Translate

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

... comer por obrigação

Quem não compra, não transporta e não cozinha os alimentos vive muito menos tempo na presença dos mesmos. Para ganharmos a real consciência de que eles existem nada como sair de casa para os comprarmos, nada como os transportarmos, (quanto mais pesado for o saco mais consciência), nada como os prepararmos e cozinharmos.
É o que me acontece agora, sou eu que os compro, transporto, preparo e cozinho. Ainda anteontem, comprei uma perna de peru. Trouxe-a para casa; firmei-a contra o tampo da mesa e servindo-me de uma faca e dos dedos comecei a descarnar o osso. A faca não cortava por ai além; eu debatia-me por conseguir separar a carne do osso. O frio dos músculos da carne da perna de peru refrigerada vencia aos poucos o calor do sangue das minhas mãos; passado algum tempo o frio já não era os músculos da perna do peru, era dentro das minhas mãos, dentro dos meus dedos, nos ossos e na carne.
Talvez esse frio cortante haja contribuído para que eu me relembrasse do que já muitas vezes pensara do indesejável na vida do homem: esta necessidade premente de comer.
Então, na altura em que descarnava o osso, como se estivesse a ver-me - de fora - dependente daquele alimento - pensei, senti, a angústia de não ser eu diferente, mesmo o horror por estar submetido, para viver, à condição: tens que comer! O que eu não daria, os séculos que não desejaria transpor de um salto, para não estar submetido à atroz sentença: tens que comer! Ah! poder um dia não comer! viver finalmente livre dessa premente condição imposta pela natureza. Ah! poder um dia, em vez de a vida me dizer incessantemente: Come! Vai comer!, dizer: Outrora comia porque tu querias, agora como, apenas, se quero, Ó Vida; agora como apenas e só por capricho! Por capricho!

Sem comentários:

Enviar um comentário