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segunda-feira, 19 de julho de 2010

continuação do anterior, leiam o outro primeiro

... a escuridão envolvente fazia dele um vulto, protegia-o, mas não lhe facilitava a realização do seu objectivo - que era ver a noiva - não obstante conseguira reconhecê-la... a ideia de atirar pedrinhas surtira efeito… haveria agora de conseguir falar-lhe! e se não o conseguisse a algum fim haveria do levar… o importante era não ser descoberto… e para que o não vissem, preferia os pequenos atalhos a ir pela estrada… e tendo apenas oliveiras que o ouvissem dizia «É o nosso segredo! … ainda não sabe quem lhas atira! nao sabe quem sou! mas deseja saber!
… vou esperar que haja luar para tornar a revelação mais romântica…» … pensasse ou não que pudesse daqueles actos nada retirar, a verdade é que sentia-se melhor e regressava a casa mais animado…
…durante a caminhada que era de 5kms sentiu fome pelo que decidiu fazer uma paragem para se alimentar de pão quente. A porta da padaria estava encostada e vinha de lá de dentro uma luz amarela e um cheiro apetitoso a pão. Empurrou com cuidado a porta como um gato a entrar a medo em casa alheia… e apercebendo-se que não havia ninguém gritou:
- Ó da casa!, posso entrar?
- Entre! Passe o balcão. Estamos aqui…
- Boa noite.
- Boa noite.
- Luís não me arranjas pão quente?
- Está para sair a primeira fornada. É mais 5 minutos… há muito que não te via… Vieste de casa até aqui? para comprar pão?
- Sim! Estava com insónias! Quem é que consegue dormir de barriga vazia?
- Mas não tinhas em casa nada para comer?
- Tinha claro. Mas apeteceu-me pão… Parece que é a primeira vez…
- Não é a primeira vez, mas como há tanto tempo não aparecias…
- Agora vou começar a aparecer… Quero 4. Quanto é?
- Deixa lá… Pagas para a próxima…
- Obrigado.

…em redor da mesa da cozinha da família da noiva o pai olhava para a filha com atenção, como se quisesse ler-lhe o pensamento.
- Pareces mais feliz hoje… é da aproximação da data do casamento?
- Não pai! O casamento ainda vem longe. É só para Janeiro do próximo ano.
- Já me esquecia que para os jovens o tempo passa mais devagar. Ontem à noite não ouviram uns barulhos? Ia jurar… arremessaram alguma pedra contra a frente da nossa casa…
- Eu não ouvi nada. – Disse a noiva!
- E tu Maria?
- Também não ouvi nada.
- Estive mesmo para me levantar…
A noiva engasgou-se a beber a caneca de leite!
O pai olhou-a com incisão, pressentindo haver por ali qualquer coisa…
- Macacos me mordam se aqui não há gato…
Havia. Era o Tareco. Acabara de assomar-se à porta e entrar.
As filhas e a mulher riram-se.
- bichuuuu bichuuuu (era assim que chamavam o Tareco quando lhe queriam dar qualquer coisa de comer) A cauda espetada no ar percorria o curto trajecto da entrada da casa até à mao dos donos...

1 comentário:

  1. "...
    - Estive mesmo para me levantar…
    A noiva engasgou-se a beber a caneca de leite!
    O pai olhou-a com incisão, pressentindo haver por ali qualquer coisa…
    ..."

    Sr. Escritor,

    Adoro essa noiva!

    "Monalisa"

    Nada óbvia... está prestes a casar-se e se preocupa com um vulto q lhe joga pedrinhas contra a sua janela à noite! Seria o vulto mais instigante do q o seu noivo? Seria a sua vida um vulto e as pedrinhas foram a sua epifania? Um vulto q esclareceu as suas dúvidas? Quem quer saber? Ninguém, mas o q gostei muito nesse fragmento q citei é a dualidade da noiva... ela se engasga por receio d revelar a malícia q conhece bem... e o melhor é q se engasga com leite! O tão simbólico, pueril e materno leite. É como se ela se engasgasse com a própria inocência, ou melhor, como se a inocência lhe escapasse sem q ela houvesse percebido e assim no susto a nova face se revelasse... poderia ter sido chá, café, água... mas o q não engoliu bem foi leite...
    Quizá o nobre escritor nem tivesse essa intenção, talvez seja apenas mais um devaneio meu, mas foi peculiar esse texto q a priori é tão inocente e tão humano.

    Impressões de um Girassol...

    P.S.: Esse texto tem uma elegância peculiar... gostei do estilo, do tom e especialmente do enredo. Preciso confessar q a minha respiração fica suspensa com medo do q virá... a sua mente é fértil demais!!!

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