(...)
E quando exclamo: «Amaldiçoai todos os demónios cobardes que trazeis em vós, esses demónios sempre prontos a gemer e adorar!» eles clamam: «Zaratustra é ímpio!»
São sobretudo os pregadores da resignação que dizem tais coisas, e é justamente a esses que me apraz gritar ao ouvido: «Sim, eu sou o Zaratustra o ímpio!»
Os pregadores de resignação! Em todos os cantos onde se anicham a mesquinhez, a doença, a tinha, insinuam-se como piolhos…
Pois bem! eis o sermão que dedico aos seus ouvidos: eu sou Zaratustra, o ímpio que diz: «Quem é mais ímpio do que eu, para me matricular na sua escola?»
Eu sou Zaratustra, o ímpio; onde encontrarei o meu semelhante? Os meus semelhantes são todos os que se agarram à vontade por si próprios e se desprendem de qualquer resignação.
Eu sou Zaratustra, o ímpio. Ponho todos os acasos a coser na minha própria panela. E quando estão bem cozidos, declaro que são excelentes, porque são pratos da minha cozinha!
E na verdade, mais de um acaso me abordou com arrogância, mas a minha vontade respondeu-lhe com mais arrogância ainda (…)
Mas para quê dizer estas palavras se ninguém tem, para me ouvir, ouvidos? Por isso os meus gritos a todos os ventos:
- Estais a encolher a olhos vistos, vós humildes! Estás-vos a desintegrar, gente acomodatícia!
- E terminareis por ir a pique com a vossa pesada infinidade de pequenas virtudes, à força de pequeninas maldades, à força de minguada resignação! (…)
A vossas lacunas se misturam e incorporam na teia do futuro dos homens, até o vosso vazio é uma teia de aranha que se nutre do sangue do futuro.(…)
«Tudo se arranja.» Eis mais uma máxima da vossa resignação. Mas eu vo-lo digo, almas delicadas: «Tudo se desarranja, e tudo vos perturbará cada vez mais.»
(…) Amai o próximo como a vós mesmos, se tal vos aprouver; mas sabei primeiro amar-vos a vós mesmos, amar-vos com grande amor, amar-vos com grande desdém!» Assim falava Zaratustra, o ímpio.
Mas para que falar quando ninguém tem ouvidos para me entender? Ainda é muito cedo para o meu tempo.
Eu sou entre esta gente o meu próprio precursor, o canto do galo que anuncia a chegada da minha nova aurora para esta ruelas obscuras…
Mas um dia a minha hora chegará! De hora a hora se tornam mais mesquinhos, mais miseráveis, mais estéreis – pobre vegetação, miserável plebe…
Breve os verei parecidos com a erva seca da estepe, e verdadeiramente cansados de si mesmos, aspirando mais ao fogo do que à água.
Assim falou Zaratustra!
Sem comentários:
Enviar um comentário