Translate

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Alfredo Marceneiro, revisitado

... a andar pelas ruas de Lisboa, desde a Rua do Carmo até à estátua do Pessoa, notei o que já não sentia há anos, o prazer de olhar para a diversidade das pessoas e dos seus rostos… subia num passo lento e vagaroso quem sabe para ver com mais atenção quem por ali andava, quando oiço alguém em lugar discreto a cantar baixinho ali perto… olhei para a direita e ouvi uma sexagenária encostada a uma parede a cantar um fado… apesar da idade a voz era límpida!, e disse-lhe – canta muito bem! – continuei a andar para não lhe incomodar o canto…… um minuto depois vinda de trás diz-me ela em voz alegre ao passar - obrigado, pelo seu elogio!-Olho-a com atenção e penso, “esta mulher tem muito para dizer - vou falar com ela!” –  alcanço-a em poucas passadas e ela vendo-me dispara a falar: - Olhe foi muito bom saber que gostou de me ouvir. Sabe, cantar é o meu destino, mas cantar não foi o meu destino, e se eu lhe dissesse que aos 24 anos cantei no Coliseu, fiquei em 6º lugar pela Moraria!, mas naquele tempo custava-me tanto cantar em público, tinha tanta vergonha!, Ainda pensei voltar a cantar, depois de ter o meu filho! Mas já trabalhava! Fui administrativa! Os meus irmãos tantas vezes me pediam – Vai cantar!! Ai tinha tanta vergonha. Como eu mudei! Agora não tenho! Canto na rua! Não me importo que pensem que sou louca, quem pensa que sou é que é louco! Eu venho para aqui mesmo porque gosto de cantar! Quando canto vivo o momento! Depois puxou-me por um braço para uma rua menos iluminada e disse-me:- tenho 68 anos mas a minha voz não o diz!, não lhe parece que tenho uma voz mais nova? - parece sim!- sabe porquê? por três coisas! Não fumo! Não bebo e não faço noitadas. Escute. Veja se conhece este fado do Alfredo Marceneiro.- depois voltando a agarrar-me o braço encetou a cantar estes desconhecidos versos...


Fui de viela em viela
Numa delas dei com ela
E quedei-me enfeitiçado
Sob a luz dum candeeiro
Estava ali o Fado inteiro
Pois toda ela era fado

Arvorei um ar gingão
Um certo ar fadistão
Que qualquer homem assume
Pois confesso que aguardei,
Quando por ela passei,
O convite do costume

Em vez disso, no entanto,
No seu rosto só vi pranto
Só vi desgosto e descrença
Fui-me embora amargurado
Era fado, mas o fado
Não é sempre o que se pensa

Ainda recordo agora
A visão que ao ir-me embora
Guardei da mulher perdida
A pena que me desgarra
Só me lembra uma guitarra
A chorar penas da vida

assim que acabou de cantar passou a explicar-mo a canção - e referindo-se à letra disse - ela que ele encontrou era uma mulher da vida... " aguardei...  O convite do costume"... já entendeu? - e continuou explicando-me com um entusiasmo raro cada verso da letra - versos que nunca ouvira - mas como haverei de vos dizer, a arte mais cedo ou mais tarde vem ter com os artistas...
 
 

Sem comentários:

Enviar um comentário