às oito o som agudo do telemóvel despertador acorda o funcionário… sem medo do frio salta da cama, veste-se à pressa, calça as peúgas pretas que à 6 horas tirou dos pés... Equilibra-se numa perna para vestir as calças de ganga e depois veste pela cabeça, como se fosse uma TSHIRT, a camisa de botões que não desabotoou … cinco minutos apenas e já está na rua - um novo record batido..
Às 9 horas já está no local trabalho, agora põe um ar sério de pessoa competente e olha para os colegas!, endomingados nos seus fatos escovados sem vincos quase perfumados… que ninho de víboras!! Eram 11 funcionários mas aos poucos os mais respeitáveis foram expulsando os colegas diferentes e agora restavam apenas um grupo, 3 mulheres e dois homens. Por isso, reinava na sala da 1ª repartição da Caixa Geral de Aposentações um silêncio sepulcral, respeitado até pelas moscas… estas para o não perturbarem já não voavam... acaso uma delas cedo pousasse na careca do pobre estagiário passava lá toda a manhã… uma perfeita simbiose…só se ele se erguesse da cadeira é que ela levantava voo para o seguir… o silêncio das cinco mesas com cinco cadeiras com as cinco pessoas era como disse sepulcral, dir-se-ia um silêncio branco apenas pincelado de tempo a tempos pelo barulho circular das roldanas da velha impressora central… a impressão do perfeito funcionalismo daquela secção causava nas pessoas e nos próprios funcionários a ideia de que ali o erro havia sido abolido, - eram na maioria todos bastante presunçosos – por isso foi com grande alarme e enorme susto que após o ranger da porta - que já não rangia há mais de um ano – viram entrar uma velha senhora mal vestida a aproximar-se do balcão – e perguntar bem alto: - Porque é que não me pagaram a reforma do meu falecido marido, há 15 anos???
- Desculpe? 15 anos?
- Sim há 15 anos…
- Deve ser um engano…
- Não é engano não.
- E só agora é que deu por isso?
- Não já dei por isso há 15 anos…
- E porque é que só veio agora…
- Porque só agora é que pude vir.
Aproximou-se outro funcionário da mesa…
- O que é que se passa?
- Esta senhora queixa-se que não recebe a pensão do marido…
Aproxima-se do balcão a chefe (assustada)
- A senhora espere um bocadinho, nós vamos averiguar, aliás peço-lhe descrição, vamos todos tratar já do seu caso… Parem tudo o que estão a fazer!, Consultem as pastas dos arquivos de 1990…
- Isto é no mínimo insólito! Garanto-lhe minha senhora, a haver erro nosso, dos nossos serviços, o responsável vai ser disciplinarmente punido… Eu mesmo vou instaurar-lhe um processo disciplinar…
- Ainda bem que o nosso ex-chefe foi transferido, isto matava-o! Cardíaco!
- Já se vai saber.. Pois bem, em que ano?, quando foi a ultima vez que recebeu a pensão do seu falecido marido?
- Nunca!
- E porque é que só agora pôde vir? Esteve doente? Internada?
- Estive internada estive!
- Ahhh Pois vamos ver o que aqui diz… Aqui não diz nada… Procurem na pasta da correspondência externa! A Senhora espere aqui, vamos reunir. Vamos já tratar do seu problema… Sente-se ali se preferir… não demora…
- Só quero saber quem é que me vai pagar estes anos todos!!!!!
Na mesa central todos desfolhavam pastas, ansiosos por encontrarem o erro e o seu autor!, com o coração nas mãos do medo de ter sido de algum deles. Estiverem nisto 10 minutos de verdadeira ansiedade e sofrimento. Já suavam quando se ouviu vindo do fundo da sala um suspiro de alívio.
- Não procurem mais, já descobri...
- Quem foi o responsável?
- Não foi ninguém. Aliás foi o Juiz!!
- O Juiz?!! Não estou a entender!!!
- O marido de facto morreu, mas foi ela que o matou! A pensão foi-lhe simplesmente retirada!
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