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terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Drageias coloridas para vidas cinzentas...

…do banco da carruagem do metro onde estou sentado costumo ver uma jovem atraente retirar da malinha uma pequena caixa de plástico transparente, contendo  drageias coloridas. Com cuidado agarra-as com a ponta dos dedos leva-as aos lábios, ajeita-as na boca e engole-as uma a uma sem água….
Ela está ali mas não está; não sente o mundo que a rodeia, não o vê, não o ouve; tão absorta e alheada está da vida ao seu redor... os passageiros olham para ela, mas ela olha para o chão… ou melhor não olha, tem apenas a cara virada para baixo…
Se o destino quisesse que eu a ajudasse a reerguer-se decerto que a ajudaria, mas uma barreira invisível de receio e timidez separa-nos como um vidro e sinto que para lhe tocar precisaria do saber quebrar com subtileza – mas como? se ela está ali como se não estivesse – para falar-lhe precisaria primeiro de a acordar e isso seria notado por todos!, - ela assustar-se-ia, faria aquela cara de estupefacção – ou pior ainda - apontar-me-ia o dedo e diria: - Vejam não o conheço e o louco ousa falar-me!!!
... e Eu?  imobilizado, penso, não consigo deixar de pensar, preso da fobia do estranho tímido... doloroso querer tanto falar-lhe... insuportável a tensão crescente, até perder a vontade de estilhaçar as vidraças negras da apatia; derrotado, olho-a uma vigésima vez...
...penso «o inferno são os outros, eu falar-lhe-ia se estivéssemos a sós… »
ajudá-la a ser era ajudar-me a ser também… os pensamento nesse sentido confrontam-se com as forças das mil correntes que me atam de mãos e pés…
se ao menos ela levantasse os olhos…
dez minutos passaram, ela nem os moveu…
a espessura do vidro aumentou - é insuportável o fracasso…!, não irei nunca ajudá-la, ela seguirá a sua vida e eu a minha… mais dia menos dias voltará à consulta com o Psiquiatra – ele não saberá explicar-lhe a solução para o mal de que padece porque de igual mal nunca padeceu - deveria mostrar-lhe um espelho e dizer-lhe : veja para ali, é você! - viu!? a dimensão do seu alheamento!? – mas não! do espelho só existe mesmo o medo ao espelho -
Se ela interagisse com o mundo o mundo a salvaria – mas o Psiquiatra não a ajudará a conseguir esse feito – não a ensinará a dar por ela própria esse pequeno passo – antes lhe prescreverá mais consulta e muitas drogas - em forma de drageias coloridas - e ela vai tomá-las uma a uma!
leva o tratamento à risca, ao segundo, chega àquela hora esteja onde estiver abre a mala, tira a pequena caixinha, e com a ponta dos dedos leva as drageias à boca e engole-as todas, sentada no banco da carruagem do Metro, sem reparar em mais nada...

1 comentário:

  1. Pelo menos duas relevantes reflexões me atormentam: Quantas pessoas passam por isso todos os dias? Como poderia ajudá-las?
    E para aumentar a minha angústia, a minha mente ecoa um sonoro: Não seiiiiiiiiiiiii!!
    A garota da vida cinza, anestesiada e apática, não consegue escapar do seu próprio mundo...Ela me comove e me faz ressaltar as cores da minha vida!!! Pq nenhum problema é tão grave quanto o de se estar anestesiado, entorpecido d forma a não ser tocado pelos acontecimentos alegres ou não... a sua angústia é tão severa consigo q ela não suportaria esperar por um simples copo d'água para ajudar a ingerir o bálsamo para a felicidade em forma das tais drágeias coloridas... quisera eu ser esse copo d'água... bom seria se ela visse os mesmos girassóis q eu vejo pelo caminho e q percebesse a brisa morna, suave e constante q sinto ao caminhar sem destino ou razão, numa vida que jamais se torna cinza nem com o tempo mais fechado... lindo texto.

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