"(...)Em 1979, António José Saraiva rompeu com o regime saído do 25 de Abril. Defendia que como não se fizera a liquidação do anterior regime e o apuramento de responsabilidades, nos crimes da PIDE, nos crimes da guerra colonial, nas suspeitas de corrupção, que o regime do 25 de Abril era uma continuação, sob outras vestes, do salazarismo e marcelismo.
Escreveu num artigo demolidor, intitulado O 25 de Abril e a História: "Em resumo, não se fez a liquidação do antigo regímen, como não se fez a descolonização. Uns homens substituíram outros, quando os homens não substituíram os mesmos; a um regímen monopartidário substituiu-se um regímen pluripartidário. Mas não se estabeleceu uma fronteira entre o passado e o presente.
Os nossos homens públicos contentaram-se com uma figura de retórica: "a longa noite fascista". Com estes começos e fundamentos, falta ao regime que nasceu do 25 de Abril um mínimo de credibilidade moral. A cobardia, a traição, a irresponsabilidade, a confusão, foram as taras que presidiram ao seu parto e, com esses fundamentos, nada é possível edificar.
O actual estado de coisas, em Portugal, nasceu podre nas suas raízes. Herdou todos os podres da anterior; mais a vergonha da deserção. E com este começo tudo foi possível depois, como num exército em debandada: vieram as passagens administrativas, sob capa de democratização do ensino; vieram "saneamentos" oportunistas e iníquos, a substituir o julgamento das responsabilidades; vieram os bandos militares, resultado da traição do comando, no campo das operações; vieram os contrabandistas e os falsificadores de moeda em lugares de confiança política ou administrativa; veio o compadrio quase declarado, nos partidos e no Governo; veio o controlo da Imprensa e da Radiotelevisão, pelo Governo e pêlos partidos, depois de se ter declarado a abolição da censura; veio a impossibilidade de se distinguir o interesse geral dos interesses dos grupos de pressão, chamados partidos, a impossibilidade de esclarecer um critério que joeirasse os patriotas e os oportunistas, a verdade e a mentira; veio o considerar-se o endividamento como um meio honesto de viver. Os cravos do 25 de Abril, que muitos, candidamente, tomaram por símbolo de uma Primavera, fanaram-se sobre um monte de esterco." Um texto actualíssimo, como se vê.(...)"
by Paulo Gaião, In Expresso, 27 de Julho de 2012
by Paulo Gaião, In Expresso, 27 de Julho de 2012
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