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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

amor à primeira vista

há uns nos atrás a andar pelas calçadas de Braga olhei uma montra - despertou-me a atenção o que estava do lado de lá da vitrina… não era uma peça de roupa de alta costura, tão pouco um sapato de salto alto extremamente sexy, ou as páginas abertas de um livro propositadamente colocado perto do vidro para poder serem lidas, era sim um quadro pintado a óleo… Àquela hora a galeria estava fechada e eu não pude aproximar-me mais do que permitia a vitrina… pensei que seria fácil voltar a vê-lo no dia seguinte, a uma hora em que a galeria estivesse aberta, mas estava tão imerso numa sensação de prazer e de agitação que não consegui arredar dali sem primeiro a esgotar. Estive ali especado a olhá-lo… enquanto sentia o frio a arrefecer-me… havia outros quadros filhos do mesmo pintor mas nenhum como aquele… lembro-me bem… por cima do quadro havia centímetros acima uma luz a iluminá-lo… retratava o quadro um monge ocidental sentado sobre um banco como os que se vêem nos jardins, de braços abertos, com a cabeça encoberta pelo capuz do hábito… a tonalidade da cor em verde escuro e a imobilidade ali patente… fazia-nos ver uma estátua sentado num banco… de uma das mangas pendia uma mão que segurava um leve objecto com que os antigos escreviam, uma pena… talvez fosse um monge copista… talvez um filosofo… procurei a assinatura do autor… Nestares, José Luís Nestares… depois por baixo num plaquinha branca vi o preço… era um preço justo… … seria já perto da meia-noite quando finalmente me decidi separar-me daquele lindo ser inanimado que me dera vida, ânimo e suficiente alento para no dia seguinte voltar a procurá-lo… acredito, se aquele quadro tivesse pernas eu tê-lo-ia seguido… mas não, não tinha pernas de homem nem de mulher, estava suspenso por fios na parede… … o dia seguinte passou-se no Tribunal - um dos locais onde já se tornara hábito passar os dias por lá trabalhar… era estagiário e reconfortava-me saber que tinha um emprego mais ou menos semelhante ao que tivera Nicolau Gogol… já passava um pouco das 17 horas quando ouvi o escrivão dizer-me “que já tinha ganho o dia”… sem mais demoras sai e apressei-me a chegar à galeria… de tão feliz ir por já me imaginar diante do quadro, assim que olhei para a vitrina, senti uma tristeza como há muito já não me acontecia, foi como se ouvisse dizerem-me: ela foi-se embora. O quadro não lá estava, não tinha ido pelas suas próprias pernas, tinham-no levado… … nunca vou esquecer a frustração que foi ler: Vendido! – … de tão desalentado e desanimado nem quis entrar na galeria, convicto que aquele quadro nunca haveria de ser meu por mais que o amasse… … se a sensação de perca dos seres e das coisas amadas levasse ou arrastasse as almas para o completo esquecimento da sua existência viveríamos sem lutos, mas é o contrário que acontece, lembramo-los ainda mais… … já passaram mais de 7 anos desde esse meu amor à primeira vista… … é admirável o sentimento, passados todos estes anos a mais leve esperança de um dia voltar a vê-lo inebria-me de um prazer infinito…

1 comentário:

  1. Efêmero e eterno...

    Certa vez ouvi uma frase que jamais saiu da minha mente... “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
    Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.” Dizem ser do Fernando Pessoa, eu não sei, mas a autoria não é tão importante quanto a sua mensagem.

    O tempo é uma mera convenção utilizada para organizar a vida e, a cada dia, ele tem sido objeto dos mais sedentos desejos... pq é assim, geralmente se deseja ardentemente o q não se possui, pensar de outro modo seria, em muitos casos, contraditório. De certo modo, para algo extraordinário acontecer é preciso estar com o coração aberto, o que não é tarefa fácil, mas apenas a prática leva à perfeição. Para amar é preciso uma espécie de pré-disposição silenciosa, mas latente... é necessário querer e estar preparado para reconhecer entre tantas pessoas ou coisas o que, de fato, toca o mais essencial de cada um. É uma equação econométrica... Poucos se saem bem, pq há diversos obstáculos interiores e externos que podem interromper os caminhos, o que nem sempre é superado de modo razoável.

    A vida pode ser resumida em uma palavra: aprendizado.

    Sim... o que é bom ensina, o que não é, doutrina e os resultados originam pessoas mais sinceras, sensíveis e interessantes quando realmente entendem o propósito do que se passa. As lições podem parecer efêmeras, mas o eco é eterno.

    A quase devoção ao quadro tão delicadamente descrito, revela uma admiração transformada em puro amor. Algo que não aceita restrições ou comparações, do tipo que, por muito tempo, servirá de referencial para todos os amores posteriores... que podem ser desconsiderados por causa de algo prévio desconhecido por eles... O texto é suave, doce e amargo como a vida, mas cabe a cada um decidir o que vai ingerir... Outra passagem no texto muito sutil é o da perda física do quadro. Na realidade, o adorador não ia ao encontro para ver a obra... definitivamente não, pois o quadro estava preso à sua mente por meio de poderosos fios invisíveis que o ligava ao seu coração. O que acontece é que todos precisam sentir emoções, das mais elevadas às comuns, mas é preciso isso para sentir-se vivo, para saber, sentir plenamente que os dias não se passam de forma vã. Alguns, na pressa humana de eternizar momentos, situações precipitam-se, mas com o único intuito de materializar o etéreo...expressar e até expulsar o que o coração abriga tão cuidadosamente. No entanto, quando o quadro se vai, deixa uma sensação que compreende toda a sua eternidade... por isso penso que não importa realmente o tempo dos momentos, mas a sua intensidade e mais além ... a sua verdade.
    Tantas linhas inspiradas poderia escrever, mas o tempo está contra mim... ainda não dormi e o sono me chama tão suavemente que não lhe poderia resistir...

    Devaneios... deliberações...

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