passara o tempo em que ainda subia às oliveiras....
o nevoeiro húmido da noite em Vila Real lembrava a neblina densa nas manhãs de Inverno para a qual eu criança olhava vidrado, por me revelar algo que parecia ver pela primeira vez...
a neblina nocturna amarelada pela luz dos candeeiros diria que esperava...
tudo esperava
o menino, o avô ...
as pessoas saudosas, os amigos...
... eu, a simpatia da bela jovem para quem olhara cativado... .
já a olhava sem pestanejar, quando por mérito da proximidade, cumprimentá-mo-nos...
falávamos e depois de uma pequena pausa a jovem mulher exclamou
- «Não me olhes assim! Não gosto que me olhes assim!»...
pensei - «perturbou-a ver-me nos olhos o êxtase estético que ela própria provocava»
... mas esgotando-se as razões de permanecermos ali em companhia um do outro e ocultando eu a mais profunda - a fruição contemplativa da sua feminina figura - despedimo-nos.
.... todavia fosse pelo tom de voz com que disse
- Não me olhes assim! Não gosto que me olhes assim! - fosse porque eu não conseguia mesmo evitar escrever, na manhã do dia seguinte, em torno daquela frase e relembrando retalhos da minha infância, escrevi-lhe uma carta...
...depois de ouvirmos tocar a campainha, era com imenso prazer que eu e minha irmã rápidos descíamos os degraus três a três para ir beijar minha avó que chegava. Enquanto descia as escadas aos saltos, sempre com os olhos postos nos degraus, gritava para mim mesmo «É a avó! É a avó!» O último salto era para os braços da minha avó... Essa mesma avó que abria a porta da coelheira para eu ver os coelhinhos, que só apetecia agarrar, a quem eu logo dizia «Avó apanha-me um.» Não precisava de lhe pedir outra vez; ela, estendia os braços e os coelhinhos, todos muito juntinhos a olhar para nós, de repente saltavam em todas as direcções e uns por cima dos outros. Todo aquele movimento cessava quando minha avó apanhava um. Eu não reparava em mais nada, só no coelhinho; podiam as galinhas fazer muito barulho, os patos grasnar, o cão ladrar, nada fazia com que eu retirasse os olhos daquele coelhinho. Jamais um deles me disse:
- Não me olhes assim! Não gosto que me olhes assim!”.
Eu não reparava em mais nada, mas minha avó reparava, reparava na aflição com que a mãe coelha olhava para nós. «Pronto, pronto! – dizia-lhe minha avó, libertando-o – aqui tens o teu pequenino! Nós não lhe fizemos mal.» E ficávamos todos a vê-lo voltar para ao pé dos seus, eu, a minha avó, a coelha cinzenta e os seus irmãos. Depois de olhá-los uma última vez minha avó fechava a porta e abria uma outra, contígua, mas de uma outra casinha, a do coelho da semente.
-Avó este é muito grande. Ó vó tu não matas este?
- Este não filho, este é o coelho da semente.
Eu percebia por coelho da semente aquele que minha avó nunca matava...
- eu nem sabia o porquê.. cheguei a cogitar que a minha avó gostasse mais dele que dos outros...
... porque os outros ela matava.
Eu não gostava que se matasse os coelhos, mas via muitas vezes minha avó matá-los.
Ela fazia assim: agarrava-os pelas patas traseiras com a mão esquerda, depois. levantava o braço direito e cerrando os dentes descia-o atestando com força uma, duas três ou quatro pancadas de mão fechada na nuca do coelho, atrás das orelhas, e só depois o punha no chão meio morto...
Eu tinha pena deles e agachava-me para lhe fazer festinhas... Se minha avó me via a fazer-lhe festinhas repreendia-me logo.
- Deixa-o, ele assim nunca mais morre...
Eu obedecia-lhe, levantava-me e ficava a olhar para o coelho.
- Coitadinho! Coitadinho!
Repreendia-me outra vez minha avó.
- Não lhe chames coitadinho! Ele assim demora mais tempo a morrer...
Não era mentira o que a minha avó dizia, bem sei hoje que não há nada com mais efeito positivo sobre os seres como o fazer-lhes festinhas ou falar-lhes com palavras meigas...
... e assinei a carta.
mas hoje à distancia de mais uma década, relembrando aquela noite, vejo que no tempo em que ali deambulava à espera, eu procurava sobretudo, acima de todos os compromissos e deveres, marcar um encontro com um tempo em que escreveria as histórias de vida das pessoas, seus desejos e sonhos...
o nevoeiro húmido da noite em Vila Real lembrava a neblina densa nas manhãs de Inverno para a qual eu criança olhava vidrado, por me revelar algo que parecia ver pela primeira vez...
a neblina nocturna amarelada pela luz dos candeeiros diria que esperava...
tudo esperava
o menino, o avô ...
as pessoas saudosas, os amigos...
... eu, a simpatia da bela jovem para quem olhara cativado... .
já a olhava sem pestanejar, quando por mérito da proximidade, cumprimentá-mo-nos...
falávamos e depois de uma pequena pausa a jovem mulher exclamou
- «Não me olhes assim! Não gosto que me olhes assim!»...
pensei - «perturbou-a ver-me nos olhos o êxtase estético que ela própria provocava»
... mas esgotando-se as razões de permanecermos ali em companhia um do outro e ocultando eu a mais profunda - a fruição contemplativa da sua feminina figura - despedimo-nos.
