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segunda-feira, 12 de julho de 2010

de um amor e da sua revelação original

...esta é a sua história: vamos vê-la rodeada de terrenos de oliveiras, separados por muros de pedra empilhada até um pouco mais que a altura dum joelho, e de casas dispersas, ligadas por vários afluentes de um caminho maior, poeirento no Verão mas muito escorregadio e lamacento nos dias de Inverno… fazia frio e chovia muito! Os gatos recolhiam-se para dentro das casas, ficavam virados de costas para nós de olhos fechados a olhar o fogo da lareira. À noite adormeciam no calor do borralho, da cinza quente e acontecia, por se aproximarem tanto, queimarem-se. Ao lado deles estava a chamuscada cafeteira de água quente com que a minha avó escaldava a loiça e as penas das galinhas para se arrancarem melhor…
nas outras casas havia outras lareiras e outros gatos, e numa outra casa, além dos gatos, segundo os registos da época, fotos, alguns documentos e outras tantas cartas, vivia a mulher mais bela da aldeia. Dos 16 para o 17 noivara e os respectivos pais, futuros compadres e comadres, tratavam de saber da data. Seria então Janeiro um mês frio muito quente!
– Não vão ter frio!! – dizia a comadre Joaquina da aldeia da Brogueira, que dista da Azinhaga do Ribatejo uns 15 Kms…
Todavia o Verão estival ainda decorria.
Os homens acorriam aos bailes para ver a mulher! e falavam.
- É mais bonita que mulher do tio João!
- Muito mais…
- Pena já estar noiva…
- Está noiva do filho do padeiro que também é padeiro
- Que sortudo! Vai amassá-la!
- É uma boa farinha…
- Dizem que o filho do taberneiro também gosta dela.
- Ah sim!?
- Coitado do homem, quando lhe disseram que ela estava para casar, correu para a adega do pai e nessa mesma noite esvaziou-lhe uma pipa de vinho. 500 litros.
- Pode lá ser…
- Ia morrendo.
- Dizem que anda louco.
- Ah sim!
- Sim!, Em vez de se deitar e dormir, sai de casa de noite. Ninguém sabe para onde vai, regressando sempre tarde!

(…) (continua…)

…Na cozinha da casa do Chefe da estação/apiadeiro dos Riachos, os gatos continuavam a olhar de olhos cerrados para a lareira. A filha, por volta das 9 da noite ia para a cama. Nesse tempo não havia electricidade. À noite havia um candeeiro a petróleo para alumiar o caminho da cozinha até ao quarto e os livros. A noiva sabia ler e lia-os emprestados de um tio revolucionário dono de uma grande biblioteca. Livros “impróprios” que a faziam sonhar para lá das encostas da serra da Aire, com o mar da Nazaré, com pescadores e marinheiros. O pai mandava-a apagar a candeeiro, avisava-a que teria que se levantar cedo no dia seguinte! A noiva assoprava a chama dançante e depois esperava. Assim que sentia os pais a dormir, voltava a acender a mecha do candeeiro, amenizava a luminosidade baixando-a e recolhia à leitura...
ora aconteceu, numa dessas noites de leitura, ouvir um som seguido de um outro som, um bak seguido de um tic. Estranhou o som, mas não fez caso. Pouco depois ouviu de novo mais do mesmo. E ficou de ouvido alerta. De novo. Porém desta vez ouviu que o som vinha da janela. Estava bastante frio no ar do quarto, todavia a curiosidade, o querer saber a razão daquilo moveu-a da cama. Aproximava-se da janela quando ouviu e viu uma coisa bater na vidraça, era uma pequena pedra. Alguém de facto estava a atirar pedras à sua janela. Mas quem seria? Apagou a luz para não ser vista de fora e aproximou-se da vidraça afastando a cortina rendilhada. Distinguiu um vulto dum homem curvado sobre si como se procurasse alguma coisa no chão. Olhou mas não viu nem descortinou quem pudesse ser.
«Está maluco o homem. A estas horas! Quem será?! E não pára!»
De facto o arremesso das pedrinhas durou mais de 10 minutos, tempo este passado pela noiva de pé na vã esperança de saber quem era o endemoninhado. Ajudada pelo frio do quarto conclui depressa que não iria lograr saber por a noite estar muito escura, e voltou à cama. Ainda contou mais 5 minutos de pedrinhas a bater na vidraça… por fim pararam. «Já se foi embora. Anda bem! Se fosse contar ao meu pai, ele matava-o!»
Na manhã seguinte a noiva quando saiu de casa reparou numa coisa que ninguém tinha reparado. Num aglomerado semi-disperso de pequenos seixos que se tinha formado debaixo da janela do seu quarto. Assim que os viu foi buscar a vassoura e varreu-os para longe, não sem esboçar um sorrisozinho…
Na noite seguinte, o ritual da leitura voltou a suceder como sempre sucedia. A futura noiva apagou o candeeiro e voltou pouco depois a acendê-lo. Já ia avançada a noite quando uma pedra se fez ouvir estalar ao embater na vidraça. Assoprou para o candeeiro duas vezes e lesta da cama, sem sequer calçar os chinelos, correu para a janela e olhou para o escuro lá de fora e viu, julgando a estatura do vulto, que só poderia ser o mesmo endemoninhado. Todavia por mais que encostasse os olhos à vidraça não conseguia destrinçar quem era. Não havia luar que a ajudasse, não havia como ver…
Voltou para a cama e quase se ouvia o pensamento dela « Senhor manda-o embora antes que ele acorde o meu pai.» 5 minutos depois Deus fez-lhe a vontade.
Nessa manhã ao ver as pedras, uma aqui outra acolá, em vez de as varrer, juntou-as e encostou-as num cantinho. Ao anoitecer voltou a elas e colocou-as todas num montinho a dois passos da janela. A ideia era que ele não de demorasse a procurá-las, que as visse, as atirasse depressa e se fosse embora. Mas como o destino raramente acontece como a gente o pensa, ele nessa noite não veio… Desta vez, a noiva custou-lhe assoprar a chama que queria acesa…

(continua…)

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