado com o solavanco dado pela energia contida nas suspensões do comboio proveniente de Madrid depois de haver freado na estação de Lisboa-Oriente - olhamos um para o outro e eu disse-lhe: Agora já não pode dizer que nunca dormiu comigo.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Carta de amor

 passara o tempo em que ainda subia às oliveiras....
 o nevoeiro húmido da noite em Vila Real lembrava a neblina densa nas manhãs de Inverno para a qual eu criança olhava vidrado, por me revelar algo que parecia ver pela primeira vez...
   a neblina nocturna amarelada pela luz dos candeeiros diria que esperava...
  tudo esperava
  o menino, o avô ...
 as pessoas saudosas, os amigos...
... eu, a simpatia da bela jovem para quem olhara cativado... .
 já a olhava sem pestanejar, quando por mérito da proximidade, cumprimentá-mo-nos...
falávamos e depois de uma pequena pausa  a jovem mulher exclamou
- «Não me olhes assim! Não gosto que me olhes assim!»...
  pensei - «perturbou-a ver-me nos olhos o êxtase estético que ela própria provocava»
 ... mas esgotando-se as razões de permanecermos ali em companhia um do outro e ocultando eu a mais profunda - a fruição contemplativa da sua feminina figura - despedimo-nos.

 .... todavia fosse pelo tom de voz com que disse
- Não me olhes assim! Não gosto que me olhes assim! -  fosse porque eu não conseguia mesmo evitar escrever, na manhã do dia seguinte, em torno daquela frase e relembrando retalhos da minha infância, escrevi-lhe uma carta...

 ...depois de ouvirmos tocar a campainha, era com imenso prazer que eu e minha irmã rápidos descíamos os degraus três a três para ir beijar minha avó que chegava. Enquanto descia as escadas aos saltos, sempre com os olhos postos nos degraus, gritava para mim mesmo «É a avó! É a avó!» O último salto era para os braços da minha avó... Essa mesma avó que abria a porta da coelheira para eu ver os coelhinhos, que só apetecia agarrar, a quem eu logo dizia «Avó apanha-me um.» Não precisava de lhe pedir outra vez; ela, estendia os braços e os coelhinhos, todos muito juntinhos a olhar para nós, de repente saltavam em todas as direcções e uns por cima dos outros. Todo aquele movimento cessava quando minha avó apanhava um. Eu não reparava em mais nada, só no coelhinho; podiam as galinhas fazer muito barulho, os patos grasnar, o cão ladrar, nada fazia com que eu retirasse os olhos daquele coelhinho. Jamais um deles me disse:
- Não me olhes assim! Não gosto que me olhes assim!”.
 Eu não reparava em mais nada, mas minha avó reparava, reparava na aflição com que a mãe coelha olhava para nós. «Pronto, pronto! – dizia-lhe minha avó, libertando-o – aqui tens o teu pequenino! Nós não lhe fizemos mal.» E ficávamos todos a vê-lo voltar para ao pé dos seus, eu, a minha avó, a coelha cinzenta e os seus irmãos. Depois de olhá-los uma última vez minha avó fechava a porta e abria uma outra, contígua, mas de uma outra casinha, a do coelho da semente.
 -Avó este é muito grande. Ó vó tu não matas este?
- Este não filho, este é o coelho da semente.
  Eu percebia por coelho da semente aquele que minha avó nunca matava...
- eu nem sabia o porquê.. cheguei a cogitar que a minha avó gostasse mais dele que dos outros...
... porque os outros ela matava.
 Eu não gostava que se matasse os coelhos, mas via muitas vezes minha avó matá-los.
 Ela fazia assim: agarrava-os pelas patas traseiras com a mão esquerda, depois. levantava o braço direito e cerrando os dentes descia-o atestando com força uma, duas três ou quatro pancadas de mão fechada na nuca do coelho, atrás das orelhas, e só depois o punha no chão meio morto...
 Eu tinha pena deles e agachava-me para lhe fazer festinhas... Se minha avó me via a fazer-lhe festinhas repreendia-me logo.
- Deixa-o, ele assim nunca mais morre...
 Eu obedecia-lhe, levantava-me e ficava a olhar para o coelho.
- Coitadinho! Coitadinho!
Repreendia-me outra vez minha avó.
- Não lhe chames coitadinho! Ele assim demora mais tempo a morrer...
Não era mentira o que a minha avó dizia, bem sei hoje que não há nada com mais efeito positivo sobre os seres como o fazer-lhes festinhas ou falar-lhes com palavras meigas...

 ... e assinei a carta.

  mas hoje à distancia de mais uma década, relembrando aquela noite, vejo que no tempo em que ali deambulava à espera, eu procurava sobretudo, acima de todos os compromissos e deveres, marcar um encontro com um tempo em que escreveria as histórias de vida das pessoas, seus desejos e sonhos...