.... todavia fosse pelo tom de voz com que disse
- Não me olhes assim! Não gosto que me olhes assim! - fosse porque eu não conseguia mesmo evitar escrever, na manhã do dia seguinte, em torno daquela frase e relembrando retalhos da minha infância, escrevi-lhe uma carta...
...depois de ouvirmos tocar a campainha, era com imenso prazer que eu e minha irmã rápidos descíamos os degraus três a três para ir beijar minha avó que chegava. Enquanto descia as escadas aos saltos, sempre com os olhos postos nos degraus, gritava para mim mesmo «É a avó! É a avó!» O último salto era para os braços da minha avó... Essa mesma avó que abria a porta da coelheira para eu ver os coelhinhos, que só apetecia agarrar, a quem eu logo dizia «Avó apanha-me um.» Não precisava de lhe pedir outra vez; ela, estendia os braços e os coelhinhos, todos muito juntinhos a olhar para nós, de repente saltavam em todas as direcções e uns por cima dos outros. Todo aquele movimento cessava quando minha avó apanhava um. Eu não reparava em mais nada, só no coelhinho; podiam as galinhas fazer muito barulho, os patos grasnar, o cão ladrar, nada fazia com que eu retirasse os olhos daquele coelhinho. Jamais um deles me disse:
- Não me olhes assim! Não gosto que me olhes assim!”.
Eu não reparava em mais nada, mas minha avó reparava, reparava na aflição com que a mãe coelha olhava para nós. «Pronto, pronto! – dizia-lhe minha avó, libertando-o – aqui tens o teu pequenino! Nós não lhe fizemos mal.» E ficávamos todos a vê-lo voltar para ao pé dos seus, eu, a minha avó, a coelha cinzenta e os seus irmãos. Depois de olhá-los uma última vez minha avó fechava a porta e abria uma outra, contígua, mas de uma outra casinha, a do coelho da semente.
-Avó este é muito grande. Ó vó tu não matas este?
- Este não filho, este é o coelho da semente.
Eu percebia por coelho da semente aquele que minha avó nunca matava...
- eu nem sabia o porquê.. cheguei a cogitar que a minha avó gostasse mais dele que dos outros...
... porque os outros ela matava.
Eu não gostava que se matasse os coelhos, mas via muitas vezes minha avó matá-los.
Ela fazia assim: agarrava-os pelas patas traseiras com a mão esquerda, depois. levantava o braço direito e cerrando os dentes descia-o atestando com força uma, duas três ou quatro pancadas de mão fechada na nuca do coelho, atrás das orelhas, e só depois o punha no chão meio morto...
Eu tinha pena deles e agachava-me para lhe fazer festinhas... Se minha avó me via a fazer-lhe festinhas repreendia-me logo.
- Deixa-o, ele assim nunca mais morre...
Eu obedecia-lhe, levantava-me e ficava a olhar para o coelho.
- Coitadinho! Coitadinho!
Repreendia-me outra vez minha avó.
- Não lhe chames coitadinho! Ele assim demora mais tempo a morrer...
Não era mentira o que a minha avó dizia, bem sei hoje que não há nada com mais efeito positivo sobre os seres como o fazer-lhes festinhas ou falar-lhes com palavras meigas...
... e assinei a carta.
mas hoje à distancia de mais uma década, relembrando aquela noite, vejo que no tempo em que ali deambulava à espera, eu procurava sobretudo, acima de todos os compromissos e deveres, marcar um encontro com um tempo em que escreveria as histórias de vida das pessoas, seus desejos e sonhos...
Os olhares dos jovens (menino e homem) congelaram-me no meu imaginário. Talvez por estar certa de que se tratam dos mesmos olhos, maaaaas não do mesmo olhar (já que tudo flui como um rio como diria... importa, quem disse?).
ResponderEliminarEnquanto o garoto era doce e confiável, despertando quase uma reciprocidade em relação ao indefeso coelhinho, o homem , não saberia eu opinar sobre o seu olhar, mas ao tomar como referência a "coelhinha" deveria ser um olhar fixo, inquisidor, desconcertante... ou apenas o que restou do doce olhar de outrora do garoto, mas mal-interpretado... como saber? A "coelhinha" que na realidade não pertence à fauna, mas a flora em seu encanto peculiar que captou a atenção de sua "vítima" expõe, talvez, naturalmente a beleza de uma flor em pleno botão e graça... mas inábil, tímida ou temerosa, ao invés de permitir-se exalar o seu perfume, lança os seus espinhos ocultos pelas suas atrativas pétalas e demais ornamentos do seu jardim. Assim, desenham-se duas vítimas de recordações anteriores àquele inesperado encontro.(Ele guardando em si o olhar do coelhinho e ela, talvez, o olhar de outro de quem não gostaria de se lembrar... suposições e mais suposições...).
Cristalizei o seguinte também:
"...sei hoje que não há nada com mais efeito positivo sobre os seres como o fazer-lhes festinhas ou falar-lhes com palavras meigas..."
Sim, se houver pré-disposição da outra parte em receber tais afagos, mas é intrigante pensar que há quem não se importe, que deveras não se preocupe com o cuidado que uma pessoa deva ter por outra. Respeito, carinho, admiração, amor, cuidado etc... tudo deve ser manifestado, não se deve guardar algo que de fato não lhe pertence. As sementes precisam ser lançadas por onde se andar, pois nem sempre o solo é fértil ou o clima bom, mas em algum lugar, um dia, elas vão germinar e vão gerar novas sementes e um dia elas retornam para o seu semeador original.
Texto profundo, belo na sua tristeza. Poderia passar a noite deliberando sobre ele, maaaaaas o sono me chama.